The Gentile Times Reconsidered (Os Tempos dos Gentios Reconsiderados) (Atlanta: Commentary Press, 1998, terceira edição) de Carl Olof Jonsson, pp. 72-88.

Capítulo 2: Cronologia Bíblica e Secular

Carl Olof Jonsson


Ao defender a data 607 A.E.C. como sendo o momento da desolação de Jerusalém e ponto de partida para calcular a duração dos tempos dos Gentios, representantes da Watch Tower Society alegam que estão a basear-se na Bíblia. Eles dizem que os que datam a desolação como tendo ocorrido em 587 ou 586 A.E.C. estão a basear-se em fontes seculares em vez de na Bíblia. O autor anônimo do "Apêndice ao Capítulo 14" do livro "Let Your Kingdom Come" ["Venha o Teu Reino"], por exemplo, declara:

Estamos dispostos a ser guiados principalmente pela Palavra de Deus, em vez de por uma cronologia que se baseia primariamente em evidência secular ou que discorda das Escrituras.1

Obviamente, essas declarações tentam criar a impressão de que aqueles que rejeitam a data 607 A.E.C. para a desolação de Jerusalém não têm verdadeiramente fé na Bíblia. Mas será que essas declarações apresentam uma descrição justa do assunto? Ou são apenas injúrias santimoniosas, que têm por objetivo difamar a personalidade cristã daqueles que discordam, não com as Escrituras, mas com as datações da Watch Tower Society? Ou será que até se dá o caso de os próprios defensores da cronologia da Sociedade não terem realmente compreendido a verdadeira natureza da cronologia bíblica?

A natureza da cronologia bíblica

Hoje as pessoas lêem ou usam os termos A.C. e D.C. (correspondendo a A.E.C. e E.C.) e geralmente não pensam na origem destas designações. Na realidade, a "era cristã", na qual os acontecimentos são datados relativamente ao ano do nascimento de Cristo, é uma construção muito tardia. Conforme está bem estabelecido, o sistema só foi introduzido no sexto século E.C. pelo monge e erudito romano Dionysius Exiguus. Contudo, ainda haviam de passar mais 500 anos antes de esta nova era ser geralmente aceite como um sistema de datas no mundo Católico.

Como a Bíblia foi escrita muito antes do tempo de Dionysius Exíguus, é claro que não dá quaisquer datas segundo a nossa era Cristã. Assim, embora a Watch Tower Society apresente a data 29 E.C. para o batismo de Jesus, 455 A.E.C. para o 20.º ano de Artaxerxes, 539 A.E.C. para a queda de Babilônia, e 607 A.E.C. para a desolação de Jerusalém, nenhuma destas datas se encontra na Bíblia. A Bíblia só dá datações relativas. Quais são as conseqüências disso?

Considere este exemplo relevante: Em 2 Reis 25:2 a data apresentada para a desolação de Jerusalém é o "décimo primeiro ano do Rei Zedequias", o último rei de Judá. O versículo 8 diz-nos adicionalmente que isto ocorreu no "décimo nono ano do Rei Nabucodonosor, rei de Babilônia".

Mas quando foi isso? Quão distante do nosso tempo isso ocorreu? Quantos anos antes da era Cristã isso aconteceu? A realidade é que a Bíblia não dá qualquer informação que, por si só, ligue estas datas à nossa era Cristã.

Analogamente, os livros de Reis e Crônicas falam dos reis que governaram em Israel e Judá desde Saul, o primeiro rei, até Zedequias, o último rei. Somos informados sobre quem sucedeu a quem, e durante quantos anos cada um deles governou. Somando as durações dos reinados desde Saul até Zedequias, podemos medir o espaço de tempo aproximado (existem muitos pontos incertos) entre estes dois reis. Desta forma, descobrimos que o período das monarquias hebraicas abrangeu aproximadamente 500 anos. Mas ainda não encontramos resposta para a pergunta: Em que ponto da corrente do tempo este período começou e em que ponto terminou?

Se a Bíblia tivesse continuado e desse uma série contínua e ininterrupta de anos de reinado desde Zedequias até ao início da era Cristã, a pergunta teria sido respondida. Mas Zedequias foi o último da linha Judaica de reis e o seu reinado terminou séculos antes da vinda de Cristo. A Bíblia também não nos dá qualquer informação adicional que nos identifique diretamente a duração do período desde o "décimo primeiro ano" de Zedequias (quando Jerusalém foi desolada) até ao início da era Cristã. Assim, temos um período de aproximadamente 500 anos, o período das monarquias hebraicas, mas não nos é dito quão distante do nosso tempo foi esse período nem como pode ser datado em relação à nossa era Cristã.

Se a Bíblia tivesse preservado descrições datadas e detalhadas de eventos astronômicos, como eclipses solares e lunares, ou as posições dos planetas em relação a várias estrelas e constelações, isto tornaria o nosso problema mais fácil. Os astrônomos modernos, com o seu conhecimento dos movimentos regulares da lua e dos planetas, conseguem calcular as posições que estes corpos celestes tinham no céu estrelado há milhares de anos. Mas a realidade é que a Bíblia não fornece informação deste tipo.

Portanto, a Bíblia por si só não mostra como as suas datações cronológicas podem ser relacionadas com a nossa própria era. Uma cronologia que está "suspensa no ar" neste sentido é simplesmente o tipo de cronologia chamada cronologia relativa. Só se a informação bíblica nos fornecesse a distância exata desde o tempo de Zedequias até à nossa própria era -- através de uma lista de duração de reinados completa e coerente ou por observações astronômicas detalhadas e datadas -- é que teríamos uma cronologia absoluta, isto é, uma cronologia que nos dá a distância exata desde o último ano de Zedequias até ao nosso próprio tempo.2 Parece evidente que os próprios escritores da Bíblia não estavam preocupados em fornecer isto, o seu foco de atenção estava simplesmente em outros assuntos. Então, a que fonte podemos recorrer para fazer a ligação com a contagem da nossa era?

Será que existe uma "cronologia bíblica" sem fontes seculares?

Apesar da natureza relativa das datas bíblicas, ainda assim não é impossível datar acontecimentos mencionados na Bíblia. Se conseguíssemos sincronizar a cronologia da Bíblia com a cronologia de outro país, que pudesse por sua vez ser fixada em relação à nossa era cristã, então seria possível converter a cronologia relativa da Bíblia numa cronologia absoluta. Contudo, isto significa que teríamos de nos basear em fontes extra-bíblicas, isto é, em fontes históricas seculares, para datar acontecimentos mencionados na Bíblia.

E não temos outra alternativa. Se queremos saber quando ocorreu, em relação ao nosso próprio tempo, um acontecimento mencionado na Bíblia -- seja a data para a queda de Babilônia, a data para a desolação de Jerusalém por Nabucodonosor, a data para a reconstrução do templo no reinado de Dario I, ou qualquer outra data -- então somos obrigados a recorrer a fontes históricas seculares. Este é o sério fato que todos os crentes na Bíblia têm de aceitar, quer gostem ou não. A verdade simples é que -- no que diz respeito à ligação com o modo de contar o tempo da nossa era cristã -- sem fontes seculares não há cronologia bíblica, não há datações de acontecimentos bíblicos em termos de anos "A.E.C." ou "E.C."

Isto também significa, é claro, que quem fala em usar a "cronologia da Bíblia" como uma forma unilateral e independente de medir o tempo, através da qual a correção de uma certa data pode ser estabelecida, está simplesmente a ignorar a realidade. Quando, por exemplo, algumas Testemunhas apontam o fato de os historiadores modernos datarem a queda de Babilônia em 539 A.E.C. e depois alegam que "a cronologia da Bíblia está em acordo com esta data", elas mostram que na realidade não compreenderam o que a natureza relativa da cronologia bíblica realmente implica. Onde é que a Bíblia atribui uma data para a queda de Babilônia? Uma Testemunha pode referir a profecia de Jeremias acerca dos "setenta anos" até à queda de Babilônia. Mas em que data começaram esses setenta anos, de modo a que possamos contar em diante até ao seu término? Não é fornecida qualquer data. Como a Bíblia não dá qualquer data, nem sequer uma data relativa específica, para a queda de Babilônia, a afirmação de que a Bíblia "concorda" com a datação secular deste evento como tendo ocorrido em 539 A.E.C., é completamente desprovida de sentido.3 E é igualmente desprovido de sentido e enganador dizer que a data secular para a desolação de Jerusalém, 587 ou 586 A.E.C., discorda da cronologia da Bíblia, pois a data absoluta para esse evento também não é dada na Bíblia.

Que dizer dos 70 anos de Jeremias 25:11, 12 e 29:10, que desempenham um papel tão importante na cronologia das Testemunhas? As Testemunhas, com toda a naturalidade, defendem a alegação da Watch Tower Society de que estes 70 anos se referem ao período da desolação de Jerusalém, contado desde o 18.º ano de Nabucodonosor até ao regresso dos exilados judeus no 1.º ano de Ciro (isto é, no seu primeiro ano completo ou de reinado, a seguir ao seu ano de ascensão, que começou em 539 A.E.C.). Como conseqüência desta interpretação, o intervalo de tempo entre as datas que os historiadores estabeleceram para estes dois eventos -- 587/586 e 538/537 A.E.C. -- parece ser muito curto, faltando-lhe uns 20 anos. Por isso, a Watch Tower Society escolhe rejeitar uma dessas duas datas. Eles podiam rejeitar a data do 18.º ano de Nabucodonosor (587/586 A.E.C.) ou rejeitar a data do primeiro ano de reinado de Ciro (538/537 A.E.C.). Eles rejeitam a primeira data, 587/586 A.E.C. Em que se baseiam para rejeitar essa data e não a outra?

Não existe uma razão bíblica para esta escolha. Conforme foi indicado anteriormente, a própria Bíblia não concorda nem discorda de qualquer destas duas datas, que são expressas em termos do modo de contar o tempo da era cristã. Além disso, a Bíblia simplesmente não fornece meios que nos permitam decidir qual das duas datas é a melhor, em termos de ser firmemente estabelecida. Em que base, então, devia a escolha ser feita -- admitindo que a interpretação da Sociedade sobre os 70 anos está correta?

O método mais lógico, seguro e erudito seria aceitar a data que for mais claramente estabelecida pelas fontes históricas extra-bíblicas. A razão é que estas fontes fornecem mesmo a informação que é necessária para fazer a ligação com o nosso modo de contar o tempo da era cristã. E, conforme será demonstrado nos próximos dois capítulos, estas fontes mostram de forma muito definitiva que, das duas datas mencionadas acima, a cronologia do reinado de Nabucodonosor é muito melhor estabelecida por documentos astronômicos e outros do que a cronologia do reinado de Ciro. Por essa razão, se fosse realmente necessário fazer uma escolha, e um cristão crente na Bíblia fosse confrontado com essa decisão, a escolha natural devia ser reter a data 587/586 A.E.C. e rejeitar a data 538/537 A.E.C.

No entanto, a Watch Tower Society prefere a escolha oposta. Se a razão para isto não se deve à própria Bíblia favorecer uma destas datas em vez da outra, e certamente também não é porque a evidência histórica o faça, então qual é a verdadeira razão que determina a escolha deles?

Lealdade à Bíblia? Ou Lealdade a uma especulação profética?

Se, conforme eles alegam, o período de 70 anos da profecia de Jeremias deve realmente ser contado desde o 18.º ano de Nabucodonosor até ao 1.º ano de Ciro, a Watch Tower Society devia logicamente ter começado com 587/586 A.E.C. como historicamente a mais fiável das duas datas. Contando para a frente 70 anos a partir dessa data obtém-se 518/517 A.E.C. como sendo o primeiro ano de Ciro, em vez de 538/537. Isto seria tão bíblico e de fato mais sábio do que reter 538/537 A.E.C. e rejeitar 587/586 (sendo esta última data aquela que tem o apoio documental e astronômico mais forte).

Por que é, então, que a Watch Tower Society rejeita 587/586 A.E.C. em vez de rejeitar 538/537?

A resposta é óbvia. A data 587/586 A.E.C. está em conflito direto com a cronologia da Watch Tower Society para os "tempos dos Gentios". Nessa cronologia, a sua data 607 A.E.C. para a destruição de Jerusalém é o ponto de partida indispensável. Sem a data 607 A.E.C. a Sociedade não poderia chegar a 1914 E.C. como sendo o ponto terminal. E como esta data é a própria pedra angular das pretensões e mensagem profética da organização Watch Tower, esta não permite que a data 1914 seja perturbada por nada, nem mesmo pela Bíblia ou por fatos históricos. No fundo, portanto, não é uma questão de lealdade à Bíblia nem de lealdade a fatos históricos. A escolha da data tem outro motivo muito diferente: Lealdade a uma especulação cronológica que se tornou numa condição vital para as alegações divinas da organização Watch Tower.

Nos próximos dois capítulos será demonstrado que toda a cronologia neo-babilônica é firmemente estabelecida por pelo menos quatorze linhas de evidência diferentes. Assim, a data 587/586 para o 18.º ano de Nabucodonosor (e para a destruição de Jerusalém) e a data 538/537 para o primeiro ano de Ciro, estão ambas corretas. Que nenhuma destas datas está em conflito com os 70 anos de Jeremias (Jeremias 25:11, 12 e 29:10) será demonstrado num capítulo posterior.

O colapso do ponto de partida original

Repitamos o que dissemos acima: Sem fontes seculares não há cronologia absoluta para datar acontecimentos das Escrituras. A própria Watch Tower Society teve de reconhecer este fato inevitável, embora seja um embaraço para ela. Assim, a primeiríssima coisa que a Sociedade se viu forçada a fazer, pois de outro modo não conseguiria ter qualquer cronologia bíblica, foi voltar-se para as fontes seculares e selecionar uma data na qual a sua cronologia se pudesse basear. A data que eles escolheram é a data que os historiadores estabeleceram para a queda de Babilônia, 539 A.E.C. Por conseguinte, esta data secular é a própria fundação daquilo que a Sociedade apresenta como a sua "cronologia bíblica". Por que é que a Sociedade escolheu esta data como base para a sua cronologia? E como é que os historiadores chegaram a esta data?

Quando Charles Taze Russell inicialmente adotou a "cronologia bíblica" de Nelson H. Barbour, a base secular sobre a qual essa cronologia fora estabelecida era 536 A.E.C. -- não era 539 A.E.C. Eles acreditavam que essa era a data, não da queda de Babilônia, mas sim do primeiro ano de Ciro. Somando os "setenta anos" a 536, eles obtiveram 606 A.E.C. como sendo a data para a desolação de Jerusalém, e subtraindo 606 de 2.520 (supostamente o número de anos dos tempos dos Gentios), chegaram a 1914.

Originalmente Barbour afirmou que a data 536 A.E.C. era obtida da lista de reis da antigüidade conhecida como "Cânon de Ptolomeu".4 Com o tempo, porém, descobriu-se que não era assim. Esta lista de reis não só aponta para 538 A.E.C. como sendo o primeiro ano completo de Ciro, mas também para 587 A.E.C. como sendo a data para o 18.º ano de Nabucodonosor, o ano da desolação de Jerusalém. Quando estes fatos chegaram ao conhecimento de Russell, ele rejeitou a lista de reis e começou a atacar o seu suposto originador, Cláudio Ptolomeu. Contudo, ele ainda acreditava que 536 A.E.C. era uma data geralmente aceite para o primeiro ano de Ciro, declarando:

Pode-se dizer que todos os estudantes de cronologia concordam que o primeiro ano de Ciro foi o ano 536 antes do começo da nossa era Anno Domini.5

Com o passar do tempo, alguns Estudantes da Bíblia descobriram que esta afirmação também não era verdadeira. Numa carta privada para Russell, datada de 7 de Junho de 1914, um dos seus associados mais próximos, Paul S. L. Johnson, disse-lhe que praticamente todos os historiadores defendiam 538 A.E.C. como sendo o primeiro ano de Ciro. "Consultei uma dúzia de enciclopédias", escreveu ele, "e todas exceto três apresentam a data 538 A.C."6 Russell, porém, ignorou esta informação, e Joseph F. Rutherford, o seu sucessor como presidente da Watch Tower Society, fez o mesmo.

Foi só em 1944, no livro "The Kingdom Is at Hand" [O Reino É Iminente], que a Watch Tower Society finalmente abandonou a data 536 A.E.C. Passo a passo, o primeiro ano de Ciro foi deslocado para trás, primeiro para 537 A.E.C. e depois, cinco anos mais tarde, para 538 A.E.C., data indicada pelo "Cânon de Ptolomeu".7

Para poder manter 1914 como sendo a data em que terminavam os tempos dos Gentios, tiveram de ser feitos outros "ajustes". Para começar, embora o primeiro ano de Ciro tenha começado na Primavera de 538 A.E.C., a Watchtower argumentou que este édito permitindo aos judeus regressar do exílio (Esdras 1:1-4) foi promulgado perto do fim do seu primeiro ano de reinado, isto é, no início de 537 A.E.C. Nesse caso, os judeus que partiram de Babilônia não podiam ter alcançado Jerusalém antes do Outono desse ano. Somando 70 anos a 537, a desolação de Jerusalém foi então fixada em 607 A.E.C. em vez de 606. Em seguida, eles reconheceram finalmente o fato de que não há qualquer "ano zero" incluído no início da nossa era cristã.8 Assim, do Outono de 607 A.E.C. até ao início da nossa era, passaram apenas 606 anos e três meses; e se este período for subtraído aos 2.520 anos, ainda se chega a 1914 como sendo a data final. Assim, fizeram com que três "erros" separados se cancelassem uns aos outros e o resultado foi o mesmo! Cada um dos ajustes foi feito com o objetivo de manter a data 1914.

No entanto, mover para um lado e para o outro desta maneira arbitrária a base secular da "cronologia bíblica" da Watch Tower Society dificilmente inspirava confiança. Por essa razão, desse tempo em diante, o primeiro ano de reinado de Ciro (538 A.E.C.) não era enfatizado como o ponto inicial "firmemente estabelecido". Em vez disso, a ênfase foi transferida para a data que os historiadores tinham estabelecido para a queda de Babilônia, 539 A.E.C. Esta data seria designada em breve como uma "data absoluta" nas publicações da Watch Tower. Mas por que era esta data particular vista como uma "data absoluta"?

539 A.E.C. -- a "Data Absoluta Para as Escrituras Hebraicas"?

A princípio, começando em 1952, a Watch Tower Society explicou que a data 539 A.E.C. para a queda de Babilônia tinha sido "firmemente estabelecida" pela tabuinha cuneiforme conhecida como Crônica de Nabonido.9 Evidentemente por esta razão pensou-se que esta data podia ser usada como a nova base para a cronologia A.E.C. da Sociedade. Por essa razão, nas duas décadas seguintes o ano 539 A.E.C. não só foi descrito como uma "data absoluta", mas como "a data Absoluta proeminente para o período A.C. das Escrituras Hebraicas".10 Qual é a realidade a este respeito? Será que a evidência histórica justifica esta linguagem impressionante e o que revela quanto ao entendimento dos escritores da Watch Tower sobre cronologia secular?

A Crônica de Nabonido: Este documento cuneiforme data a queda de Babilônia no "16.º dia" do "mês de Tashritu", evidentemente no 17.º ano de Nabonido. Infelizmente, o texto está danificado, e as palavras para "17.º ano" são ilegíveis. Mas mesmo que estas palavras tivessem sido preservadas, a crônica não nos teria dito nada além de que Babilônia foi capturada no 16.º dia de Tishri (o babilônico Tashritu) no 17.º ano de Nabonido. Esta informação por si mesma não pode ser traduzida para 539 A.E.C. É necessária evidência secular adicional para situar o 17.º ano de Nabonido na forma de contar o tempo da nossa era e para lhe podermos atribuir uma data expressa em termos da nossa era.

Apesar disto, as publicações da Watch Tower continuaram a dar a impressão de que a Crônica de Nabonido por si mesma fixava a data absoluta para a queda de Babilônia.11 Foi só em 1971, num artigo intitulado "Testemunho da Crônica de Nabonido", que a Sociedade finalmente admitiu que esta tabuinha não fixa o ano da queda de Babilônia. Citando a data dada na crônica (o 16.º dia de Tashritu), o escritor do artigo declara francamente: "Mas será que a Crônica de Nabonido por si só fornece a base para estabelecer o ano deste evento? Não."12

Embora a principal testemunha em apoio da "data absoluta para as Escrituras Hebraicas" tenha sido assim retirada, a Sociedade não estava preparada para fazer mais uma mudança na base secular da sua "cronologia bíblica". Por esse motivo, tinham de ser encontradas e convocadas outras testemunhas. No mesmo artigo da Watchtower citado acima, foi feita uma referência a duas novas fontes que no futuro iriam "sustentar" a data absoluta 539 A.E.C.:

Também outras fontes, incluindo o Cânon de Ptolomeu, apontam para o ano 539 A.E.C. como sendo a data para a queda de Babilônia. Por exemplo, historiadores da antigüidade, como Diodoro, Africano e Eusébio mostram que o primeiro ano de Ciro, como rei da Pérsia, correspondia à Olimpíada 55, ano 1 (560/559 A.E.C.), ao passo que o último ano de Ciro é situado na Olimpíada 62, ano 2 (531/530 A.E.C.).... Tabuinhas cuneiformes atribuem a Ciro um governo de nove anos sobre Babilônia. Isto estaria em harmonia com a data aceite para o início do seu domínio sobre Babilônia em 539 A.E.C.13

Assim, as novas fontes para validar a data 539 A.E.C. consistiam em (1) o Cânon de Ptolomeu e (2) datas da Era Olímpica Grega citadas por historiadores da antigüidade. Será que alguma destas fontes pode estabelecer 539 A.E.C. como uma "data absoluta" em relação à qual a cronologia bíblica pode ser firmemente fixada?

O Cânon de Ptolomeu: Conforme foi mostrado anteriormente, Russell inicialmente apoiou a sua cronologia referindo-se ao Cânon de Ptolomeu. Mas quando ele descobriu que a data 536 A.E.C. para o primeiro ano de Ciro não era apoiada pelo Cânon, ele rejeitou-o. E embora a Watch Tower por fim tenha recuado o 1.º ano de Ciro para 538 A.E.C., em harmonia com o Cânon de Ptolomeu, a cronologia da Sociedade ainda está em conflito com o Cânon em outros pontos.

A soma total das durações dos reinados dados pelo Cânon para os reis neo-babilônicos anteriores a Ciro, por exemplo, aponta para 587 A.E.C., não aponta para 607 A.E.C., como sendo a data para a desolação de Jerusalém no 18.º ano do reinado de Nabucodonosor. Além disso, a Watch Tower Society também rejeita os números dados pelo Cânon de Ptolomeu para os reinados de Xerxes e Artaxerxes I.14 Usar o Cânon em apoio da data 539 A.E.C. enquanto ao mesmo tempo se rejeita a sua cronologia para períodos anteriores e posteriores a esta data seria totalmente inconsistente.

Evidentemente percebendo isto, a Watch Tower Society logo no ano seguinte rejeitou outra vez o Cânon de Ptolomeu, declarando que "o próprio propósito do Cânon torna impossível a datação absoluta através dele."15 Se isto era verdade, então é claro que a Sociedade não podia usar o Cânon em apoio da data 539 A.E.C.

Com o Cânon de Ptolomeu assim removido, a base secular da "cronologia bíblica" da Sociedade agora dependia inteiramente da exatidão da segunda testemunha, o modo de contar o tempo das Olimpíadas Gregas. Que dizer deste modo de contar o tempo? De que modo fixa a queda de Babilônia no ano 539 A.E.C. e até que ponto podemos confiar nas datas Olímpicas citadas por historiadores da antigüidade?

A Era Olímpica: O primeiro ano atribuído a esta era é 776 A.E.C. Este ano, por conseguinte, é designado "Ol. I, 1", isto é, o primeiro ano da primeira Olimpíada. Ora, isto não significa que os primeiros jogos Olímpicos tiveram lugar em 776 A.E.C. Fontes da antigüidade indicam que estes jogos começaram a ser realizados muito antes. Nem significa que já em 776 A.E.C. os gregos começaram uma era fundada sobre os jogos Olímpicos. De fato, não se pode encontrar qualquer referência à era Olímpica em toda a literatura antiga até ao terceiro século A.E.C.! Conforme o professor Elias J. Bickerman indica, "a numeração das Olimpíadas foi introduzida por Timaeus ou por Eratóstenes."16 E o Dr. Alan E. Samuel especifica: "O sistema de contagem das Olimpíadas, originado por Philistus, foi subseqüentemente usado num contexto histórico por Timaeus, e depois disso encontramos cronologias históricas baseadas nas Olimpíadas."17 Timaeus Sicilus escreveu uma história da Sicília, a sua terra natal, em 264 A.E.C., e Eratóstenes, um bibliotecário na famosa biblioteca de Alexandria no Egito, publicou a sua Chronographiae algumas décadas mais tarde.

Portanto, o sistema de contagem das Olimpíadas, tal como a era cristã, foi introduzido mais de 500 anos depois do ano que foi escolhido como ponto inicial dessa era! Como é que os historiadores gregos conseguiram fixar a data da primeira Olimpíada bem como outras datas (por exemplo, o primeiro ano de Ciro) centenas de anos mais tarde? Que tipo de fontes estavam ao seu dispor?

Eles estudaram listas de vencedores dos jogos que se realizavam de quatro em quatro anos, que eram mantidas em Olímpia. Mas infelizmente essas listas não tinham sido mantidas continuamente desde o início. Como o Dr. Samuel indica, a primeira lista foi "elaborada por Hippias no fim do quinto século A.C.", isto é, por volta de 400 A.E.C.18 "Nos tempos helênicos, a lista de vencedores estava completa e razoavelmente consistente e o suporte para a cronologia estava estabelecido e aceite."19 Mas será que se podia confiar na lista? Samuel continua: "Saber se tudo isto estava correto, ou se os eventos foram corretamente atribuídos aos anos, é outra questão." Indicando que "o astuto Plutarco [c. 46-c.120 E.C.] tinha as suas dúvidas", ele prossegue alertando que "também nós devíamos ter muitas dúvidas sobre a evidência cronográfica das Olimpíadas que é muito anterior ao meio ou início do quinto século [i.e., antes de 450 ou 500 A.E.C.]."20

Porém, a confiança da Watch Tower Society no modo de contar das Olimpíadas é ainda mais ilusório. A razão disto é que, ao mesmo tempo que aceitam as datas Olímpicas dadas por historiadores da antiguidade para o reinado de Ciro, eles rejeitam as datas Olímpicas dadas por estes historiadores para o reinado de Artaxerxes I, apesar do fato de o seu reinado se situar muito mais perto do nosso tempo. Assim, quando Júlio Africano, na sua Chronography (publicada c. 221/222 E.C.), coloca a data do 20.º ano de Artaxerxes no "4.º ano da 83.ª Olimpíada", correspondendo a 445 A.E.C., esta data é rejeitada pela Watch Tower Society em favor de 455 A.E.C., conforme foi observado anteriormente (nota 14).21 Assim, tal como no caso do Cânon de Ptolomeu, a Sociedade usa novamente uma testemunha que noutras ocasiões é completamente rejeitada, e isto pela única razão de que nessas áreas a evidência é desfavorável aos seus ensinos.

À parte a inconsistência da Sociedade Torre de Vigia, as datações Olímpicas preservadas por Diodoro, Africano e Eusébio indicando 539 A.E.C. como sendo a data da queda de Babilônia, não podem ser usadas isoladamente para estabelecer essa data como uma data absoluta sobre a qual a cronologia das Escrituras Hebraicas pode ser baseada. Isto deve-se ao fato simples, já apresentado, de o sistema de contagem das Olimpíadas não ter sido realmente instituído senão no fim do terceiro século A.E.C. -- ou três séculos depois da queda de Babilônia.

Astronomia e o ano 539 A.E.C.

A discussão anterior sobre as tentativas infrutíferas da Sociedade em estabelecer uma base secular para a sua "cronologia bíblica" particular resume o conteúdo de um folheto publicado em 1981: The Watch Tower Society and Absolute Chronology [A Sociedade Torre de Vigia e a Cronologia Absoluta].22 Talvez tenha sido esta exposição que -- direta ou indiretamente -- incitou os escritores da Sociedade a fazer outra tentativa para estabelecer a data 539 A.E.C. Seja como for, foi publicada uma nova discussão da data em 1988, no dicionário da Bíblia revisto da Sociedade, Insight on the Scriptures [Estudo Perspicaz das Escrituras], no qual os autores tentam agora fixar a data astronomicamente.

Conforme foi explicado anteriormente (na nota 2), uma cronologia absoluta geralmente é melhor estabelecida com a ajuda de datas astronomicamente fixadas. Nas décadas de 1870 e 1880, escavações em Babilônia desenterraram um grande número de textos cuneiformes contendo descrições de eventos astronômicos datados das eras babilônica, persa e grega. Estes textos fornecem numerosas datas absolutas destes períodos.

O texto astronômico mais importante da era neo-babilônica é o chamado "diário", um registo de cerca de trinta observações astronômicas datado do 37.º ano de Nabucodonosor. Esta tabuinha, que é mantida no Museu de Berlim (onde é designada por VAT 4956), estabelece 568/567 A.E.C. como sendo a data absoluta para o 37.º ano de Nabucodonosor. Esta data obviamente implica que o seu 18.º ano, durante o qual ele desolou Jerusalém, corresponde a 587/586 A.E.C. Isto é 20 anos mais tarde do que a data 607 A.E.C. atribuída a esse evento pela Watch Tower Society. Uma discussão detalhada deste e de outros textos astronômicos é apresentada no capítulo quatro.

Portanto, a preocupação da Watch Tower Society é evitar o uso de tal texto antigo desfavorável e encontrar uma maneira de estabelecer a data 539 A.E.C. independentemente dele, evitando assim um conflito com a evidência acompanhante que o texto fornece e que mina a data 607 A.E.C. como data para a queda de Jerusalém. Qual é a evidência astronômica a que eles recorrem?

Strm. Kambys. 400: O texto astronômico, designado Strm. Kambys. 400, é o texto agora usado pela Watch Tower Society para estabelecer a data 539 A.E.C. É uma tabuinha datada do sétimo ano de Cambises, filho de Ciro.23 Referindo-se a dois eclipses lunares mencionados no texto -- eclipses que os peritos modernos "identifica[ram] com os eclipses lunares visíveis em Babilônia em 16 de julho de 523 AEC e em 10 de janeiro de 522 AEC", -- a Sociedade conclui:

De modo que esta tabuinha especifica o sétimo ano de Cambises II como tendo início na primavera setentrional de 523 AEC. Esta data é confirmada pela astronomia.24

Qual é a conseqüência disto? Se 523/522 A.E.C. foi o sétimo ano de Cambises, o seu primeiro ano foi necessariamente 529/528 A.E.C. e o ano anterior, 530/529 A.E.C., foi necessariamente o último ano do seu predecessor, Ciro. Contudo, para chegarmos à data da queda de Babilônia também precisamos de saber a duração do reinado de Ciro. Para isto, a Sociedade é obrigada a aceitar a informação encontrada em outro tipo de textos, as tabuinhas de contratos, isto é, documentos de negócios e administrativos, datados. Sobre estes, a Sociedade declara:

A mais recente tabuinha datada no reinado de Ciro II é do 5.º mês, do 23.º dia do seu 9.º ano.... Visto que o nono ano de Ciro II como rei de Babilônia foi 530 A.E.C., seu primeiro ano, segundo este cálculo, foi 538 AEC, e seu ano de ascensão foi 539 AEC.25

Portanto, para estabelecer a data 539 A.E.C. a Sociedade aceita sem reservas várias fontes seculares antigas: (1) uma tabuinha astronômica babilônica, e (2) tabuinhas de contratos babilônicas datadas no reinado de Ciro. No entanto, nas páginas seguintes do mesmo artigo (páginas 454-456 [páginas 608-610 na edição brasileira]) outros documentos exatamente do mesmo tipo -- textos astronômicos e tabuinhas de contratos -- são rejeitados porque apoiam a data 587 A.E.C. para a destruição de Jerusalém!

Se as críticas que a Sociedade faz a estes diários astronômicos (principalmente o fato de eles serem cópias posteriores de um original) fossem válidas, essas críticas também se aplicariam com igual força ao Strm. Kambys. 400 que eles favorecem. Tal como o VAT 4956, o Strm. Kambys. 400 também é uma cópia de um original mais antigo. De fato, até mesmo a designação 'cópia' dificilmente lhe poderá ser atribuída. O eminente perito em textos astronômicos, F. X. Kugler, indicou logo em 1903 que esta tabuinha só parcialmente é uma cópia. O copista estava evidentemente a trabalhar a partir de um texto muito defeituoso, e por essa razão tentou preencher as lacunae [lacunas] ou falhas no texto com os seus próprios cálculos. Assim, só uma parte de Strm. Kambys. 400 contém observações verdadeiras. O resto são acréscimos feitos por um copista muito pouco habilidoso, de um período muito posterior. Kugler comentou que "nenhum dos textos astronômicos que eu conheço oferece tantas contradições e enigmas não solucionados como o Strm. Kambys. 400."26

Em contraste com isso, VAT 4956 é um dos diários melhor preservados. Embora também seja uma cópia posterior, peritos concordam que é uma reprodução fiel do original.

Existe evidência de que os eclipses lunares mostrados em Strm. Kambys. 400, mencionados no livro Insight on the Scriptures [Estudo Perspicaz das Escrituras] estão entre as observações verdadeiras que aparecem na tabuinha.27 Portanto, o ponto que aqui queremos salientar não é a validade ou falta de validade dessas observações particulares mas sim que, ao mesmo tempo que aplica certo critério como base para rejeitar a evidência de VAT 4956, a Watch Tower Society não deixa que o mesmo critério afete a sua aceitação de Strm. Kambys. 400 porque ela vê este documento como dando um apoio claro às suas alegações. Esta inconsistência repetida resulta da mesma "agenda escondida" [ou segundas intenções] de tentar proteger uma data que não tem apoio histórico.

Na realidade, para fixar a data da queda de Babilônia, é muito mais seguro começar com o reinado de Nabucodonosor e contar para a frente, em vez de começar com o reinado de Cambises e contar para trás. De fato, a data 539 A.E.C. para a queda de Babilônia foi originalmente determinada desta maneira, conforme indica o Dr. R. Campbell Thompson em The Cambridge Ancient History:

A data 539 para a Queda de Babilônia foi calculada a partir das últimas datas dos contratos de cada rei deste período, contando desde o fim do reinado de Nabopolassar em 605 A.C., nomeadamente, Nabucodonosor, 43: Amel-Marduk, 2: Nergal-shar-usur, 4: Labashi-Marduk (apenas [ano] de ascensão): Nabonido, 17 = 66.28

Contudo, a Watch Tower Society aceita apenas o produto final deste cálculo (539 A.E.C.), mas rejeita o próprio cálculo e o seu ponto inicial, porque estes contradizem a data 607 A.E.C. A Sociedade rejeita os textos astronômicos em geral e o VAT 4956 em particular; por outro lado, é obrigada a aceitar o mais problemático deles todos -- o Strm. Kambys. 400. Certamente seria difícil encontrar um exemplo mais flagrante de erudição inconsistente e enganadora.

Conforme foi demonstrado acima, 539 A.E.C. não é um ponto de partida lógico para estabelecer a data para a desolação de Jerusalém. As datas mais fiáveis neste período (no 6.º século A.E.C.) que podem ser estabelecidas como absolutas, situam-se muito antes, durante o reinado de Nabucodonosor, um reinado que é fixado diretamente à nossa era pelo VAT 4956 e por outros textos astronômicos.

Além disso, a Bíblia fornece um sincronismo direto entre o reinado de Nabucodonosor e a desolação de Jerusalém. Conforme foi dito anteriormente, 2 Reis 25:8 declara explicitamente que esta desolação ocorreu no "décimo nono ano do Rei Nabucodonosor."29 Em contraste com isso, a Bíblia não dá um sincronismo direto desse tipo para a queda de Babilônia.30

Mas isto não é tudo. As durações dos reinados dos reis neo-babilônicos (conforme citadas acima pelo Dr. R. Thompson a partir das tabuinhas de contratos) desde o primeiro rei, Nabopolassar, até ao último, Nabonido, podem ser firmemente estabelecidas de várias formas diferentes. De fato, a cronologia deste período pode ser estabelecida através de pelo menos quatorze linhas de evidência diferentes! Esta evidência será apresentada nos próximos dois capítulos.


Notas

1 "Let Your Kingdom Come" ["Venha o Teu Reino"] (Brooklyn, Nova Iorque: Watchtower Bible and Tract Society, 1981), p. 189 [p. 190 na edição brasileira].

2 O Dr. Michael C. Astour explica: "Cronologia absoluta significa datar reinados, guerras, tratados, destruições, reconstruções e outros eventos conhecidos a partir de registos escritos e arqueológicos, em termos da moderna contagem do tempo Ocidental, i.e., em anos A.C." (Hittite History and Absolute Chronology of the Bronze Age [História Hitita e Cronologia Absoluta da Idade do Bronze], Partille, Suécia: Paul Åströms förlag, 1989, p. 1.) Essa cronologia geralmente é melhor estabelecida com a ajuda de observações astronômicas registadas na antiguidade. Conforme diz o conhecido perito em astronomia da antiguidade, Professor Otto Neugebauer, "uma 'cronologia absoluta' [é] uma cronologia que se baseia em datas fixadas através da astronomia, em contraste com a 'cronologia relativa', que só nos diz a duração de certos intervalos, e.g., o número total de anos de reinado numa dinastia." -- A History of Ancient Mathematical Astronomy [Uma História da Astronomia Matemática da Antiguidade], Livro VI (Berlim-Heidelberg-Nova Iorque: Springer-Verlag, 1975), p. 1071.

3 Segundo fontes seculares, Babilônia foi capturada pelas tropas do rei persa Ciro no 17.º ano de Nabonido, que se tornaria assim no "ano de ascensão" de Ciro. (Para informações sobre o sistema babilônico do ano de ascensão, veja o Apêndice para o Capítulo 2.) Embora a queda de Babilônia seja referida várias vezes na Bíblia, o acontecimento não é datado como tendo ocorrido em qualquer ano de reinado específico, nem no de Nabonido (que nem sequer é mencionado), nem no de Ciro. Isaías (capítulos 13, 14, 21, 45, 47, 48) e Jeremias (capítulos 25, 27, 50, 51) predisseram ambos a queda de Babilônia, mas nenhum deles deu a data do evento. Daniel, no capítulo 5, versículos 26-28, predisse que a queda de Babilônia era iminente. Depois, nos versículos 30 e 31, ele declara que "naquela mesma noite" Belsazar (o filho de Nabonido) foi morto e sucedeu-lhe "Dario, o medo". Mas quem era "Dario, o medo"? A Watch Tower Society admite que a identificação histórica desta figura "é incerta". A sugestão (do Professor D. J. Wiseman) de que "Dario o medo" não é senão outro nome para o próprio Ciro é rejeitada. (Insight on the Scriptures [Estudo Perspicaz das Escrituras], Vol. 1, Brooklyn, Nova Iorque: Watchtower Bible and Tract Society, 1988, pp. 581-583 [Vol. 1, p. 660 na edição brasileira de 1990].) Além disso, embora Daniel 6:28 mencione "o reino de Dario" e o "reino de Ciro, o persa", e embora Daniel 9:1 mencione o "primeiro ano" de "Dario [...] da descendência dos medos", a Bíblia nem dá a duração do reinado de "Dario o medo", nem indica se o reinado dele deve ou não ser inserido entre a queda de Babilônia e o primeiro ano de Ciro. Assim, embora a Bíblia (em 2 Crônicas 36:22, 23 e Esdras 1:1-4) declare que os exilados judeus foram libertados "no primeiro ano de Ciro", não mostra quanto tempo depois da queda de Babilônia isto ocorreu. Portanto, a Bíblia nem sequer dá uma data relativa para a queda de Babilônia.

4 Na página 194 do seu livro Three Worlds, or Plan of Redemption [Três Mundos, ou Plano de Redenção] (Rochester, Nova Iorque, 1877), por exemplo, Barbour asseverou: "O fato de que o primeiro ano de Ciro foi 536 A.C. é baseado no cânon de Ptolomeu, apoiado pelos eclipses através dos quais as datas das eras grega e persa foram ajustadas. E a exatidão do cânon de Ptolomeu é agora aceite por todo o mundo científico e literário."

5 Zion's Watch Tower, 15 de Maio de 1896, pp. 104, 105, 113 (= Reprints, pp. 1975, 1980. Ênfase acrescentada). -- É verdade que muitas cronologias cristãs anteriores, incluindo a do arcebispo James Ussher e a de Sir Isaac Newton, dataram o primeiro ano de Ciro como sendo 536 em vez de 538 A.E.C. A razão para isto foi a aplicação que eles fizeram dos "setenta anos" de Jeremias 25:11, 12 e Daniel 9:2 ao período desde o primeiro ano de Nabucodonosor até à captura de Babilônia por Ciro. Isto parecia entrar em conflito com o "Cânon de Ptolomeu", que só dá 66 anos a este período (604-538 A.E.C.). Para chegar a 70 anos, o primeiro ano de Nabucodonosor era freqüentemente recuado de 604 para 606 A.E.C., enquanto o primeiro ano de Ciro era adiantado para 536 A.E.C. Os dois anos desde 538 até 536 A.E.C. eram atribuídos a "Dario o medo". A descoberta de milhares de tabuinhas cuneiformes da era neo-babilônica, na década de 1870, derrubou completamente estas teorias, como foi indicado logo em 1876 pelo Sr. George Smith. (Veja S. M. Evers, "George Smith and the Egibi Tablets" [George Smith e as Tabuinhas de Egibi], Iraq, Vol. LV 1993, p. 113.)

6 Esta carta foi publicada como um Apêndice à reimpressão de Paul S. L. Johnson do segundo volume de Studies in the Scriptures [Estudos das Escrituras] (Filadélfia, PA., E.U.A., 1937), pp. 367-382. Veja especialmente a p. 369.

7 "The Kingdom Is at Hand" [O Reino É Iminente] (Brooklyn, Nova Iorque: Watchtower Bible and Tract Society, 1944), p. 175; The Watchtower, 1.º de Novembro de 1949, p. 326.

8 Este problema tinha sido notado logo em 1904, mas o erro nunca tinha sido corrigido. Veja The Watch Tower de 1.º de Dezembro de 1912, p. 377 (= Reprints, pp. 5141, 5142). Veja também acima, p. 53.

9 Veja The Watchtower de 1.º de Maio de 1952, p. 271. "Esta data", disse a The Watchtower de 1.º de Fevereiro de 1955, na página 94, "é tornada absoluta em virtude da descoberta arqueológica e decifração da famosa Crônica de Nabonido, que dá ela própria a data para a queda de Babilônia e cujo número os especialistas determinaram ser igual a 13 de Outubro de 539 A.C., segundo o calendário Juliano dos romanos."

10 The Watchtower, 1.º de Fevereiro de 1955, p. 94. (Ênfase acrescentada.) O livro "All Scripture Is Inspired by God and Beneficial" ["Toda a Escritura É Inspirada por Deus e Proveitosa"] (Brooklyn, Nova Iorque: Watchtower Bible and Tract Society of New York, Inc., 1963) designou similarmente 539 A.E.C. como a "Data Absoluta Para as Escrituras Hebraicas." (p. 282 [p. 271 na edição brasileira de 1966])

11 Por exemplo, a The Watchtower de 15 de Agosto de 1968, p. 490, declarou: "A fixação de 539 A.E.C. como sendo o ano quando este evento histórico ocorreu é baseada num documento de pedra conhecido como Crônica de Nabonido (Nabunaide)." (Ênfase acrescentada.) Compare também com The Watchtower de 1.º de Maio de 1968, p. 268.

12 The Watchtower, 15 de Maio de 1971, p. 316. Quando se descobriu que a Crônica de Nabonido não estabelece 539 A.E.C. como uma "data absoluta", este termo foi abandonado nas publicações da Watch Tower. Em Aid to Bible Understanding [Ajuda ao Entendimento da Bíblia], 539 é chamado "um ponto pivot" (p. 333 ["ponto fundamental" na p. 385 de Ajuda]), um termo também usado na edição revista de 1988. (Insight on the Scriptures, Vol. 1, p. 458 [Em Estudo Perspicaz das Escrituras, Vol. 1, p. 613 chamam-lhe "ponto fixo".] Noutras vezes é simplesmente dito que "historiadores calculam" ou "sustentam" que Babilônia caiu em 539 A.E.C. -- Veja "Let Your Kingdom Come" ["Venha o Teu Reino"] (Brooklyn, Nova Iorque: Watchtower Bible and Tract Society, 1981), pp. 136, 186.

13 The Watchtower, 15 de Maio de 1971, p. 316. (Ênfase acrescentada.) Esta declaração também foi incluída no dicionário bíblico da Watch Tower Society, Aid to Bible Understanding (1971) [Ajuda ao Entendimento da Bíblia (1982)], p. 328 [p. 319 na edição brasileira]. Ainda é mantida na edição revista de 1988 (Insight on the Scriptures, Vol. 1, p. 454 [Estudo Perspicaz das Escrituras, Vol. 1, p. 608]).

14 Segundo o Cânon de Ptolomeu, Xerxes reinou durante 21 anos (485-464 A.E.C.) e Artaxerxes I reinou durante 41 anos (464-423 A.E.C.). Para ter o 20.º ano de Artaxerxes I fixado em 455 em vez de 445 A.E.C., a Sociedade estabelece o início do seu reino 10 anos antes, dando-lhe assim uma duração de 51 anos em vez de 41. Como isto deslocaria 10 anos para trás todas as datas anteriores a Artaxerxes I, incluindo a data para a queda de Babilônia, a Sociedade subtraiu 10 anos ao reinado de Xerxes, dando-lhe uma duração de 11 anos em vez de 21! A única razão para estas mudanças é que elas são necessárias para a aplicação particular da Sociedade a respeito das "setenta semanas" de Daniel 9:24-27. Esta aplicação foi originalmente sugerida pelo teólogo jesuíta Dionysius Petavius em De Doctrina Temporum, um trabalho publicado em 1627. Muitos outros adoptaram a ideia, incluindo o arcebispo anglicano James Ussher no mesmo século. Em 1832 o teólogo alemão E. W. Hengstenberg incluiu uma longa defesa dessa aplicação no seu bem conhecido trabalho Christologie des Alten Testaments. Contudo, depois desse tempo a data tem sido completamente demolida por descobertas arqueológicas. Conforme será demonstrado num estudo separado, as mudanças dos reinados de Xerxes e Artaxerxes I estão em conflito direto com numerosos documentos históricos do período.

15 Awake!, 8 de Maio de 1972, p. 26.

16 Elias J. Bickerman, Chronology of the Ancient World [Cronologia do Mundo Antigo], edição revista (Londres: Thames and Hudson, 1980), p. 75.

17 Alan E. Samuel, Greek and Roman Chronology [Cronologia Grega e Romana] (München: C. H. Beck'sche Verlagsbuchhandlung, 1972), p. 189.

18 A. E. Samuel, op. cit., p. 189.

19 Ibid., p. 190.

20 Ibid., p. 190. Bickerman (op. cit., p. 75) concorda: "A exatidão da parte mais antiga da lista dos vencedores Olímpicos, que começa em 776 AC, é duvidosa."

21 The Ante-Nicene Fathers [Os Pais Ante-Niceanos], ed. A. Roberts e J. Donaldson, Vol. VI (Grand Rapids, Michigan: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., reimpressão de 1978), p. 135.

22 Karl Burganger, The Watch Tower Society and Absolute Chronology [A Sociedade Torre de Vigia e a Cronologia Absoluta] (Lethbridge, Canadá: Christian Koinonia International, 1981), pp. 7-20. Veja acima, p. 70, nota 100.

23 Este texto, que é designado Strm. Kambys. 400, não é exatamente um "diário" em sentido estrito, embora esteja relacionado de perto com este grupo de textos.

24 Insight on the Scriptures [Estudo Perspicaz das Escrituras], Vol. 1 (Brooklyn, Nova Iorque: Watchtower Bible and Tract Society of New York, Inc., 1988), p. 453 [p. 607 na edição brasileira de 1990].

25 Ibid., p. 453 [p. 607 na edição brasileira].

26 Franz Xaver Kugler, "Eine rätselvolle astronomische Keilinschrift (Strm. Kambys. 400)", Zeitschrift für Assyriologie, Vol. 17 (Strasburg: Verlag von Karl J. Trübner, 1903), p. 203. Para uma transcrição e tradução do texto, veja F. X. Kugler, Sternkunde und Sterndienst in Babel, Buch I (Münster in Westfalen: Aschendorffsche Verlagsbuchhandlung, 1907), pp. 61-75.

27 Apesar dos problemas que texto tem, acredita-se que os dois eclipses lunares citados pela Sociedade se baseiam em observações verdadeiras. (Kugler, ibid., pp. 73, 74) Por essa razão, a tabuinha parece estabelecer que o sétimo ano de Cambises foi 523/522 A.E.C. O Professor Robert R. Newton, que examinou a informação astronômica no texto muito cuidadosamente, concluiu: "A situação mais provável é que o ano seja -522/-521 [= 523/522 A.E.C.] e que existam alguns erros de escriba no registo. Ainda assim, a confirmação do ano não é tão forte como nós gostaríamos." -- R. R. Newton, The Crime of Claudius Ptolemy [O Crime de Cláudio Ptolemeu] (Baltimore e Londres: The Johns Hopkins University Press, 1977, p. 375.) (Veja também as edições anteriores de The Gentile Times Reconsidered [Os Tempos dos Gentios Reconsiderados], Capítulo 2, nota 1.)

28 R. Campbell Thompson, "The New Babylonian Empire" [O Novo Império Babilônico], The Cambridge Ancient History [História Antiga de Cambridge] ed. J. B. Bury, S. A. Cook, F. E. Adcock, Vol. III (Cambridge University Press, 1925), p. 224, nota 1.

29 O "19.º" ano aqui evidentemente corresponde ao "18.º" ano segundo o sistema babilônico de contar anos de reinado dos reis. Na Assíria e na Babilônia, o ano em que um rei chegava ao poder era contado como o seu "ano de ascensão", ao passo que o seu primeiro ano começava sempre em 1 de Nisã, o primeiro dia do ano seguinte. Conforme será discutido adiante, Judá neste tempo não aplicava o "sistema do ano de ascensão", em vez disso contava o ano de ascensão como sendo o primeiro ano. Veja o Apêndice para o Capítulo 2.

30 Veja a nota 3.


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