Apocalipse Adiado: A História das Testemunhas de Jeová (Toronto: University of Toronto Press, 1997, segunda edição) de M. James Penton (1932-), pp. 77-98.

Capítulo 3: A Era de Expansão Global

M. James Penton


Quando o juiz Joseph F. Rutherford morreu, as Testemunhas de Jeová estavam sob proibição total em muitas partes do mundo. Muitas definhavam em prisões ou em campos de concentração. Mesmo nos Estados Unidos, o Supremo Tribunal decidiu que os filhos de Testemunhas tinham de saudar a bandeira quando a lei o exigisse ou enfrentar a expulsão das escolas públicas. Por serem encaradas como não patriotas que fugiam aos seus deveres, que nem saudavam a bandeira nem lutavam pelo seu país, foram sujeitas a violência de multidões não experimentada por qualquer religião na América desde a perseguição aos mórmones no século 19.

Conforme já indicado, o juiz tinha acreditado que o apocalipse estava próximo no início da década de 1940, e ele viu na perseguição às Testemunhas o ataque final dos inimigos de Deus, tanto espirituais como humanos, ao pequeno rebanho de irmãos de Cristo e à grande multidão. No entanto, os homens mais próximos dele evidentemente acreditavam que o fim não viria sem que eles, pessoalmente, dirigissem um trabalho de pregação mundial numa escala maior do que Russell ou Rutherford.

Os Sucessores de Rutherford

Os homens que sucederam a Rutherford no poder na hierarquia da Sociedade Torre de Vigia eram um grupo muito unido cujas qualidades mais salientes eram a habilidade administrativa, uma devoção total ao conceito do juiz sobre o trabalho de pregação, e um senso de lealdade à Sociedade como representante da organização de Deus. Eram, acima de tudo, homens da organização a 100%, com tudo o que esse termo implica.

O mais destacado entre este grupo era Nathan Homer Knorr,1 o último vice-presidente de Rutherford e o homem que foi eleito para o substituir como presidente em 13 de Janeiro de 1942. Embora jovem, encarado por muitos dos seus associados como pouco mais do que um dos sicofantes de Rutherford, e exteriormente um homem de maneiras muito mais moderadas do que o seu predecessor, Knorr era um homem com uma vontade de ferro. Determinado a expandir as actividades de pregação das Testemunhas de Jeová até que o próprio Senhor Jeová desse a ordem para parar, ele haveria de presidir sobre o desenvolvimento das Testemunhas até serem uma grande força religiosa de milhões no período a seguir à Segunda Guerra Mundial.

Nascido em Bethlehem, Pennsylvania, em 1905, Knorr foi criado na igreja Reformada dos seus antepassados holandeses. Mas aos 16 anos associou-se com os Estudantes da Bíblia. Em 1923 tornou-se colportor a tempo inteiro e foi convidado para o Betel de Brooklyn, que continuou a ser a sua casa até pouco antes da sua morte. Em 1932 ele tinha-se tornado director geral dos escritórios e da gráfica de publicações da Sociedade Torre de Vigia em Nova Iorque. Dois anos depois tornou-se director dessa empresa e em 1940 tornou-se membro e vice-presidente da Watchtower Bible and Tract Society of Pennsylvania (Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados de Pennsylvania). Ele obteve quase toda a sua experiência como uma Testemunha de Jeová leal nos escritórios centrais da Sociedade e continuou muitos dos programas iniciados por Rutherford.

Knorr era uma pessoa severa, género homem de negócios. Só ocasionalmente, em especial quando estava com amigos próximos e missionários Testemunhas por quem tinha uma afeição real, é que ele demonstrava o bom humor exuberante mostrado pelo Juiz Rutherford quando se estava a divertir, ou a bondade tantas vezes manifestada pelo Pastor Russell. Mas ele podia ser sisudo e severo como Rutherford para todo e qualquer um que, aos seus olhos, fosse desleal ou falhasse nos seus deveres. Além disso, ele às vezes era petulante, indelicado e completamente mau para aqueles por quem tinha desenvolvido uma antipatia. Embora ele próprio se tivesse queixado de ser 'podado' ou ter recebido uma chicotada verbal pública dada pelo Juiz Rutherford perante os seus co-trabalhadores em Betel,2 quando assumiu o manto do Juiz, ele também assumiu o costume de 'podar' outros, em alguns casos de forma contundente.3 À medida que os anos foram passando, ele tornou-se cada vez mais uma figura paternalista cujo carácter não era diferente dos seus antepassados calvinistas. Apesar disso, tal como o Pastor Russell e o Juiz Rutherford antes dele, apreciava um estilo de vida confortável e uma boa mesa. Ao contrário deles, Knorr tinha uma apreciação normal e saudável pelo sexo oposto.

Embora possuísse pouca ou nenhuma habilidade como escritor, e certamente não tendo o carisma pessoal dos seus predecessores, em muitos aspectos Knorr era um homem mais hábil que ambos. Sob a sua administração foi concluída uma política de minimizar o papel e o prestígio de indivíduos, que Rutherford tinha começado, pelo menos para outros. Em 1942 Knorr desenvolveu a política de publicar toda a literatura da Torre de Vigia anonimamente -- uma política que ainda é seguida -- e de despersonalizar a correspondência emitida pela Sociedade. Em vez de apresentarem o nome do escritor, as cartas deviam simplesmente ser carimbadas com a 'assinatura' Watchtower Bible and Tract Society, Inc. Desta forma, fazia-se sentir à comunidade das Testemunhas que devia ser leal a uma organização, à organização do Senhor, em vez de a algum homem.

Claro que pode ter havido outra razão pela qual Knorr queria desenvolver este culto da despersonalização. Como ele era incapaz de pesquisar e escrever as principais publicações da Sociedade, sabia que não conseguiria ganhar o prestígio que tanto Russell como Rutherford tinham obtido como autores. Por isso Nathan Knorr pode muito bem ter querido esconder a sua própria inadequação ao fazer que toda a literatura da Torre de Vigia fosse publicada sob anonimato. Mais importante, porém, ele procurou transformar as Testemunhas de Jeová num grupo de pregadores do Reino de Jeová muito mais sofisticado, moral e eficaz do que alguma vez tinham sido no passado.

O homem que se tornou vice-presidente de Knorr em 1942 foi o novo conselheiro legal da Sociedade, Hayden Cooper Covington.4 Nascido em 1911, em Hopkins County, Texas, Covington estudou direito na San Antonio Bar Association School of Law e foi admitido na barra do Texas em 1933. No ano seguinte foi baptizado como Testemunha. Em 1939 foi convidado para o Betel de Brooklyn para ajudar na onerosa tarefa de defender os casos judiciais das Testemunhas nos tribunais.

Covington era alto, bem parecido, orador eficaz e advogado muito capaz. Durante o período entre 1939 e 1955 defendeu aproximadamente 50 casos por ano e compareceu perante o Supremo Tribunal dos Estados Unidos em 41 casos diferentes envolvendo questões da Carta dos Direitos Americana. Mas era um homem muito orgulhoso, por vezes arrogante, que podia combinar argumentos libertários, que usava caracteristicamente nos tribunais, com as opiniões mais completamente autoritárias que é possível imaginar quando falava da autoridade espiritual e organizacional da directoria da Sociedade Torre de Vigia.5 Embora trabalhasse de perto com Knorr, os dois muitas vezes entravam em conflito sobre vários assuntos e desenvolveram um profundo sentimento de ressentimento mútuo.6 O excesso de trabalho e a tensão acabaram por ser a desgraça de Covington e no início da década de 1960 foi obrigado a deixar Nova Iorque com um grave problema de bebida. Depois de ser desassociado e readmitido, morreu como Testemunha de boa reputação em 1979.7 Mas em 1942 ele estava no ponto alto da sua vida e pronto a fazer contribuições importantes para os seus irmãos.

Uma terceira figura, e também de importância primordial entre aqueles que sucederam a Rutherford no poder, era Frederick William Franz.8 Nascido a 12 de Setembro de 1893 em Covington, Kentucky, Franz transformou-se num jovem profundamente religioso que cedo decidiu tornar-se ministro presbiteriano. Enquanto estava a frequentar a Universidade de Cincinnati em 1913, o seu irmão enviou-lhe algumas publicações da Torre de Vigia. Pouco depois, ele ficou convencido com os ensinos dos Estudantes da Bíblia. Na primavera de 1914 desistiu das aulas antes de ter completado o seu terceiro ano para se tornar um activo colportor dos Estudantes da Bíblia. Em 1920 foi convidado para o Betel de Brooklyn e, em 1922, fez o discurso no baptismo de Nathan Knorr. Na universidade Franz tinha sido um estudante honroso e, embora não lhe tenha sido oferecida uma bolsa Rhodes como A. H. Macmillan afirmou, os seus professores evidentemente consideraram recomendá-lo para uma bolsa.9 Quando saiu da Universidade de Cincinnati ele sabia alemão e conseguia ler latim e grego. Mais tarde, aprendeu espanhol, português e francês, e adquiriu conhecimento que lhe permitia ler hebraico. Consequentemente, ao longo dos anos, ele haveria de se tornar um ajudante altamente útil para Rutherford, e mesmo antes da morte do juiz tornar-se-ia o principal exegeta e perito bíblico da Sociedade. Embora não fosse imediatamente escolhido como um dos representantes da Sociedade, a sua amizade íntima com Knorr e o seu papel como a fonte primária da doutrina da Torre de Vigia deu-lhe uma imensa autoridade, embora indirecta. Ele gradualmente tornou-se o 'oráculo' da Sociedade.

Franz, que se tornaria vice-presidente da Torre de Vigia em 1949 e presidente em 1977, é uma pessoa baixa, entusiástica e exteriormente atraente. Embora seja um orador poderoso, por vezes bombástico, com uma estranha cadência no discurso, é uma pessoa muito mais congenial do que Rutherford ou Knorr. Ao lidar com outros, ele tem sido geralmente tratável e educado, pelo menos enquanto não é desafiado. No entanto, em muitos sentidos ele pode correctamente ser descrito como excêntrico, com algumas das características de um Paul Johnson ou de um Clayton Woodworth. As suas interpretações alegóricas de 'tipos' proféticos têm sido muitas vezes confusas, pomposas e desnecessariamente complicadas. Além disso, os seus discursos públicos algumas vezes têm embaraçado Testemunhas sensíveis. Por exemplo, em 1958, num congresso internacional onde estava um quarto de milhão de pessoas, ele comparou raparigas adolescentes a vacas no cio. E, apesar das suas maneiras normalmente agradáveis, ele não é menos autoritário do que foram Rutherford, Knorr, Covington e muitos outros altos funcionários da Torre de Vigia. De facto, Franz, mais do que qualquer outra pessoa excepto Rutherford, criou uma aura de quase autoridade mística à volta dos cargos de presidente da Torre de Vigia e da directoria da Sociedade Torre de Vigia.

Junto com Knorr, Covington e Franz estavam vários apoiantes de Rutherford de longa data que estavam com a Sociedade desde os tempos de Russell e vários homens mais jovens. Entre os de longa data contavam-se William Van Amburgh, Alexander H. Macmillan e Hugo Reimer. Entre os mais jovens estava Grant Suiter, que se tornaria secretário-tesoureiro da Torre de Vigia depois da morte de Van Amburgh em 1947. Assim, quando o Juiz Rutherford morreu, não houve qualquer luta pelo poder como tinha havido em 1917. Estavam todos determinados a ver o sucessor que o juiz escolhera a dedo, Knorr, eleito para a presidência no interesse da teocracia, e não seria permitido a nenhuma Testemunha de Jeová que questionasse ou sequer criticasse as suas actividades terrestres.

O Caso Olin Moyle

O nível de completo autoritarismo a que a Sociedade e os seus directores tinham chegado é indicado pelo caso Olin Moyle.10 Acompanhado pela esposa e pelo filho, Peter, Moyle tinha vindo da sua casa no sul de Wisconsin para o Betel de Brooklyn em 1935 para agir como conselheiro legal para a Sociedade Torre de Vigia e para lutar nos muitos casos de liberdade de adoração que as Testemunhas enfrentariam durante os 4 anos seguintes. Moyle provou ser uma Testemunha fiel e dedicada que aparentemente não tinha quaisquer divergências doutrinais sérias com o Juiz Rutherford. No entanto, com o passar do tempo, ele tornou-se crítico em relação ao comportamento pessoal do juiz e ao que encarava como conduta imprópria da parte de membros da família de Betel. Consequentemente, em 21 de Julho de 1939 submeteu uma carta aberta de renúncia a Rutherford como protesto pelo que considerava ser as condições morais baixas na sede da Torre de Vigia. Nessa carta ele acusava o juiz de tratamento grosseiro do pessoal, acessos de raiva, discriminação e linguagem obscena.

Embora fosse um abstémio, dificilmente Moyle poderá ser acusado de ser demasiado crítico em relação aos hábitos de bebida dos seus irmãos em Betel, e ele foi muito exacto na sua avaliação das acções pretensiosas e coléricas de Rutherford, e das tiradas à mesa do pequeno almoço. Além disso, ele estava simplesmente ansioso por corrigir o que para ele eram exemplos graves de conduta não cristã e por afirmar que Rutherford tinha uma responsabilidade imediata de remediar as condições que tinham causado a sua renúncia e protesto. Mas Rutherford, que por vezes tinha dificuldade em distinguir a sua própria posição da posição de Jeová e de Cristo Jesus, encarou a carta de Moyle como nada menos que apostasia. O relato que se segue, da The Watchtower [A Sentinela] de 15 de Outubro de 1939 (pp. 316-317 [em inglês]) indica a atitude de Rutherford e dos directores:

INFORMAÇÃO

Tendo em consideração que este é o tempo em que Deus está a remover da sua organização tudo o que pode ser abalado, 'para que aquelas coisas que não podem ser abaladas possam permanecer' (Hebreus 12:26, 27), os membros do corpo de directores da WATCH TOWER BIBLE AND TRACT SOCIETY [Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados], para a informação e protecção daqueles que são devotados à organização de Deus, solicitam que a Watchtower [Sentinela] publique o que se segue:

Em 21 de julho de 1939, um artigo escrito sob a forma de carta, assinado por O. R. Moyle, foi deixado na secretária da portaria do Lar de Betel, endereçado ao presidente da Sociedade. Como esse artigo envolve toda a família de Betel, foi devidamente trazido perante o corpo e perante a família. A carta, estando repleta de declarações falsas, caluniosas e difamatórias, foi vigorosamente condenada pelo corpo de directores e por todos os membros da família de Betel. O corpo adoptou por unanimidade a seguinte Resolução, que também foi aprovada pela família:

'Numa reunião conjunta dos corpos de directores da corporação de Pennsylvania e da corporação de Nova Iorque da Sociedade de Bíblias e Tratados, realizada no escritório da Sociedade em Brooklyn, Nova Iorque, neste dia 8 de agosto de 1939, na qual outros membros da família estiveram presentes, foi lida aos ditos corpos e na presença de O. R. Moyle, uma carta datada de 21 de julho de 1939, escrita pelo dito Moyle e endereçada ao presidente da Sociedade.

'Durante os últimos quatro anos foram confiadas ao escritor dessa carta as matérias confidenciais da Sociedade. Agora parece que o escritor dessa carta, sem desculpa, calunia a família de Deus em Betel, e identifica-se a si próprio como um que fala iniquidades contra a organização do Senhor, e que é um murmurador e queixoso, exactamente como as Escrituras predisseram (Judas 4-16; 1 Coríntios 4:3; Romanos 14:4).

'Os membros do corpo de directores ressentem-se das críticas injustas que aparecem na carta, desaprovam o escritor e as suas acções, e recomendam que o presidente da Sociedade termine imediatamente o relacionamento de O. R. Moyle com a Sociedade como conselheiro legal e membro da família de Betel.'

À parte o parágrafo introdutório que anuncia o propósito do escritor de deixar Betel numa determinada data, todos os parágrafos dessa carta são falsos, repletos de mentiras, e são uma difamação iníqua e calúnia não só contra o presidente mas contra toda a família, e por essa razão a carta não foi publicada pela Sociedade. Ele pediu à Consolation [Consolação, revista das Testemunhas de Jeová] que publicasse a sua carta, e Moyle, tendo sido recusado o seu pedido, agora faz com que o seu artigo calunioso seja publicado e posto a circular entre algumas companhias [congregações] dos consagrados, fazendo com que o mesmo seja lido publicamente, e depois pelas suas próprias palavras, que podem ser chamadas 'falinhas mansas', ele finge estar em harmonia com a Sociedade, e assim engana ainda mais os incautos. O propósito dele mesmo ao publicar adicionalmente [o artigo] é justificar-se a si mesmo e 'causar divisão entre os irmãos', duas coisas que são condenadas na Palavra de Deus (Lucas 16:15; Romanos 16:17, 18). Por esta razão os irmãos devem ficar de sobreaviso. Estando 'a carta acima mencionada' repleta de mentiras levantadas contra os irmãos, é odiada por Jeová; 'Seis coisas o Senhor odeia; sim, sete são uma abominação para ele... uma testemunha falsa que fala mentiras, e aquele que semeia discórdia entre os irmãos' -- Provérbios 6:16-19.

Ao induzir outros a juntarem-se-lhe na circulação e publicação desta carta difamatória entre os consagrados, ele faz outros participarem no seu erro. O artigo difamatório, estando em oposição e contra os interesses do governo Teocrático, está apenas agradando ao Diabo e aos seus agentes terrestres.

Durante quatro anos foram confiados a Moyle os assuntos confidenciais da Sociedade, e então, sem desculpa, ele assalta e calunia aqueles que confiaram nele. Foram confiados a Judas assuntos confidenciais por Jesus Cristo, e Judas provou a sua infidelidade por fornecer aos inimigos aquilo que eles podiam usar, e que usaram mesmo, contra o Senhor. Aquele que calunia os irmãos do Senhor, calunia o próprio Senhor, e as Escrituras apontam claramente qual será o fim de tais. Tendo sido avisados, cada um deve escolher se quer juntar-se ao 'escravo mau' e sofrer as consequências (Mateus 24:48-51) ou permanecer fiel a Jesus e ao seu governo por Cristo Jesus. Escolhei a quem quereis servir. [Assinado:] Fred W. Franz, N. H. Knorr, Grant Suiter, T. J. Sullivan, W. P. Heath, W. H. Reimer, W. E. Van Amburgh, M. Goux, C. A. Wise, C. J. Woodworth. Aprovado para publicação. J. F. Rutherford, Presidente.

Moyle processou judicialmente o corpo de directores tanto da Sociedade de Pennsylvania como da de Nova Iorque por difamação. Depois de muito litígio, conseguiu receber 15.000 dólares mais os custos do tribunal, dois anos depois da morte do juiz.11 Mas nem Rutherford nem os directores estavam dispostos a tentar fazer as pazes com uma pessoa que acreditavam ser um 'Judas' e um 'escravo mau'. Pareciam dispostos a aceitar a notoriedade e a má reputação que ganharam por causa do assunto com o objectivo de manterem o princípio central da autoridade inquestionável para fazer o que queriam.

Em Wisconsin, o estado natal de Moyle, as congregações das Testemunhas dividiram-se quanto ao assunto, tendo algumas pessoas saído do movimento. No entanto, a maioria apoiou Rutherford e a Sociedade, e mostrou abertamente o seu desprezo por Moyle. A Companhia das Testemunhas de Jeová de Jefferson escreveu: "Estamos completamente de acordo com a palavra de Jeová, a Bíblia, que ele nos está agora revelando através do seu canal terrestre, A Sentinela."12 A Companhia de Waupun declarou: "recusamo-nos absolutamente a considerar as cartas maliciosas que aqueles da classe do 'escravo mau' têm posto a circular entre os irmãos, procurando auto-justificação e simpatia."13 E bem ilustrativa das atitudes das Testemunhas em geral é uma carta de Granville e Grace Fiske, que assinaram como "Seus irmãos e companheiros gafanhotos".14 Nessa carta escreveram: "Não sabemos qual é o conteúdo da carta escrita pelo Sr. Moyle, nem queremos saber. Para nós basta que o nosso grande Deus, JEOVÁ, se agrade em vos usar a todos no seu serviço, e esteja a fazer chover sobre vós as bênçãos".15

Embora possam parecer extremas para algumas pessoas, incluindo algumas Testemunhas de Jeová, era este tipo de profissões de lealdade cega, automática, que Rutherford e aqueles que lhe sucederam queriam ouvir do "exército de gafanhotos" de Testemunhas. Em 1954, muitos anos depois do caso Olin Moyle, Frederick Franz e Hayden Covington foram ao extremo de declarar que as Testemunhas de Jeová até têm de aceitar ensinos falsos vindos da Sociedade Torre de Vigia para ganharem a vida eterna. Conforme Covington declarou nessa altura, a Sociedade queria ter "unidade a todo o custo, porque acreditamos e temos a certeza de que Jeová Deus está a usar a nossa organização, o corpo governante da nossa organização, para a dirigir, embora sejam cometidos erros de tempos a tempos".16

A Remodelação da Comunidade das Testemunhas

Knorr estava decidido a melhorar o trabalho de pregação das Testemunhas de Jeová. Quase de imediato ele restaurou o sistema de servos de zona e servos regionais.17 Com o passar do tempo os servos de zona passaram a ser conhecidos como servos ou superintendentes de circuito e os servos regionais como servos ou superintendentes de distrito. Em 1946 Knorr providenciou congressos de circuito duas vezes por ano18 e em 1948 e 1949 congressos de distrito anuais.19 Embora congressos locais, nacionais e internacionais tivessem sido realizados desde o tempo de Russell, e se tivessem tornado acontecimentos públicos muito importantes sob Rutherford, Knorr agora planeava-os numa base regular, mais facilmente acessíveis a todas as Testemunhas que desejassem comparecer. Mais importante, no entanto, foi o facto de em 1943 ele ter tomado providências para o estabelecimento de uma "escola do ministério teocrático" em cada congregação das Testemunhas e a escola de treinamento missionário de Gileade em South Lansing, Nova Iorque.20 Todos estes acontecimentos tiveram um efeito profundo na comunidade das Testemunhas.

Novos desenvolvimentos organizacionais e educacionais começaram a produzir grandes mudanças. Knorr estava ligeiramente mais cônscio das relações públicas do que Rutherford tinha estado. Apesar de acontecimentos como o caso Moyle e o criticismo amargo contínuo contra "a política, o comércio e a religião", a comunidade das Testemunhas começou gradualmente a adoptar uma aparência mais sofisticada. Em 1948 Bete-Sarim foi vendida.21 Os periódicos que substituíram A Idade de Ouro -- Consolação (de 1937 a 1946) e Despertai! (de 1946 até hoje) -- abandonaram discretamente várias posições que tinham feito a Sociedade parecer ridícula; desapareceram as tiradas contra as vacinas e o envenenamento por alumínio. A literatura da Torre de Vigia assumiu um tom mais comedido e controlado, pelo menos em comparação com o tom que tinha mantido sob o Juiz Rutherford. As Testemunhas enquanto povo também usaram gradualmente mais tacto e tornaram-se mais eficazes na sua evangelização. As escolas do ministério teocrático nas congregações ensinaram muitos a melhorar o seu uso da linguagem e a tornarem-se pregadores de porta em porta mais hábeis e melhores oradores públicos. Ao longo dos anos, Gileade treinou classe após classe de missionários zelosos que Knorr enviou para muitas partes do mundo "para pregar as boas novas do reino e reunir as outras ovelhas de Cristo". É para esses graduados de Gileade que tem de ir muito do crédito pelo crescimento das Testemunhas no período durante os últimos anos da Segunda Guerra Mundial e nos anos depois disso.

O Crescimento da Comunidade das Testemunhas

É difícil perceber quão bem sucedidas as Testemunhas seriam durante a presidência de Knorr a menos que vejamos algumas das estatísticas muito conservadoras da Sociedade Torre de Vigia sobre a matéria. A Tabela 1, elaborada a partir dessas estatísticas, mostra o número de Testemunhas activas, isto é, aqueles "publicadores" que se envolveram em tentar converter outros para a sua fé, em vez de todos os que aceitaram as doutrinas das Testemunhas. "Assistência ao Memorial" indica quantas pessoas se reuniram para a celebração anual da Refeição Nocturna do Senhor.

Ano Auge de Publicadores Assistência ao Memorial
1942
1947
1952
1957
1962
1967
1972
1977
115.240
207.552
456.265
716.901
989.192
1.160.604
1.658.990
2.223.538
98.076
335.415
667.099
1.075.163
1.639.681
2.195.612
3.662.407
5.107.518
Tabela 1: Crescimento mundial das Testemunhas de Jeová, 1942-1977

Seria errado inferir que esse aumento ocorreu somente por causa dos esforços das próprias Testemunhas de Jeová através do seu proselitismo quase inacreditavelmente activo. Acontecimentos políticos e sociais ao redor do mundo ajudaram-nas grandemente. Por exemplo, quando em 1945 Testemunhas alemãs saíram dos campos de concentração de Hitler ou, em alguns casos, viram-se expulsas dos territórios polacos e checos ocupados na Silésia e nos Sudetas, estavam em terríveis dificuldades. Mas começaram imediatamente a reorganizar-se em congregações e a pregar aos seus vizinhos. Sem dúvida o seu registo anti-nazi e a sua proclamação de um paraíso no novo mundo soavam bem a muitos alemães fartos da guerra e esfomeados. Consequentemente, em 1946, cerca de 500 publicadores adicionais estavam sendo acrescentados às suas fileiras a cada mês.22 Assim elas começaram mais uma vez a crescer rapidamente, e o seu número aumentou dramaticamente até ao famoso Wirtschaftswunder ou milagre económico da década de 1960 ter entorpecido o interesse religioso do povo alemão.

Em 1946 a Sociedade Torre de Vigia registou um total de 11.415 Testemunhas alemãs;23 em 1950 relatou um auge de 52.473.24 Neste ano, as autoridades comunistas da Alemanha de Leste baniram-nas no que tinha sido a zona de ocupação russa, e a Sociedade deixou de divulgar estatísticas sobre as Testemunhas na República Democrática Alemã. No entanto, em 1955 só a Alemanha Ocidental relatou 54.635 publicadores25 e em 1960 quase 69.000.26

Em Itália aconteceu praticamente a mesma coisa. Só havia 138 publicadores nesse país em 1946.27 Mas as Testemunhas começaram imediatamente a aumentar em número de forma ainda mais dramática do que os seus irmãos na Alemanha. Só no ano 1950 aumentaram uns espantosos 69% para 1.211 publicadores.28 Dez anos mais tarde havia aproximadamente 6.000 delas.29 No entanto, isto era só o começo. Ao contrário da Alemanha, a Itália nunca experimentou de uma prosperidade material dramática. Assim, durante as duas últimas décadas [1964-1984] a população de Testemunhas italianas tem continuado a aumentar de forma espantosa. Em 1984 havia cerca de 117.000 Testemunhas italianas activas.30 A mesma história haveria de se repetir em muitas terras ao redor do mundo. Praticamente em todo o lado depois da Segunda Guerra Mundial, o nascimento da Era Atómica, a fome, a pobreza, a Guerra Fria, a Guerra da Coreia, e o medo praticamente universal de que a humanidade poderia estar a viver perto do apocalipse levaram muitos milhares de pessoas a aumentar as fileiras das Testemunhas de Jeová, mesmo em territórios comunistas.

Durante algum tempo depois da Segunda Guerra Mundial as Testemunhas eram relativamente livres em países da Europa de leste tais como a Alemanha de Leste, a Polónia, a Checoslováquia e a Hungria. E o seu crescimento nessas terras era tão rápido como na Alemanha Ocidental e na Itália. Assim, quando os comunistas as colocaram sob proscrição depois de apenas cinco anos de liberdade, elas eram suficientemente numerosas e devotas para continuar a converter pessoas.31

Surpreendentemente, elas fizeram o mesmo na União Soviética sob perseguição terrível. Embora não houvesse praticamente nenhuma Testemunha nesse país antes da guerra, elas apareceram ali em força em 1945. Tropas soviéticas que tinham sido convertidas aos ensinos das Testemunhas em campos de guerra alemães trouxeram a nova fé para a sua terra de origem. Mais importante, comunidades inteiras de Testemunhas foram anexadas à URSS junto com os territórios que antes tinham sido parte da Polónia, Checoslováquia e Roménia. Curiosamente, portanto, através das suas políticas até Estaline, um homem que odiava religião, contribuiu para o crescimento e difusão das Testemunhas de Jeová.32

As Assembleias do Novo Mundo

Talvez o exemplo mais destacado do sucesso das Testemunhas tenha sido a série de congressos internacionais gigantescos patrocinados pela Sociedade Torre de Vigia no fim da década de 1940 e durante a década de 1950. O primeiro realizado na América do Norte foi em Cleveland, Ohio, no verão de 1946, ao qual assistiram mais de 80.000 pessoas.33 Mas o congresso de Cleveland foi muito menos espectacular do que os três que foram realizados na cidade de Nova Iorque em 1950, 1953 e 1958.

Em 1950 dezenas de milhares de americanos e canadianos afluíram ao Estádio Yankee para participar na "Assembleia do Aumento da Teocracia". Cerca de 75.000 pessoas foram alojadas em lares de Nova Iorque, e em 8 de Agosto, 123.707 pessoas ouviram um discurso de N. H. Knorr intitulado "Poderá Viver Para Sempre em Felicidade na Terra?" Embora o Departamento de Imigração dos Estados Unidos tenha impedido a entrada de centenas de Testemunhas estrangeiras que tentavam vir para a assembleia devido às suas crenças contra a guerra, dez mil delas provenientes de setenta e sete terras conseguiram assistir.34 Além de ser uma reunião tão grande de pessoas, o congresso de 1950 foi bem sucedido de muitas outras formas. A Sociedade Torre de Vigia lançou várias publicações novas que seriam de grande valor para as Testemunhas. Em 1946 em Cleveland a Sociedade produzira pela primeira vez um extenso estudo doutrinal sobre os ensinos das Testemunhas de Jeová, intitulado "Let God Be True" ["Seja Deus Verdadeiro"]. Depois, em Nova Iorque, o Presidente Knorr apresentou pela primeira vez a New World Translation of the Christian Greek Scriptures [Tradução do Novo Mundo das Escrituras Gregas Cristãs], a versão das próprias Testemunhas do Novo Testamento. Durante a mesma assembleia, a Sociedade lançou Defending and Legally Establishing the Good News [Defendendo e Estabelecendo legalmente as Boas Novas] por Hayden Covington, que podia ser usado pelos publicadores sob assédio ou detenção da polícia devido à pregação de porta em porta. Por fim, publicou Evolution Versus the New World [Evolução Versus o Novo Mundo], a primeira de uma série de publicações da Torre de Vigia impressas para apoiar a doutrina da criação divina directa de plantas e espécies animais.35

Em 1953 foi realizado o segundo grande congresso em Nova Iorque, chamado "Assembleia da Sociedade do Novo Mundo". Em termos de números foi ainda maior que o de 1950. No domingo, 26 de Julho, mais de 165.000 pessoas, com cerca de 50.000 delas num campo de reboques em New Market, New Jersey, ouviram Knorr proferir outro discurso público.36

Dois anos depois a Sociedade preparou uma série de congressos internacionais, dos quais o mais importante foi realizado em Nuremberga, Alemanha. No domingo final desse congresso, 107.423 pessoas assistiram ao discurso público de Knorr, a maior audiência que alguma vez assistira a uma assembleia das Testemunhas de Jeová na Europa. A assembleia de Nuremberga foi realizada no estádio Zeppelinwiese onde, menos de duas décadas antes, Adolf Hitler tinha falado a comícios nazis desde a imponente Steintribuene (Tribuna de Pedra). Naturalmente, os fiéis das Testemunhas estavam em regozijo. No início da década de 1930 Hitler tinha prometido expulsá-las da Alemanha ou destruí-las e tinha tentado fazê-lo. Mas elas tinham sobrevivido aos campos de concentração dele; e enquanto ele e o Terceiro Reich tinham perecido, elas tinham triunfado. Consequentemente, elas viram a assembleia de Nuremberga como prova excepcional de providência divina e do favor de Jeová.37

O maior de todos os congressos das Testemunhas seria, no entanto, realizado na cidade de Nova Iorque em 1958. Nesse ano, a Sociedade Torre de Vigia alugou tanto o Estádio Yankee como o Polo Grounds, que seria demolido pouco depois, pois percebeu que nenhum estádio individual seria capaz de comportar as vastas multidões de Testemunhas que haveriam de descer sobre a maior cidade da América. E tinham toda a razão. De 27 de Julho a 3 de Agosto milhares e milhares de delegados de 123 terras e ilhas dos mares assistiram às sessões para ouvir discurso após discurso proferido pelos líderes da Sociedade. Além disso, na quarta-feira, 30 de Julho, um total de 7.123 homens e mulheres foram baptizados na área de banhos de Ocean Beach nas águas frias de Long Island Sound. Alguns dos baptizadores ficaram entorpecidos com o frio e exaustos por baptizarem os seus novos irmãos, mas a Sociedade pôde gabar-se de terem sido imersas 4.136 pessoas a mais do que em Pentecostes. Depois, na sexta-feira seguinte, o vice-presidente da Sociedade, Frederick Franz, leu uma declaração que foi adoptada por 194.418 homens, mulheres e crianças então presentes, dizendo que actualmente o clero da cristandade é a classe mais repreensível na terra. Por fim, no domingo, 3 de Agosto, Nathan Knorr discursou perante uma multidão gigantesca de 253.922 almas sobre o assunto "O Reino de Deus Reina -- Está Próximo o Fim do Mundo?"38

As Testemunhas ficaram muito impressionadas com esta assembleia, bem como a imprensa, muitos homens de negócios, e o público em geral, especialmente em Nova Iorque. Novos convertidos eram muitas vezes feitos entre os muitos moradores de Nova Iorque a quem as famílias das Testemunhas tinham alugado quartos. Os jornais deram reportagens positivas sobre a ordem e a boa educação das Testemunhas. Polícias de Nova Iorque ficaram contentes com o respeito que os delegados visitantes lhes mostraram.39 Mas funcionários, trabalhadores dos restaurantes e outros muitas vezes ficaram contentes por verem as Testemunhas de Jeová irem-se embora. A presença delas causava trabalho excessivo e eram notoriamente fracos clientes e fracos a dar gorjeta. As igrejas e a imprensa religiosa também não ficaram particularmente alegres com as diatribes das Testemunhas contra o clero. Mais significativo, no entanto, foi o facto de os responsáveis da cidade de Nova Iorque ficarem preocupados com o impacto que as vastas multidões de visitantes tinham sobre instalações no interior da cidade. Eles perceberam, tal como a Sociedade Torre de Vigia, que nenhum congresso similar podia ser realizado no futuro. Havia simplesmente demasiadas Testemunhas de Jeová. Assim, o congresso de 1958 foi a última das grandes assembleias internacionais centralizadas das Testemunhas a ser realizada num único local. Dali em diante, seriam realizadas muitas assembleias de distrito e "internacionais" mais pequenas em todo o mundo.

Lutando Pela Liberdade de Adoração

Outro factor importante sob a administração de Knorr foi a maneira como as Testemunhas de Jeová levaram a cabo batalhas legais em sociedades democráticas. Durante o fim da década de 1930 e ao longo de toda a Segunda Guerra Mundial elas foram sujeitas a perseguição terrível nos Estados Unidos. A sua recusa em saudar a bandeira e prestar serviço militar, e a sua insistência em continuar uma campanha de pregação de porta em porta por vezes sem tacto fez com que elas se envolvessem em problemas sérios tanto com o público como com as agências de cumprimento da lei. De facto, entre 1933 e 1951 houve 18.866 detenções de Testemunhas americanas e cerca de 1.500 casos de violência de multidões contra elas.40 Depois da guerra os seus irmãos canadianos na província do Quebeque passaram por perseguição similar. Em resultado disso, a Sociedade Torre de Vigia recorreu aos tribunais para obter reparação das ofensas.

Embora o Juiz Rutherford tenha sido o primeiro a usar processos judiciais na defesa da comunidade dos Estudantes da Bíblia/Testemunhas, e as Testemunhas já estivessem a obter decisões favoráveis do Supremo Tribunal dos Estados Unidos antes da morte dele, as Testemunhas tiveram grandes vitórias durante a presidência de Knorr, principalmente sob a direcção de Hayden Covington. Conforme discutido mais completamente no Capítulo 5, Covington levou as Testemunhas a uma vitória judicial após outra perante os mais altos tribunais da América. Entre 1938 e 1955 elas haveriam de litigar um total de 45 casos perante o Supremo Tribunal dos Estados Unidos e ganhariam 36.41 Mas Covington não merece todo o crédito por ter lutado nas batalhas judiciais das Testemunhas. Victor V. Blackwell, um advogado da Louisiana e digno cavalheiro do sul, desempenhou um papel importante como advogado delas.42 O mesmo fez W. Glen How, um excepcional advogado canadiano que haveria de duplicar perante o Supremo Tribunal do Canadá o que Covington fizera perante o Supremo Tribunal dos Estados Unidos.43

Significativamente, a luta das Testemunhas pela liberdade de adoração e pelo direito de fazer proselitismo publicamente serviu para criar um sentimento real de esprit de corps entre elas. Isso aconteceu especialmente no Quebeque. Consequentemente, as batalhas legais talvez tenham sido mais importantes para as comunidades de Testemunhas enquanto meios de elevar o moral do que foram em ganhar aceitação legal e um grau de boa vontade, especialmente nos Estados Unidos e no Canadá. Curiosamente, porém, à medida que as Testemunhas de Jeová estavam a começar a ganhar uma reputação muito favorável como campeões da liberdade de expressão e de adoração, e a alegrar-se com isso, a Sociedade Torre de Vigia começou a estabelecer um sistema de "lei teocrática" que era extremamente não liberal.

Comissões Congregacionais e Desassociação

Mesmo depois de 1938 foi deixado às congregações locais um 'fragmento' de autonomia pois podiam nomear um painel de homens capazes de entre os quais o servo de zona, na sua qualidade de representante da Sociedade, escolheria um.44 No entanto, Knorr mudou isso, e substituiu essas nomeações por "comissões congregacionais" de três homens. Estas comissões mais o servo de circuito deviam nomear prospectivos "servos" da congregação para serem designados pela Sociedade Torre de Vigia.45

Mais significativo era o facto de essas comissões deverem agora agir como tribunais da igreja ou "comissões judicativas". Durante os dias de Russell e até durante grande parte da presidência de Rutherford, os Estudantes da Bíblia ou Testemunhas eram julgados perante toda a "igreja" ou congregação local, numa tentativa de seguir a ordem de Jesus em Mateus 18:17. Sob o novo arranjo esse costume foi abolido. The Watchtower [A Sentinela] de 15 de Maio de 1944 declarou: "O ofendido pode dizer à 'igreja'. Segundo a ordem teocrática isto não significaria uma reunião congregacional com todos presentes, mas antes dize-lo àqueles encarregues do cuidado da congregação e que a representam em capacidades especiais de serviço."46 O que isto significava era que a Sociedade Torre de Vigia tinha realmente estabelecido uma classe clerical, apesar de negações em contrário, e tribunais de igreja que eram inquisições segundo a definição do dicionário e no sentido legal do termo. Deviam cumprir "o papel de juiz, jurados e acusação do réu".

A princípio as comissões judicativas congregacionais agiram principalmente contra pessoas que discordavam abertamente com os ensinos e políticas da Sociedade. Esses eram os que "criavam divisões" ou "promoviam seitas" conforme descrito em Romanos 16:17, 18 e Tito 3:10, 11. No entanto, de 1952 em diante, durante muitos anos, não seria este o caso. Aquilo com que a Sociedade ficou preocupada em primeiro lugar desde essa data até o fim da década de 1970 foi "manter a organização limpa". Consequentemente, através de comissões das congregações, começou a desassociar fornicadores, adúlteros, bêbedos e pessoas culpadas de outras práticas imorais.47 Com o passar do tempo, a Sociedade alargou o número de ofensas pelas quais uma pessoa podia ser expulsa da comunidade das Testemunhas. Por exemplo, foi declarado que se uma Testemunha de Jeová dedicada se associasse com uma pessoa desassociada, isso era o suficiente para desassociar a Testemunha48 tal como também tomar uma transfusão de sangue depois de 1961.49

A desassociação tornou-se uma arma terrível. As Testemunhas em situação regular não podiam falar com pessoas desassociadas, nem sequer cumprimentá-las. Ao tratar de negócios, deviam relacionar-se com elas tão pouco quanto possível. Quando morressem, não deviam assistir aos seus funerais. Para todos os efeitos e propósitos, eram encaradas como eternamente condenadas. Timothy White descreve vivamente o significado de tudo isto:

"Quando uma pessoa se torna Testemunha, corta de si mesma todos os anteriores amigos e constrói uma vida inteiramente nova completamente envolvida com a sua nova religião. Ela torna-se separada do mundo, renuncia a muitos dos seus passatempos, desportos e outros interesses. Mesmo o seu trabalho secular torna-se de importância secundária. Se for extrovertido, como todas as Testemunhas bem sucedidas têm de ser, ele ganha felicidade neste novo papel de vendedor espiritual. O seu interesse e energia passam a estar centrados nas várias actividades da Sociedade do Novo Mundo -- preparando discursos, conduzindo estudos, ensinando os seus filhos, assistindo a assembleias e trabalhando nelas e associando-se com os novos amigos que encontrou. Uma desassociação corta-o súbita e completamente de tudo isto. Os seus irmãos evitam-no com medo de ficarem em idêntica condição e ele já não pode continuar a fazer discursos nas reuniões. Não pode discutir religião de modo nenhum com a sua esposa e ela assume o ensino das crianças com medo que ele as contamine com ideias erradas."50

A possibilidade de readmissão para desassociados arrependidos foi mantida. Mas frequentemente isso requeria sentar-se silenciosamente nas reuniões sem que ninguém falasse com o penitente entre um e três anos; e quando ele era readmitido na associação, geralmente ainda era mantido sob 'observação' e eram-lhe negados alguns privilégios congregacionais.51 Durante anos, se uma pessoa fosse desassociada, era-lhe dito que nunca mais poderia ser designada para um cargo sob a direcção da Sociedade.52

Naturalmente, essa disciplina severa tendia a moldar as Testemunhas de Jeová numa comunidade extremamente moralista, embora nem sempre moral. Elas tornaram-se notadas por estilos de vida estritos, que eram muitas vezes encarados pelos seus vizinhos menos devotos como super-piedosos e por vezes muito tolos. No entanto, esse facto tinha pouco ou nenhum impacto sobre as Testemunhas. A desassociação também tinha outros efeitos. Em terras africanas onde a poligamia era comum, era dito aos varões africanos para desistirem de todas as esposas excepto a primeira, ou teriam de encarar a exclusão da comunidade das Testemunhas. Em outras partes do mundo onde eram comuns casamentos consensuais, as Testemunhas eram obrigadas a legalizar as suas uniões. Em sítios como África, América Latina e ilhas do Pacífico Sul, as Testemunhas de Jeová impuseram aos seus aderentes valores matrimoniais tradicionalmente europeus e norte-americanos num âmbito muito mais amplo do que qualquer movimento missionário importante nos tempos modernos.53 Curiosamente, embora muitos fossem desassociados quando se recusavam a obedecer a estes padrões monógamos e legalistas então tão estritamente impostos pela Sociedade Torre de Vigia, aqueles que obedeciam aparentemente tornavam-se mais zelosos. Tal como a própria Sociedade, eles tinham muito orgulho em serem membros de uma organização "moralmente limpa".

Claro que a desassociação também aumentou grandemente o controlo tanto de superintendentes congregacionais locais como da Sociedade sobre as Testemunhas fiéis. No entanto, não parecia haver muitas objecções a isso, enquanto a maioria das pessoas foram desassociadas por infracções morais como imoralidade sexual e embriaguez. Houve espantosamente poucas queixas públicas durante as décadas de 1950 e 1960 sobre o que, em outras comunidades religiosas, poderia ter criado forte oposição à autoridade entre muitos membros.54

Uma Desaceleração no Crescimento

Um factor interessante relacionado com o crescimento no número de convertidos feitos pelas Testemunhas de Jeová desde a Primeira Guerra Mundial é que o maior número de conversões ocorreu (1) durante períodos em que a Sociedade Torre de Vigia apontou para uma data apocalíptica específica iminente, ou (2) quando o mundo estava no meio de guerra ou de séria guerra fria. Por exemplo, o crescimento foi muito rápido entre 1919 e 1925, mas foi lento desde 1926 até boa parte da década de 1930. Embora algum do pequeno aumento no número de Testemunhas durante este último período tenha sido causado pelo facto de muitos estarem a sair do movimento em reacção à criação do "arranjo teocrático" do Juiz Rutherford, isso não explica tudo. Conforme foi dito, o crescimento tornou-se novamente significativo imediatamente antes da Segunda Guerra Mundial e continuou elevado ao longo da década de 1940 e início da década de 1950. Apesar da criação e desenvolvimento de uma organização pregadora altamente eficiente sob Knorr, nos últimos anos da década de 1950 os aumentos em percentagem no número de convertidos começaram a abrandar. Durante a maior parte da década de 1960 o aumento também foi relativamente lento, certamente em comparação com o que tinha sido nas décadas anteriores da administração do terceiro presidente da Torre de Vigia.

Os gráficos apresentados em baixo dão uma imagem razoavelmente clara da natureza do crescimento das Testemunhas durante os anos entre 1928 e 1982.

Mantenham-se Vivos Até 1975

O crescimento no número de publicadores durante as décadas de 1940 e 1950 tinha muitas vezes sido usado pela Sociedade Torre de Vigia como prova do favor divino. Os líderes da Torre de Vigia exultavam com a descrição jornalística das Testemunhas de Jeová como "a religião que cresce mais rapidamente no mundo". Eles também pareciam gozar de um sentimento de satisfação peculiarmente americano, não só pelos aumentos dramáticos no número de baptismos e novos publicadores Testemunhas, mas também pela construção de novas gráficas, sedes de filiais, e pelas quantidades fenomenais de literatura que publicavam e distribuíam. Maior parecia ser sempre melhor. Oradores visitantes do Betel de Brooklyn muitas vezes mostravam slides ou filmes sobre a gráfica da Sociedade em Nova Iorque ao mesmo tempo que se tornavam eloquentes para audiências de Testemunhas em redor do mundo sobre as quantidades de papel usado para imprimir as revistas A Sentinela e Despertai! Portanto, quando os grandes aumentos do início da década de 1950 foram substituídos pelo aumento lento dos dez ou doze anos seguintes, isto foi de certa forma desanimador tanto para os líderes das Testemunhas como para Testemunhas de Jeová individuais ao redor do mundo.

O resultado desses sentimentos da parte de algumas Testemunhas foi uma crença de que talvez o trabalho de pregação estivesse praticamente completo: talvez as outras ovelhas tivessem sido reunidas. Talvez o Armagedom estivesse iminente. Mas em 1966 a Sociedade electrizou a comunidade das Testemunhas ao apontar para o ano 1975 como o fim de seis mil anos de história humana e, por isso, com toda a probabilidade, o início do milénio. Fê-lo num novo livro intitulado Life Everlasting in Freedom of the Sons of God [Vida Eterna na Liberdade dos Filhos de Deus].

Nas páginas 28 e 29 desse livro, o autor, que mais tarde se revelou ser Frederick Franz, declara:

"Desde o tempo de Ussher, fizeram-se estudos intensivos da cronologia bíblica. Neste século vinte, realizou-se um estudo independente que não acompanha cegamente certos cálculos cronológicos tradicionais da cristandade, e a tabela de tempo publicada, resultante deste estudo independente, fornece a data da criação do homem como sendo 4026 A.E.C. Segundo esta cronologia bíblica fidedigna, os seis mil anos desde a criação do homem terminarão em 1975 e o sétimo período de mil anos da história humana começará no outono (segundo o hemisfério setentrional) do ano 1975 E.C.

"Assim, seis mil anos da existência do homem na terra acabarão em breve, sim, dentro desta geração. Jeová Deus não tem limite de tempo, conforme está escrito no Salmo 90:1, 2: "Ó Jeová, tu mesmo mostraste ser uma verdadeira habitação para nós durante geração após geração. Antes de nascerem os próprios montes ou de teres passado a produzir como que com dores de parto a terra e o solo produtivo, sim, de tempo indefinido a tempo indefinido, tu és Deus." Portanto, do ponto de vista de Jeová Deus, a passagem destes seis mil anos da existência humana são apenas como que seis dias de vinte e quatro horas, pois este mesmo salmo (versículos 3 e 4) prossegue, dizendo: "Fazes o homem mortal voltar à matéria quebrantada e dizes: 'Retornai, filhos dos homens.' Pois mil anos aos teus olhos são apenas como o ontem que passou e como uma vigília durante a noite." Assim, dentro de poucos anos em nossa própria geração atingiremos o que Jeová Deus poderia considerar como o sétimo dia da existência do homem.

"Quão apropriado seria se Jeová Deus fizesse deste vindouro sétimo período de mil anos um período sabático de descanso e livramento, um grandioso sábado de jubileu para se proclamar liberdade através da terra a todos os seus habitantes! Isto seria muito oportuno para a humanidade. Seria bem apropriado da parte de Deus, pois, lembre-se de que a humanidade ainda tem na sua frente o que o último livro da Bíblia Sagrada chama de reinado de Jesus Cristo sobre a terra por mil anos, o reinado milenar de Cristo. Jesus Cristo, quando na terra há dezenove séculos, disse profeticamente a respeito de si mesmo: "Porque Senhor do sábado é o que é o Filho do homem." (Mateus 12:8) Não seria por mero acaso ou acidente, mas seria segundo o propósito amoroso de Jeová Deus que o reinado de Jesus Cristo, o "Senhor do sábado," correspondesse ao sétimo milênio da existência do homem."

Contudo, foi só em 1968 que a nova data para o fim do mundo actual foi realmente enfatizada. Nos congressos de distrito desse ano foi lançada uma nova publicação de tamanho de bolso intitulada The Truth That Leads to Eternal Life [A Verdade Que Conduz à Vida Eterna], para substituir o antigo texto 'Let God Be True' ['Seja Deus Verdadeiro'] como principal instrumento de estudo para fazer novos convertidos. Mais importante, porém, foi o facto de a Sociedade ter sugerido que estudos domiciliares com pessoas interessadas usando o novo livro deverem ser limitadas a um período não superior a seis meses. No fim desse período os potenciais convertidos já deviam ser Testemunhas de Jeová ou pelo menos já deviam estar assistindo às reuniões nos salões do reino. Sugeriu-se que o tempo era tão reduzido que se as pessoas não aceitassem "a Verdade" num período de seis meses, devia dar-se a outros a oportunidade de aprendê-la antes que fosse demasiado tarde. Escusado será dizer, a tremenda pressão levou muitos catecúmenos a entrar na carruagem apocalíptica da Sociedade. Além disso, muitas Testemunhas mornas também começaram a ser revigoradas espiritualmente. Então, no outono de 1968, a Sociedade começou a publicar uma série de artigos nas revistas Despertai! e Sentinela que não deixavam qualquer dúvida que a Sociedade esperava que o mundo acabaria em 1975.55

É verdade que a literatura da Sociedade nunca declarou dogmaticamente que 1975 marcaria definitivamente o fim. Os seus líderes, em particular Frederick Franz, sem dúvida tinham aprendido alguma coisa com o falhanço de 1925. Não obstante, a vasta maioria das Testemunhas de Jeová pouco ou nada sabia sobre esse ou outros falhanços apocalípticos anteriores. Por essa razão, muitos, senão a maioria, aceitaram a nova data sem reservas. Isso sucedeu especialmente no caso dos evangelistas mais activos. Superintendentes de circuito usaram o argumento de que o fim estava iminente para encorajar o proselitismo. Evangelistas pioneiros usaram-no como forma de validação da sua vocação e modo de vida.

Também é verdade que muitas Testemunhas mais antigas e muitos com melhor educação questionaram a especulação da Sociedade a respeito de 1975. No entanto, esses que duvidavam foram muitas vezes obrigados a permanecer silenciosos. Para muitos, duvidar da nova data era questionar o próprio "escravo fiel e discreto". A recusa em ficar exteriormente excitado ou a negação aberta do plano da Sociedade para o Armagedom era encarada como um tanto herético e portanto perigoso espiritualmente na comunidade altamente disciplinada das Testemunhas de Jeová.

Ao mesmo tempo que os que duvidavam podiam dizer pouco, os entusiastas começaram a pregar a vinda do paraíso imediatamente depois de 1975. Outros, incluindo Frederick Franz, sugeriram que a tribulação para o mundo poderia começar até mais cedo. Milhares de jovens das Testemunhas tornaram-se pioneiros, tal como muitos dos novos convertidos. Homens de negócios venderam negócios prósperos. Profissionais desistiram dos seus empregos. Famílias venderam as suas casas e mudaram-se para servir "onde a necessidade [de evangelistas] era maior". Jovens casais adiaram os seus casamentos ou, se casados, refrearam-se de ter filhos. Alguns casais idosos retiraram todos os seus fundos de pensões de uma só vez. Muitos, tanto jovens como idosos, homens e mulheres, adiaram cirurgias ou atenção médica adequada. Frequentemente, como um mote dos tempos, jovens pioneiros repetiam os versos:

Make do till '72
Stay alive till '75
[Aguente até '72
Mantenha-se vivo até '75]

O crescimento no número de convertidos disparou, tal como também a colocação de literatura. Por isso a comunidade das Testemunhas começou a experimentar alguma da euforia do início das décadas de 1920 e 1950. Perseguição de intensidade variável em algumas partes do mundo, especialmente em sítios como a Grécia ou o Malawi, só fizeram com que a Testemunha típica sentisse que Satanás estava prestes a fazer o seu ataque final às Testemunhas de Deus imediatamente antes de Cristo o lançar no abismo de "inactividade semelhante à morte" no Armagedom.

A Tabela 2 mostra o crescimento de Testemunhas entre 1968 e 1976. As estatísticas são obtidas directamente do Yearbook of Jehovah's Witnesses [Anuário das Testemunhas de Jeová] dos anos entre 1969 e 1977.

Ano Auge de Publicadores Assistência ao Memorial
1968
1969
1970
1971
1972
1973
1974
1975
1976
1.221.504
1.336.112
1.483.430
1.590.793
1.658.909
1.758.429
2.021.432
2.179.256
2.248.390
2.493.519
2.719.860
3.226.168
3.453.542
3.662.407
3.994.924
4.550.457
4.925.643
4.972.571
Tabela 2: Crescimento mundial das Testemunhas de Jeová, 1968-1976

Liberalização Organizacional e Congregacional

Em 1971 a Sociedade deu passos adicionais importantes, mas desta vez aparentemente na direcção de uma liberalização curta mas real. Pela primeira vez, foi criado um corpo governante, separado do quadro de governadores da Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados de Pennsylvania, teoricamente segundo o modelo do concílio apostólico de Jerusalém descrito em Actos 15. O novo corpo governante incluía o quadro de directores da Sociedade mas acrescentava ao seu número vários homens Testemunhas "ungidos" fiéis com uma esperança celestial. Ao todo, o novo corpo governante incluía então onze membros.56 De igual importância, a Sociedade anunciou que o antigo sistema de anciãos e diáconos (agora chamados servos ministeriais), anterior a 1932, seria restaurado. Embora estes representantes congregacionais devessem ser designados pelo corgo governante através da Sociedade ou dos seus agentes, pelo menos a regra de um único homem para os servos da congregação, que tinha estado em vigor nas companhias ou congregações de Testemunhas desde 1938, seria terminada em Setembro de 1972. Nunca mais um único indivíduo dominaria uma congregação como se fosse um bispo monárquico.57

Embora a Sociedade não estivesse a democratizar o governo eclesiástico das Testemunhas, pelo menos estava a providenciar controlos para o comportamento muitas vezes ditatorial dos superintendentes locais, e também dos superintendentes de distrito e de circuito. Depois da criação do novo sistema, a presidência do corpo governante entraria em rodízio numa base anual de modo que teoricamente o presidente da Sociedade Torre de Vigia já não agiria mais como um autocrata supremo com mais poderes sobre as Testemunhas de Jeová do que o papa de Roma tinha sobre os católicos.58 O rodízio também deveria ser aplicado ao nível das congregações locais e entre superintendentes de distrito e de circuito. Cada ano o cargo de superintendente presidente e presidente do corpo de anciãos deveria mudar para um ancião diferente, caso fosse possível. Outros cargos também deveriam ser preenchidos numa base rotativa.59 Superintendentes de distrito e de circuito deveriam trocar de posições regularmente e, mais importante, quando visitavam congregações locais, os seus poderes seriam largamente persuasivos em vez de coercivos. Embora participassem nos corpos de anciãos locais como membros de pleno direito, não recebiam mais direitos administrativos do que os outros anciãos.60

O plano para este arranjo foi todo cuidadosamente delineado no livro Organization for Kingdom-Preaching and Disciple Making [Organização para Pregar o Reino e Fazer Discípulos], que estabeleceu um tom inteiramente novo para a comunidade das Testemunhas. Além da descrição do agora grandemente modificado sistema de política organizacional, também reconhecia muitas necessidades que tinham sido ignoradas durante muito tempo. Em particular, colocava uma ênfase no cuidado pastoral do "trabalho de pastoreio".61 Até Actos 20:20, que era desde há muito tempo um texto-prova favorito das Testemunhas para a evangelização de porta em porta, foi correctamente reconhecido como aplicando-se ao ensino dentro da congregação cristã, em vez de se aplicar à conversão de descrentes. Nesse texto o Apóstolo Paulo é citado como tendo declarado que tinha ensinado os cristãos efésios "publicamente e de casa em casa" -- daí a anterior confusão na matéria. Mas então, em 1972, a Sociedade indicou, embora um tanto obliquamente, nas páginas do livro Organização, que entendia que essa passagem se referia ao ensino do apóstolo a cristãos nas suas várias casas.62 Claro que ao fazer isto a Sociedade começou, pelo menos temporariamente, a colocar mais ênfase em ministrar à comunidade das Testemunhas e menos no proselitismo externo.

Os efeitos desta política de liberalização sobre a comunidade das Testemunhas foram grandes. Anciãos individuais frequentemente expressavam as suas opiniões de um modo que não tinham podido fazer antes, e alguns começaram a declarar abertamente que acreditavam que tinha sido colocada demasiada ênfase no trabalho de pregação. Naturalmente, isto trouxe uma reacção dos seus companheiros mais conservadores e dos superintendentes de circuito. Corpos de anciãos em muitas congregações começaram a dividir-se em campos liberais e conservadores e, com a mesma frequência, sobre uma variedade de assuntos pessoais. Ser escolhido para ancião ou servo ministerial também se tornou assunto de importância social, e frequentemente assunto de politiquices na congregação e lutas internas. Ainda mais significativo, o novo sistema cortou rente muita da autoridade dos superintendentes de circuito e de distrito e tornou os cargos desses homens menos atractivos para pessoas que durante muito tempo tinham detido grande autoridade espiritual e grande prestígio.

Testemunhas de mentalidade mais liberal esperavam e acreditavam que a sua comunidade estava a atravessar um período de levaria a liberdades maiores. Mas a razão principal por detrás da liberalização, pelo menos da parte da maioria dos líderes da Torre de Vigia em Brooklyn, não era o sentimento de que essa mudança era fundamentalmente necessária e benéfica. Em vez disso, eles acreditavam que, com a aproximação de 1975, grande perseguição poderia e sem dúvida iria atingir as Testemunhas de Jeová numa escala mundial. E se isso acontecesse, cessaria a direcção de Brooklyn e dos escritórios de filial da Sociedade. Portanto seria necessário que os anciãos e os servos ministeriais agissem independentemente durante a iminente "Grande Tribulação", e isso só poderia acontecer se lhes fosse dada alguma autoridade pastoral independente antes desse tempo de tribulação.63

No entanto, conceder essa autoridade aumentada a anciãos locais nem sempre era popular junto dos publicadores Testemunhas locais. Alguns anciãos, tendo recebido mais poderes sobre o rebanho, agiram com severidade extrema mesmo no caso de infracções inconsequentes daquilo que eles consideravam ser comportamento próprio. Consequentemente, indivíduos que estavam incomodados sob o seu governo e que geralmente idealizavam a Sociedade, recordavam o governo dos servos de congregação e superintendentes de circuito como um tempo mais benevolente. Os publicadores por vezes também ficavam chocados com as politiquices na congregação, que se tornaram quase ubíquas nas congregações das Testemunhas ao redor do mundo. No entanto, as Testemunhas de Jeová locais sem dúvida estavam mais satisfeitas com o novo sistema e a maior liberdade do que os superintendentes de circuito e de distrito e muitos funcionários da Torre de Vigia nos escritórios das filiais e em Brooklyn. Tal como comissários e burocratas num Estado comunista, eles não gostavam da sua perda de poder e prestígio nem do tumulto que daí resultava. Além disso, muitos eram contra a maior ênfase sobre o pastoreio. Tempo gasto no trabalho de pastoreio interno significava menos tempo gasto no "serviço de campo" ou proselitismo de porta em porta. Afinal, a própria base do prestígio de membros da hierarquia das Testemunhas já por muito tempo era baseada no facto de praticamente todos eles terem ascendido nas fileiras como pioneiros, como evangelistas. Embora muitas Testemunhas em posições elevadas e comuns não soubessem, a política de liberalização que era evidente tanto nas novas formas organizacionais como na literatura da Sociedade, era tão frágil como o curto período de democracia na Checoslováquia em 1968. Uma hierarquia poderosa e burocrática só aguardava o momento de se apoderar novamente do controlo espiritual sobre uma comunidade que tinha sido governada pela teocracia desde 1938. Mas à medida que as Testemunhas de Jeová continuavam a crescer a um ritmo sem precedentes e a aguardar ansiosamente que 1975 trouxesse o seu escape final "deste velho mundo" com o seu pecado, doença e corrupção, a Sociedade continuava a permitir um elevado grau de liberdade dentro das congregações locais -- pelo menos, enquanto essa liberdade não entrasse em conflito com valores tradicionais da Torre de Vigia.


Notas

1 A maior parte dos dados bibliográficos sobre Knorr apresentados aqui provém de Jehovah's Witnesses in the Divine Purpose [As Testemunhas de Jeová no Propósito Divino] (Brooklyn, NY: Watchtower Bible and Tract Society, 1959); 1975 Yearbook of Jehovah's Witnesses [Anuário das Testemunhas de Jeová de 1975]; Marley Cole, Jehovah's Witnesses: The New World Society [Testemunhas de Jeová: A Sociedade do Novo Mundo] (Nova Iorque: Vantage Press, 1955); Timothy White, A People for His Name [Um Povo Para o Seu Nome] (Nova Iorque: Vantage Press, 1967); e Alan Rogerson, Millions Now Living Will Never Die [Milhões Que Agora Vivem Nunca Morrerão] (Londres: Constable and Co., Ltd., 1969).

2 Transcrição do Registro no caso Moyle v. Franz, et al., p. 568.

3 Muitos relatórios de trabalhadores de Betel e de outros sobre os casos das 'podas' de Knorr. Os comentários dele têm sido descritos como 'cruéis', 'maldosos' e 'vulgares' por muitos que os escutaram como ouvintes neutros.

4 A maioria dos dados sobre Covington foi tirada de Rogerson, A. H. Macmillan, Faith on the March [Fé em Marcha] (Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall, Inc., 1957), e vários registros de tribunal e entrevistas pessoais.

5 Veja as páginas 83 e 163.

6 O conflito entre Knorr e Covington é de conhecimento público entre Testemunhas de Jeová que conheciam ambos no Betel de Brooklyn, embora não haja, evidentemente, qualquer documentação pública sobre isso.

7 Colin Quackenbush, em tempos editor da Awake! [Despertai!], amigo de Covington, e que tinha ganho a animosidade amarga de Knorr, pregou no funeral de Covington na primavera de 1980. No seu discurso Quackenbush afirmou que Covington era 'um workaholic [viciado no trabalho] em vez de um alcoólico'. Para apoiar esta asserção há alguma evidência de que Covington pode ter sofrido de uma doença do ouvido interno que era afectada de forma dramática por qualquer ingestão de álcool.

8 Os dados sobre Franz são tirados principalmente de Macmillan, vários registros de tribunal e entrevistas pessoais.

9 Macmillan, 181. Macmillan evidentemente embelezou o relato. No máximo, o que Franz alguma vez afirmou foi que teria sido recomendado para uma bolsa Rhodes se tivesse continuado na Universidade de Cincinnati.

10 A informação sobre este caso foi recolhida principalmente na transcrição do registro de Moyle v. Franz et al.

11 Moyle v. Rutherford et al., 261 App. Div. 968; 26 N.Y.S. 2d 860; Moyle v. Franz et al., 267 App. Div. 423; 46 N.Y.S. 2d 667; Moyle v. Franz et al., 47 N.Y.S. 484.

12 WT, 1940, p. 207.

13 Ibid.

14 Ibid. Estes estranhos cumprimentos a terminar a carta referiam-se à interpretação alegórica da Sentinela de um relato do livro de Joel que descreve uma praga de gafanhotos sobre a nação de Israel. Segundo a Sentinela, as Testemunhas de Jeová estavam a ser uma praga para o Israel antitípico (a cristandade) com mensagens de destruição.

15 WT, 1940, p. 207.

16 Prova da acusação no caso Walsh v. Clyde, pp. 340-343.

17 Os servos de zona eram então chamados "servos para os irmãos". Divine Purpose [Propósito Divino], p. 198.

18 Ibid., p. 216.

19 Ibid., pp. 237, 238.

20 Ibid., pp. 201-205, 213, 214.

21 Rogerson, p. 48.

22 1947 Yearbook [Anuário de 1947], pp. 137-149.

23 Ibid., p. 149.

24 1951 Yearbook [Anuário de 1951], p. 24.

25 1956 Yearbook [Anuário de 1956], p. 32.

26 1961 Yearbook [Anuário de 1961], p. 38.

27 1947 Yearbook [Anuário de 1947], p. 174.

28 1951 Yearbook [Anuário de 1951], p. 26.

29 1961 Yearbook [Anuário de 1961], p. 38.

30 WT, 1 de Janeiro de 1985, p. 21.

31 Divine Purpose [Propósito Divino], pp. 277-279.

32 1947 Yearbook [Anuário de 1947], pp. 215-218; Divine Purpose [Propósito Divino], pp. 168, 171, 172, 279-281.

33 1947 Yearbook [Anuário de 1947], pp. 215-218; Divine Purpose [Propósito Divino], pp. 279-281.

34 Divine Purpose [Propósito Divino], p. 251.

35 Ibid.

36 Ibid., p. 264-268.

37 Ibid., p. 274; WT, 1956, pp. 152-156; 1974 Yearbook [Anuário de 1974], pp. 237, 238.

38 Awake! [Despertai!], 22 de Setembro de 1958, pp. 13-18; WT, 1959, pp. 114-123; Divine Purpose [Propósito Divino], pp. 283-292.

39 Para exemplos de tais respostas favoráveis, veja o 1959 Yearbook [Anuário de 1959], pp. 73-78.

40 Qualified to Be Ministers [Qualificados Para Ser Ministros] (Brooklyn, NY: Watchtower Bible and Tract Society, edição de 1955), p. 330.

41 Na verdade, foram dadas 23 decisões favoráveis em 37 casos e 10 decisões desfavoráveis em 13 casos. WT, 1955, p. 618.

42 Veja Victor V. Blackwell, O'er the Ramparts They Watched [Eles Observavam Sobre as Muralhas] (Nova Iorque: Carlton Press, Inc., 1976).

43 Veja M. James Penton, Jehovah's Witnesses in Canada [Testemunhas de Jeová no Canadá] (Toronto: Macmillan of Canada, 1976), passim.

44 White, p. 368.

45 Ibid.

46 Página 151.

47 WT, 1951, pp. 239, 240; 1952, pp. 113-115; 1954, pp. 590-596.

48 WT, 1955, p. 607.

49 WT, 1961, pp. 63, 64.

50 White, p. 372.

51 WT, 1956, pp. 597, 598; 'Your Word Is a Lamp unto My Foot' [A Tua Palavra É uma Lâmpada Para o Meu Pé] (Brooklyn, NY: Watchtower Bible and Tract Society, 1967), pp. 182-186.

52 Esta norma foi abolida em 1972. Veja Organization for Kingdom-Preaching and Disciple Making [Organização para Pregar o Reino e Fazer Discípulos] (Brooklyn, NY: Watchtower Bible and Tract Society, 1972), pp. 177, 178.

53 Muitos artigos da Sentinela trataram directamente de costumes de casamento em países onde a poligamia e casamentos consensuais eram comuns. Veja, por exemplo, WT, 1956, pp. 567-574.

54 Tanto quanto sei, só houve um caso em tribunal sobre o assunto durante todo o período e muito poucas queixas mesmo entre aqueles desassociados.

55 Veja "Why are You Looking Forward to 1975?", WT, 1968, pp. 494-501 ["Por Que Está Aguardando 1975?", A Sentinela, 15 de Fevereiro de 1969, pp. 110-117 em português]; e "What Will the 1970's Bring?", Awake! (8 de Outubro de 1968), pp. 13-16 ["O Que Trará a Década de 1970?", Despertai!, 22 de Abril de 1969, pp. 13-16 em português].

56 WT, 1971, pp. 755-762.

57 Ibid., pp. 695-701.

58 Ibid., pp. 755-762.

59 Ibid., pp. 695-701.

60 Organization for Kingdom-Preaching and Disciple Making [Organização para Pregar o Reino e Fazer Discípulos], pp. 82-89.

61 Ibid., pp. 53-90.

62 Ibid., p. 56.

63 Para uma discussão excelente sobre esta matéria e outra opinião quanto a por que razão o novo sistema foi introduzido, veja Joseph F. Zygmunt, "Jehovah's Witnesses in the USA: 1940-1975" ["Testemunhas de Jeová nos EUA: 1940-1975"], in Social Compass, 24:1 (1977), pp. 52, 53.


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