Nenhum Homem Conhece a Minha História: A Vida de Joseph Smith (Nova Iorque: Vintage Books, 1995) de Fawn M. Brodie (1915-1981), pp. 367-379.

Capítulo 26: Prelúdio à Destruição


Para um observador casual da cena mórmon na primavera de 1844 deve ter parecido que Joseph Smith estava a cavalgar mais alto do que nunca antes. Excepto as fulminações dos anti-mórmones em Warsaw e Carthage, havia pouco ressentimento aberto contra ele ou o seu povo. A sua campanha presidencial estava a dar-lhe muita publicidade e, ao subtrair o voto mórmon da política partidária, parecia provável que apaziguaria alguns dos antagonismos resultantes de assuntos políticos.

Na realidade, a inimizade contra os mórmones era generalizada e perigosa. Os que levaram a sério a campanha de Joseph viam-no como um símbolo maléfico da união entre igreja e estado, e outros suspeitavam que ele acabaria por renunciar à sua candidatura e declarar-se a favor de um candidato popular. Os maçons, irritados com os rumores de corrupção do ritual maçónico nas lojas mórmones (que agora eram em número de cinco, três em Nauvoo e duas em Iowa) e furiosos com a recusa de Joseph de enviar os registos das lojas para Springfield para inspecção, estavam determinados a revogar as dispensações e declarar clandestinas todas as lojas mórmones.1 Os anti-mórmones estavam a passar resoluções pedindo a extradição de Joseph e esperando por alguma provocação de Nauvoo que lhes fornecesse um pretexto para acção.

Mas o pior perigo de Joseph, como ele compreendeu perfeitamente, estava a amadurecer no interior do seu próprio reino. "A minha vida está mais em perigo por causa de algum pequeno palerma de um imbecil nesta cidade do que por causa de todos os meus numerosos e inveterados inimigos lá fora", declarou. "Estou exposto a um perigo muito maior vindo de traidores entre nós do que de inimigos de fora.... Posso viver como César poderia ter vivido, se não fosse um Brutus à minha direita.... temos um Judas no nosso meio!"2

Nesta altura Joseph tinha estado a assistir há vários meses à alienação progressiva de um dos seus homens mais qualificados e corajosos. William Law tinha sido o seu Segundo Conselheiro durante mais de dois anos, provando ser tão firme e incorruptível como John C. Bennet fora traiçoeiro e dissoluto. Law tinha vindo do Canadá como homem rico. Tinha investido em terrenos, construções e moinhos a vapor, sustentando mais do que qualquer outra pessoa a extremamente necessária industrialização da cidade.

A princípio Law escondeu o seu ressentimento contra o monopólio que o profeta tinha sobre a gestão dos terrenos dentro e à volta da cidade, embora pensasse que isso era impróprio num homem de Deus. Tinha ficado particularmente chocado quando Joseph ameaçou excomungar todo o convertido rico que viesse para Nauvoo e comprasse terra sem o seu parecer. Por fim, passou a desconfiar do julgamento de Joseph nos negócios e recusou-se a investir dinheiro na publicação da versão revista da Bíblia, colocando em vez disso os seus fundos num moinho a vapor e numa quinta de cânhamo.3

O profeta estava constantemente a pedinchar dinheiro para construir o templo e a Casa de Nauvoo, que Law pensava poder muito bem ser adiada até que a escassez aguda de alojamento na cidade fosse aliviada. O templo era agora o principal espectáculo no Mississipi superior, mas os trabalhadores que suavam sobre as suas enormes pedras viviam à base de milho seco.

A Casa de Nauvoo, por outro lado, apesar de doações generosas e compras abundantes de materiais, dificilmente parecia estar a crescer. Law ficou convencido, correcta ou incorrectamente, que Joseph estava a usar os fundos doados para o hotel para comprar mais terra, que depois vendia com um lucro generoso aos novos convertidos.

Por fim Law e Robert Foster, que eram os principais empreiteiros na cidade, começaram a batalhar contra a economia autárquica que os estava a sitiar. Compraram parte da madeira que flutuava pelo Mississipi abaixo vinda de Wisconsin, que tinha sido destinada exclusivamente para edifícios da igreja, e começaram a construir casas e lojas. Como pagavam salários, ao passo que o profeta pagava aos trabalhadores no templo e na Casa de Nauvoo em bens e títulos de subscrição da cidade, o resultado foi uma crise laboral desagradável.

Joseph apelou aos trabalhadores para que continuassem nos projectos da igreja e deplorou os "esqueletos gigantescos" de Foster que estavam a crescer por toda a cidade. "Não há carne neles", gritou, "são todos para interesse pessoal e engrandecimento.... Quero a Casa de Nauvoo construída. Tem de ser construída. A nossa salvação depende disso.... Digo aos que trabalharam na Casa de Nauvoo e não receberam pagamento -- Sejam pacientes; e se algum homem tomar os meios que estão postos de lado para a construção daquela casa, e os aplicar ao seu próprio uso, deixem-no, pois ele destruir-se-á a si mesmo. Se algum homem está faminto, que venha ter comigo, e eu alimentá-lo-ei à minha mesa.... Dividirei com ele até ao ultimo pedaço; e se o homem não estiver satisfeito, vou dar um pontapé no traseiro dele!"4

O afastamento entre William Law e o profeta começou assim numa divergência fundamental de atitudes económicas. A quebra definitiva na amizade deles, no entanto, não veio de uma questão de finanças, mas de fidelidade. Law observou com tristeza e suspeição Joseph a alargar cada vez mais o seu círculo de esposas. Depois o profeta tentou abordar a própria esposa de Law, Jane.5

Numa sessão violenta com o seu líder, Law apelou a uma reforma e ao fim do deboche que estava a corromper a igreja. Joseph argumentou, suplicou e citou o Antigo Testamento, mas em vão. Law ameaçou que a menos que Joseph comparecesse perante o Alto Conselho, confessasse os seus pecados e prometesse arrependimento, ele revelaria as seduções de Joseph perante o mundo todo.

Law mais tarde citou Joseph como dizendo: "Antes a condenação do que isso. Se eu admitisse as acusações que lança sobre mim, isso seria o desmoronamento da Igreja!"

"Não é isso já inevitável?" perguntou Law.

"Então podemos ir todos juntos para o Inferno e convertê-lo num céu expulsando de lá o Diabo! O Inferno não é de maneira nenhuma o lugar que este mundo de idiotas supõe, antes pelo contrário, é um lugar muito agradável."

Ultrajado pela troça do profeta, Law virou-lhe as costas, dizendo asperamente: "Então pode gozá-lo à vontade, mas quanto a mim, vou servir o Senhor nosso Deus!"6

Isto foi o princípio da apostasia de Law, mas durante alguns meses foi evitada uma ruptura aberta. Tal como muitos outros membros descontentes, Law acreditava que Joseph era, não um falso profeta, mas antes um profeta caído em desgraça, arrastado para a iniquidade pelos ensinos de John C. Bennet e pelas suas próprias paixões ardentes. Ele apegou-se às primeiras revelações de Joseph -- à pureza original da mensagem do evangelho que fizera dele um convertido -- e esperava que alguma coisa trouxesse o profeta de volta à realidade.

A eleição de 1843 tinha dado aos Santos a primeira suspeição de que Law estava em desfavor, e quando Joseph denunciou o Judas em Nauvoo, muitos deles adivinharam quem era o acusado. Law foi informado em privado que os Anjos Destruidores tinham ordens para pô-lo fora do caminho, e embora Joseph negasse de forma elaborada essa história perante um conselho da cidade, Law não ficou inteiramente tranquilo.7 Junto com o seu irmão Wilson, começou a gravitar para o campo dos outros mórmones insatisfeitos.

Neste grupo estavam William Marks, Austin Cowles e Leonard Soby, que se opunham radicalmente à poligamia. Havia o jovem Francis Higbee, que nunca tinha perdoado o profeta por tê-lo denunciado publicamente como debochado e dissoluto durante o escândalo Bennett; também o seu irmão Chauncey, cuja reputação em Nauvoo era pouco melhor.

Hiram Kimball estava quase pronto a juntar-se às fileiras deles. Como possuía uma boa porção da terra ao longo do rio e tinha construído muitos dos cais para os barcos a vapor, esperava cobrar ele mesmo a acostagem; mas Joseph insistiu que isso era uma prerrogativa da cidade e ameaçou publicamente fazer explodir os barcos a vapor que não pagassem.8 Kimball, tal como Law, ficou ainda mais irritado por ciúmes, pois Joseph certa vez tinha cobiçado a mulher dele, Sarah, e tinha tentado em 1842 conquistá-la para ser sua esposa espiritual.9

Um dos principais dissidentes era o Dr. Robert D. Foster, cujas ofensas eram muito parecidas com as de Kimball e William Law. Durante muito tempo ele tinha ficado ofendido com a oposição do profeta aos seus empreendimentos de negócios, mas ainda o procurava para orientação em assuntos espirituais. Então, certo dia na primavera de 1844, chegou a casa inesperadamente de uma viagem de negócios e descobriu o profeta a jantar com a sua esposa. Quando Joseph saiu e Foster exigiu saber o propósito da sua vinda, a Sra. Foster recusou-se a falar. Encolerizando-se rapidamente e excessivamente ciumento, ele sacou da pistola e ameaçou matá-la se ela não divulgasse tudo o que o profeta tinha dito. Pálida e aterrorizada, a mulher permanecia silenciosa.

Então, num frenesim melodramático, Foster pegou numa pistola de cano duplo, colocou-a na mão dela e gritou-lhe que se defendesse. "Se não me contares, ou disparas ou disparo eu." Nisto, ela desmaiou. Quando recuperou os sentidos, confessou que o profeta tinha estado a pregar a doutrina das esposas espirituais e tinha conseguido seduzi-la.

Foster contou esta história a um pequeno grupo de mórmones descontentes reunidos num canto de uma mercearia -- os Laws, os Higbees, o desocupado Joseph H. Jackson, e alguns outros. Era o sinal para uma confissão completa. Um por um, os homens deixaram de lado a reserva e aliviaram o fardo das suas almas. Chauncey Higbee jurou que alguns dos anciãos principais chegavam a ter 10 ou 12 esposas cada um, e descreveu como registavam os nomes de todas as mulheres com as quais desejavam casar num grande livro, chamado Livro da Lei do Senhor, mantido na casa de Hyrum Smith. Depois de os nomes serem inscritos, disse ele, o livro era selado, e os selos eram quebrados na presença das mulheres, que não suspeitavam de nada, e que eram assim convencidas de que a doutrina era verdadeira e que se deviam submeter. Jackson, que tinha tentado sem sucesso obter a mão da filha de Hyrum Smith e já estava a planear vingança há muito tempo, insinuou que estava a ser preparada uma conspiração que custaria a vida de todos os Smiths em Nauvoo dentro de duas semanas.

Dois dos homens que ouviram estas histórias correram precipitadamente para o profeta. Ele ordenou-lhes de imediato que registassem por escrito tudo nos mínimos detalhes, incluindo o relato de Foster sobre a tentativa de sedução da esposa, e em 17 de Abril publicou estes testemunhos juramentados no Nauvoo Neighbor.10 Ele não se dignou negar as histórias, deixando que o choque da publicação fosse suficiente para convencer o seu povo de que eram mentiras.

O julgamento de Foster foi marcado para 20 de Abril de 1844. Mas quando se soube que ele tinha arranjado 41 testemunhas e planeava transformar o julgamento numa acusação ao profeta, um conselho reuniu-se em segredo antecipadamente e excomungou-o junto com William, Wilson e Jane Law.11

O cisma assim criado em Nauvoo era pequeno mas perigoso. Embora fossem párias na cidade, os apóstatas não saíram dela. Não eram só os seus empreendimentos de negócios que os mantinham ali. William Law tinha coragem, tenacidade e um idealismo estranho e pouco sensato. Embora estivesse rodeado na maior parte por homens que acreditavam que Joseph era um vil impostor, agarrava-se à esperança de que podia levar a cabo uma reforma na igreja. Com este fim, estabeleceu a sua própria igreja, sendo ele mesmo o presidente, seguindo fielmente a organização do corpo principal.

Isto em si mesmo não teria sido sério, pois Joseph já anteriormente tinha visto profetas rivais despontarem da relva sob os seus pés e não tinham dado em nada. Geralmente tentavam imitá-lo, dando revelações que pareciam secas e insípidas quando comparadas com as suas, profetizando descontroladamente e organizando-se muito mal. Mas Law era diferente. Na realidade, ele estava a caminho de uma completa e desagradável desilusão, mas estava a afastar-se da igreja dando passos para trás, procurando ansiosamente algo no horizonte a que se pudesse agarrar, procurando apoio em cada árvore e sebe.

O seu desejo desesperado para reformar a igreja tornou-o muito mais formidável do que se tivesse decidido destruir o profeta e todas as suas obras. Ao contrário de John C. Bennett, ele estava disposto a preparar os seus golpes para que tivessem maior efeito. E, mais importante, ele e Foster tinham suficiente dinheiro para comprar uma máquina de impressão. A igreja reformada haveria de ter um porta-voz 6 semanas depois de nascer, num jornal intitulado o Nauvoo Expositor.

Enquanto esperavam a chegada da máquina de impressão, os apóstatas deram início a um ataque em três frentes contra Joseph através dos tribunais. Francis Higbee processou-o em 500 dólares sob acusação de calúnia; William Law conseguiu que uma comissão de inquérito de Carthage emitisse uma nota de acusação contra Joseph por adultério e poligamia; e Jackson e Foster conseguiram uma acusação similar por falso testemunho.12

Joseph não tinha medo dos juramentos que os Laws pudessem fazer contra ele num tribunal de Carthage, pois sabia que teriam dificuldades em provar que era culpado. Já por 3 anos os seus funcionários tinham-no acompanhado para todo o lado, registando por escrito tudo o que ele tinha dito e feito. Todos os dias estavam registados. E todas as referências ao casamento plural tinham sido tão habilmente disfarçadas que apenas os iniciados compreenderiam o seu verdadeiro significado. Disto ele tinha-se certificado.13

O ataque de Francis Higbee ao profeta foi combatido com uma campanha de difamação como Nauvoo já não via desde a expulsão de Bennett. Joseph acusou Higbee de perjúrio, sedução e adultério, dando detalhes que o grave Times and Seasons admitiu serem "demasiado indelicados para os olhos e ouvidos do público". Brigham Young jurou que Higbee associava-se com prostitutas, das quais tinha certa vez contraído uma doença venérea. Outra testemunha até identificou a fonte da infecção como sendo uma prostituta francesa de Warsaw, e disse que Bennett lhe tinha dado assistência médica e que o profeta até tinha tentado curá-lo através da oração.14

Chauncey Higbee foi atacado com a mesma invectiva violenta no Nauvoo Neighbor de 29 de Maio, quando o editor rebuscou os ficheiros secretos de testemunhos recolhidos aquando do escândalo de Bennett e publicou as antigas declarações juramentadas de três mulheres que Higbee tinha seduzido com a promessa de casamento sob o código das esposas espirituais. Portanto a lama voou para ambos os lados.

A publicação de tais documentos era o pior tipo de estratégia defensiva, pois Joseph não podia escapar a ser envolvido por implicação. Aqueles que acreditavam piamente nas suas negações da poligamia ficaram espantados com o perjúrio prodigioso dos apóstatas, e mórmones sensíveis que sabiam alguma coisa da verdade sobre a poligamia recordaram-se dolorosamente da exortação de Jesus: "Aquele de entre vós que não tiver pecado, que atire a primeira pedra".

Os excessos de Joseph custaram-lhe o que ele mais precisava, alguns meses de paz em Nauvoo sem escândalos políticos ou pessoais. Tal período teria visto o fim da eleição e a elaboração de algum tipo de solução para a migração em direcção a oeste. A poligamia poderia ter sido suficientemente escondida para manter os gentios sossegados e os seus novos convertidos leais. Depois, no Texas ou no Oregon ou em algum vale isolado nas Montanhas Rochosas ele poderia ensinar a verdade ao seu povo.

Mas ele estava cego para o seu próprio perigo e num sermão público em 26 de Maio forçou o seu ataque selvagem contra os apóstatas com uma fanfarronada irresponsável:

"O Senhor formou-me de forma tão curiosa que eu me regozijo com a perseguição.... Se a opressão transforma um homem sábio em louco, muito mais o faz a um tolo. Se eles querem que um rapaz imberbe chicoteie o mundo, subirei ao cimo de uma montanha e cantarei de galo: vencê-los-ei sempre. Quando os factos forem provados, a verdade e a inocência prevalecerão finalmente.... Avancem! ó acusadores! ó falsas testemunhas! Todo o inferno, transborde! Ó montanhas ardentes, derramem a vossa lava! pois ficarei a ganhar no fim. Tenho mais de que me gabar do que qualquer homem alguma vez teve. Sou o único homem que alguma vez conseguiu manter uma igreja inteira junta desde os dias de Adão.... Gabo-me de que nunca homem algum jamais fez uma obra como eu.... Como adoro ouvir os lobos uivar!"

Ele concluiu:

"Deus sabe, portanto, que as acusações contra mim são falsas.... Que coisa, um homem ser acusado de cometer adultério, e ter sete esposas, quando só consigo encontrar uma. Sou o mesmo homem, e tão inocente como era há 14 anos; e posso provar que eles são todos perjuros."15

Se John C. Bennett tivesse sido editor do Nauvoo Expositor em vez de William Law e Sylvester Emmons, o resultado seria uma folha lúgubre. Mas Law não era um boateiro barato e tinha uma profunda piedade pelas esposas plurais em Nauvoo. Ele fez questão de que nada de "carnal" entrasse no Expositor, e o primeiro número, que apareceu em 7 de Junho de 1844, era consequentemente -- considerando os factos à disposição do editor -- um documento extraordinariamente contido.

O principal editorial não mencionou quaisquer nomes, apenas descreveu a história de uma típica rapariga inglesa que tinha vindo sozinha para Nauvoo e era cuidadosamente doutrinada nos mistérios do reino pelo profeta. Isto era seguido por três declarações juramentadas, assinadas por William Law, Jane Law e Austin Cowles, testificando que todos tinham visto ou ouvido ler a revelação que concedia a cada homem o privilégio de casar com 10 virgens e lhe perdoava todos os pecados excepto o derrame de sangue inocente.

A poligamia era apenas a primeira de uma longa lista de práticas assinaladas para serem atacadas. O Expositor foi particularmente eloquente contra a tentativa de Joseph de unir a igreja e o estado, e a sua procura de poder político: "Não acreditamos que Deus alguma vez tenha suscitado um Profeta para cristianizar o mundo através de esquemas políticos e intrigas. Não é desse modo que Deus cativa o coração dos incrédulos; antes pelo contrário, é através da pregação da verdade na sua própria simplicidade original."

Disse ainda, numa alusão inconfundível ao cargo de rei que Joseph se atribuíra: "Nós não reconheceremos nenhum homem como rei ou legislador da igreja: pois Cristo é o nosso rei e legislador."

Os editores atacaram as manobras financeiras e as especulações imobiliárias de Joseph, a sua constante denúncia de Missouri, e o seu abuso dos privilégios que lhe eram conferidos pelos estatutos de Nauvoo. Apelaram à revogação dos estatutos, desobediência às revelações políticas, fim dos abusos do "poder unido" centrado no profeta e censuraram em termos fortíssimos as suas "imperfeições morais".

O Expositor espalhou a consternação por toda a cidade. Aqueles que estavam a praticar a poligamia receavam ser massacrados pelos anti-mórmones; aqueles que tinham sido mantidos na ignorância foram esmagados pela percepção de que todos os rumores sub-reptícios podiam afinal ser verdadeiros.16 Estes aguardaram com um misto de raiva e desânimo pela resposta do profeta.

Quando o profeta acabou de ler o Expositor, sabia que estava a enfrentar a crise mais grave da sua vida. O jornal tinha-o colocado em julgamento perante todo o seu povo. Talvez se Joseph os tivesse encarado com a verdade e tivesse ido para a plataforma no templo inacabado e lesse para a igreja a revelação sobre o casamento plural com a sua antiga convicção magnífica, teria conseguido tirar aos apóstatas a sua principal arma e libertar os seus seguidores leais de um fardo de segredo, evasão e mentiras que se estava rapidamente a tornar intolerável. Se tivesse revelado os seus planos para ir para oeste, poderia ter-lhes dado esperança e um desafio.

Mas ele não tinha coragem para isso. Apesar da metafísica elaborada que criara para justificar a poligamia, apesar de todos os profetas do Antigo Testamento que a tinham vivido e o sucesso da sua própria experiência, a crise encontrou-o com uma fraca disposição. Ele estava vazio de convicção quando mais necessitava dela.

Com uma espécie de desespero, virou-se para William Marks, que tinha vindo tão fielmente em seu auxílio em crises passadas com a sua sabedoria e bolsa generosa, mas que em meses recentes se tinha afastado dele com mágoa. Caminharam juntos pela rua abaixo na luz brilhante do verão, transformada numa alameda pouco usada onde podiam falar em privado, e sentaram-se no banco coberto de erva.

"Somos um povo arruinado", começou Joseph.

"Como assim?" perguntou Marks cautelosamente, pois tinha mantido durante tanto tempo um silêncio incomodado que já não sabia como falar com o seu líder.

"Esta doutrina da poligamia, ou sistema de esposas espirituais, que tem sido ensinado e praticado entre nós, acabará por ser a nossa destruição e ruína. Fui enganado; é uma maldição para a humanidade, e teremos de sair dos Estados Unidos em breve, a menos que possa ser abandonada e a sua prática interrompida na Igreja."

O homem mais velho estava prestes a chorar de gratidão. Isto era o que ele tinha estado à espera de ouvir desde que vira a revelação amaldiçoada sobre a poligamia um ano antes.

"Agora Irmão Marks", continuou Joseph, "tu não recebeste esta doutrina, e quero que vás ao alto conselho e farei com que sejam proferidas acusações contra todos os que praticam esta doutrina, e quero que os julgues pelas leis da Igreja, e os cortes, se não se arrependerem e cessarem a prática desta doutrina, e eu irei para a tribuna e pregarei contra [a doutrina] com todas as minhas forças, e desta forma livraremos a igreja desta heresia danada."17

Mas Joseph estava apenas a atirar às cegas, procurando uma maneira de sair daquele dilema, e os embaraços daquela solução particular devem tê-lo feito descartá-la quando o sol se pôs. Ele não sabia o que fazer. Só um tema persistia em toda a sua agitação -- uma convicção de que o Expositor tinha de ser estrangulado. Mas aqui ele foi mais uma vez traído pela sua completa incapacidade de lidar habilmente com a oposição, uma fraqueza que os seus sucessos políticos e legais em Nauvoo só tinham vindo intensificar. Ele tinha-se tornado um autocrata que só sabia pensar em termos de supressão.

Convocando o conselho da cidade, ele ordenou um julgamento, não dos apóstatas, mas do próprio Expositor. Foi um processo estranho e autoritário. Não houve júri, nem advogados, nem testemunhas de defesa. Os conselheiros simplesmente levantaram-se, uns após outros, e acusaram os editores de sedução, proxenetismo, falsificação e ladroagem. O profeta foi ao extremo de dizer que tinha sido provado perante o conselho da cidade que o apóstata Joseph H. Jackson era um assassino.

Em seguida ele acrescentou mais uma à sua lista de negações da poligamia, ao declarar que a revelação sobre a poligamia mencionada no Expositor "era em resposta a uma pergunta sobre coisas que tinham vindo a lume antigamente, e não tinha qualquer referência ao tempo presente."18 O conselho da cidade neste ponto declarou que a máquina de impressão era caluniosa e tinha de ser destruída. Joseph emitiu uma proclamação declarando-a um incómodo público; uma parte da Legião marchou para o escritório, destruiu a máquina de impressão, misturou os tipos e queimou todos os exemplares do odiado jornal que conseguiu encontrar.

O Expositor não era o primeiro nem seria o último jornal de Illinois a ser destruído desta forma. Queimar máquinas de impressão era uma espécie de desporto nas imediações da linha que ligava Mason a Dixon. Mas o líder de uma minoria odiada entregar-se a este desporto não era uma das liberdades da fronteira, era antes uma violação da sagrada Constituição. Era uma quebra de disciplina política e legal maior do que os anti-mórmones podiam ter desejado. Joseph não podia ter feito uma coisa melhor para os seus inimigos, já que lhes tinha finalmente dado um assunto moral que podiam usar para lutar contra ele.

Os apóstatas fugiram para Warsaw e Carthage. Robert Foster escreveu para o Warsaw Signal uma declaração detalhada na qual não só descreveu a destruição da máquina de impressão como também acusou Joseph de uma longa lista de crimes, desde contratar Porter Rockwell para matar Boggs até à sedução de inúmeras mulheres mórmones. "A História não proporciona qualquer paralelo para as iniquidades e enormidades deste tirano", concluiu ele, "que investido de um pouco de autoridade sumária, perpetra acções perante as quais o Céu chora e a natureza humana recua envergonhada da sua própria depravação."

O editorial de Thomas Sharp em 12 de Junho gritava com fúria demoníaca: "Guerra e extermínio são inevitáveis! LEVANTEM-SE CIDADÃOS, CADA UM E TODOS!!! Consegue ficar a olhar e permitir que estes DIABOS INFERNAIS! ROUBEM aos homens a sua propriedade e Direitos, sem vingá-los? Não temos tempo para comentários; cada homem fará os seus, QUE SEJAM feitos com PÓLVORA E BALAS!!!"

Joseph percebeu, demasiado tarde, que tinha soltado uma avalanche. Escreveu uma longa carta defensiva para o Governador Ford justificando com fundamentos jurídicos a destruição da máquina de impressão, e enviou ordens para os doze apóstolos regressarem a casa de imediato, com pólvora, chumbo, e uma carabina incluída discretamente nas suas bagagens.19 Depois foi instruir a Legião na defesa da cidade.

Subindo para o palanque de inspecção das tropas, o seu uniforme azul e amarelo claro vistosamente ornamentado com botões e dragonas dourados, ficou orgulhosamente perante os seus homens, não traindo nada do tumulto e ansiedade que o torturavam por dentro. Fez uma defesa obstinada da legalidade da sua posição. Desde que a máquina de impressão fora queimada, Law e Foster tinham obtido mandatos para a sua detenção com base na acusação de tumulto, que com a sua usual habilidade ele tinha evitado através do procedimento de habeas corpus do tribunal municipal de Nauvoo. Mas ele sabia que isto era pouco mais que um adiamento. De hora a hora os vigias traziam-lhe notícias sobre as multidões furiosas que estavam a varrer as ruas de Carthage e Warsaw. Multidões de missourianos e iowanos estavam a atravessar o rio, atraídos como moscas para o cheiro de sangue. Bandos armados já estavam a ameaçar famílias mórmones isoladas e a empurrá-las para Nauvoo. Falava-se de linchamentos em todo o lado -- sempre em nome da justiça e da liberdade.

Joseph leu para os seus homens o editorial incendiário da edição extra do Warsaw Signal para que não tivessem ilusões sobre o que os esperava. Depois disse: "Somos cidadãos americanos. Vivemos sobre um solo por cujas liberdades os nossos pais arriscaram as suas vidas e derramaram o seu sangue no campo de batalha. Esses direitos tão preciosamente adquiridos não serão vergonhosamente pisoteados por saqueadores à margem da lei sem ao menos um esforço nobre da nossa parte para defender as nossas liberdades. Estarão lado a lado comigo até à morte?"

Os milhares alinhados abaixo dele, com firmeza e sérios nas suas fileiras bem ordenadas, gritaram em uníssono um trovejante "Sim!"

"Está bem. Se não o tivésseis feito, eu teria ido para ali", e esticou o braço para oeste, "e teria levantado um povo mais poderoso." Depois, tirando a espada da bainha, Joseph levantou-a ao céu e gritou numa voz que ressoou sobre as fileiras do exército e pelas ruas da cidade: "Chamo Deus e os anjos para testemunharem que desembainhei a minha espada com uma determinação firme e inalterável de que este povo terá os seus direitos legais, e será protegido da violência das multidões, ou então o meu sangue será derramado no chão como água, e o meu corpo consignado ao túmulo silencioso!"


Notas

1 Isto foi feito na reunião de 1844 da Grande Loja. Veja Proceedings of the Grand Lodge of Freemasons, Illinois, from its Organization in 1840 to 1850 Inclusive (Freeport: Illinois, 1892).

2 Discurso em 29 de Dezembro de 1843. History of the Church, Vol. VI, p. 152.

3 Ibid., Vol. V, pp. 272-273; Vol. VI, pp. 164-165.

4 Ibid., Vol. V, pp. 285-286.

5 Denison L. Harris e Robert Scott, que espiaram para contar a Joseph nas reuniões realizadas por Law e Foster, relataram muitos anos depois que tinham visto três mulheres com véu, uma delas a esposa de William Law, comparecer a uma reunião e assinar declarações juramentadas dizendo que "Joseph e Hyrum Smith tinham tentado seduzi-las; e tinham feito a elas as propostas mais indecentes e iníquas, e desejavam que elas se tornassem suas esposas." (Conforme relatado por Horace Cummings, que descreveu os relatos delas no Contributor, Salt Lake City, Abril de 1884, Vol. V, p. 255.) Thomas Ford também relatou que Joseph tentou fazer de Jane Law sua esposa. (Veja o seu History of Illinois, p. 322.) E John D. Lee escreveu que Joseph queria a "amável e bonita esposa de William Law". (Mormonism Unveiled, p. 147.) Joseph H. Jackson escreveu em 1844 que Joseph lhe dissera que passara dois meses tentando em vão conquistar Jane Law, e acrescentou que Emma Smith sugeriu que lhe fosse dado William Law como esposo espiritual. Narrative of the Adventures and Experiences of Joseph H. Jackson, pp. 21-22.

6 Conforme descrito por Law no Nauvoo Expositor, 7 de Junho de 1844.

7 Veja History of the Church, Vol. VI, pp. 162-165.

8 Ibid., Vol. VI, pp. 234, 238.

9 Veja a declaração juramentada de Sarah Kimball, citada na p. 306.

10 Veja as declarações de M. G. Eaton e A. B. Williams, Nauvoo Neighbor, Vol. I, n.º 51. Estes foram reproduzidos em Times and Seasons, Vol. V (15 de Maio de 1844), p. 541.

11 Veja o Nauvoo Expositor, 7 de Junho de 1844.

12 Veja History of the Church, Vol. VI, pp. 403, 405.

13 Veja a declaração do próprio Joseph sobre este ponto, Vol. VI, p. 409.

14 Veja os testemunhos de Joseph Smith, Brigham Young e H. J. Sherwood no Times and Seasons, Vol. V (15 de Maio de 1844), pp. 537 e seguintes.

15 History of the Church, Vol. VI, pp. 408-412.

16 Veja as cartas de Sarah e Isaac Scott para os seus familiares em Massachusetts, datadas de 16 de Junho e 22 de Julho de 1844, publicadas em "The Death of a Mormon Dictator: Letters of Massachusetts Mormons, 1843-1848" (A Morte de Um Ditador Mórmon: Cartas de Mórmones de Massachusetts, 1843-1848), New England Quarterly, Vol. IX (1936), pp. 583-617.

17 Esta entrevista foi descrita por William Marks em Zion's Harbinger and Baneemy's Organ, Vol. III (Julho de 1853), pp. 52-53. O relato pode ter sido colorido até certo ponto pela sua profunda antipatia pela poligamia.

18 O Nauvoo Neighbor de 19 de Junho de 1844 publicou este processo do conselho da cidade. As palavras proferidas por Joseph que coloquei em itálico foram omitidas da History of the Church quando o processo foi reproduzido. Veja Vol. VI, p. 441.

19 History of the Church, Vol. VI, pp. 487.


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