Apocalipse Adiado: A História das Testemunhas de Jeová (Toronto: University of Toronto Press, 1997, segunda edição) de M. James Penton (1932-), pp. 99-126.

Capítulo 4: Fracasso Profético, Reacção e Rebelião

M. James Penton


Quando 1975 chegou e passou sem ter acontecido nada de espectacular, muitas Testemunhas de Jeová ficaram grandemente desiludidas. Incontáveis milhares saíram do movimento. O Anuário de 1976 relatou que durante 1975 tinha havido um aumento de 9,7 porcento no número de publicadores Testemunhas em comparação com o ano anterior.1 Mas no ano seguinte só houve um aumento de 3,7 porcento,2 e em 1977 houve um pouco mais de 1 porcento de decréscimo!3 Em alguns países o decréscimo foi muito maior. Nas Filipinas, por exemplo, em 1975 a média do número de publicadores foi 76.662.4 Em 1979 tinha caído para 58.418 depois de quatro anos de decréscimos constantes.5 Portanto, de facto, mais de 20 porcento de toda a população de Testemunhas activas afastou-se ou pelo menos tornou-se inactiva. De forma similar, embora menos severos, decréscimos temporários também ocorreram em muitas outras terras como Alemanha, Nigéria e Grã-Bretanha onde havia grandes populações de Testemunhas.6 Nas poucas terras onde ainda havia aumentos, estes eram muito menores do que no passado. Só o Japão parecia ser uma excepção real.7

Resposta ao Fracasso Profético

A resposta para o exterior da Sociedade a outro fracasso profético de tal significado foi típica. Os líderes da Torre de Vigia pareciam atordoados mas recusaram-se a admitir que eles e só eles eram responsáveis pela dissonância cognitiva que era agora tão comum entre as Testemunhas de Jeová em todo o mundo.8 Alguns membros do corpo governante estavam preocupados por Nathan Knorr e Frederick Franz terem sido tão dogmáticos sobre 1975 e ficaram surpreendidos por Franz, especialmente, ter dado tanta ênfase a isso em discursos públicos.9 Nesse tempo Knorr era um homem muito doente cuja mente estava seriamente afectada por cancro cerebral em fase terminal e pouca resposta podia dar. Mas Franz, que se tornaria no quarto presidente da Sociedade Torre de Vigia duas semanas depois da morte de Knorr em 7 de Junho de 1977, tinha uma nova explicação quanto a por que o Armagedom não ocorrera em 1975. Em Toronto, Ontário, na Primavera de 1975, ao falar perante uma grande audiência de Testemunhas, ele tinha declarado que ele e os seus associados estavam a 'aguardar confiantemente' o que o Outono do ano traria. Mas um ano depois, falando perante uma audiência similar na mesma cidade, ele perguntou retoricamente: 'Sabem por que é que não aconteceu nada em 1975?' Então, apontando para a audiência, gritou: 'Foi porque vocês esperavam que algo acontecesse.' Por outras palavras, como Jesus tinha predito que ninguém saberia o 'dia ou a hora' da sua vinda para julgar a humanidade, as Testemunhas não deviam ter acreditado que podiam saber que ocorreria em 1975. Incrivelmente, Franz deitou a culpa por todo o fiasco para cima da comunidade das Testemunhas e agiu virtualmente como se ele não tivesse tido absolutamente nenhuma responsabilidade na matéria. No entanto, que dizer da predição de que 1975 tinha marcado o fim de 6.000 anos de história humana? Alguma explicação tinha que ser dada quanto a por que o milénio não tinha começado então. Assim, Franz argumentou que o sétimo dia criativo de Deus, ou sábado, um período de 7.000 anos segundo o velho cálculo do Pastor Russell, não tinha começado senão depois de Eva ter sido criada. Assim, a Sociedade devia ter contado a partir da criação de Eva em vez de contar a partir da criação de Adão; e, segundo a última avaliação de Franz, ninguém realmente sabia quando isso tinha tido lugar.10 Estranhamente, ao fazer tal asserção, ele ignorou alegremente as próprias declarações da sociedade recentemente publicadas que defendiam que Eva tinha sido criada no mesmo ano que Adão.11 Tal como o próprio Franz, a maioria das Testemunhas ou não notou esse facto ou simplesmente ignorou-o em favor da 'nova luz' mais recente da Sociedade Torre de Vigia.

Por toda a comunidade de Testemunhas os superintendentes de circuito e de distrito -- frequentemente os mesmíssimos homens que tinham colocado a maior ênfase sobre 1975 como um ano de significado profético -- agora muitas vezes agiam subitamente como se a culpa por esperar o fim nesse ano tivesse residido nas Testemunhas de Jeová comuns. Eles defendiam que a sociedade nunca tinha dito definitivamente que algo ocorreria então, um facto que era muito verdadeiro. Mas eles ignoraram completamente o facto adicional de Knorr, Franz e a literatura da Torre de Vigia ter deixado implícito vez após vez que esse ano veria o fim da actual dispensação da história humana. Alguns superintendentes de circuito e anciãos até afirmaram que 'não conseguiam perceber por que é que algumas pessoas estavam tão transtornadas pelo facto de Adão ter tido um aniversário', e Harley Miller, um funcionário sénior no Departamento de Serviço em Brooklyn, foi muito mais longe. Falando sarcasticamente numa reunião especialmente convocada no Del Mar Race Track em San Diego, Califórnia, algures no início de 1977, ele observou que aquelas Testemunhas que estavam 'desapontadas' ou 'transtornadas' por causa de 1975 deviam ir até lá fora e sentar-se debaixo de uma grande palmeira perto do estádio de corridas e chorar. Estranhamente, muitas Testemunhas, especialmente aquelas em posições de responsabilidade, pareciam sofrer de algum tipo de amnésia colectiva que fazia com que agissem como se o ano 1975 nunca tivesse tido qualquer importância particular para elas.

Testemunhas comuns eram por vezes um pouco mais honestas e começaram a inundar Brooklyn com cartas.12 Por que é que não tinha acontecido nada em 1975? Igualmente importante, por que é que a sociedade não admitiu francamente que cometera um erro sério? Por fim, depois de um longo período em que se tentou ignorar todo o assunto na sede da Torre de Vigia, em 1979 uma desculpa aos fiéis das Testemunhas foi finalmente dada em nome do corpo governante nas assembleias de distrito desse ano.13 Entretanto a sociedade começou a desviar a atenção dos publicadores da congregação do fracasso de 1975: O fim estava 'muito próximo', proclamou novamente, e consequentemente todos têm de ser novamente encorajados a pregar. Mais tinham de ser convertidos antes que fosse demasiado tarde.

Em assembleias de distrito em 1978 tornou-se perfeitamente óbvio que a sociedade estava determinada a fazer marcha atrás; a liberalização do início da década de 1970 foi abandonada. Uma grande ênfase foi colocada outra vez no trabalho de pregação, e Jesus foi descrito como um 'pioneiro'. Num drama de assembleia ou 'peça de moral' sobre Timóteo, o companheiro do Apóstolo Paulo, pessoas jovens acabadas de sair da escola secundária foram fortemente desencorajadas a frequentar academias de ensino superior, e uma animosidade sempre latente da Torre de Vigia em relação à educação universitária tornou-se mais evidente. Em algumas assembleias membros do corpo governante também lançaram desprezo sobre as muitas anteriores Testemunhas 'que tinham deixado a verdade'.

Entretanto, a sociedade começou novamente a apertar as rédeas organizacionais sobre as congregações locais. Durante o início da década de 1970, tinha-se pedido ao ancião presidente local de cada congregação que avaliasse a eficácia do seu superintendente de circuito num relatório de final de ano para a sociedade; e é evidente que muitos tinham frequentemente sido directos nas suas críticas àqueles superintendentes de circuito que eram demasiado autoritários. Mas em 1976 a sociedade acabou com a sua política de requerer relatórios sobre os superintendentes de circuito. Além disso, restaurou gradualmente os poderes anteriores a 1972 tanto aos superintendentes de circuito como aos de distrito e informou os anciãos locais, através de reuniões com representantes das filiais, que os superintendentes de circuito e de distrito eram os representantes especiais da sociedade, os seus 'apóstolos'. Embora os superintendentes de circuito tivessem sido encarados como 'co-anciãos' durante o período de liberalização, agora dizia-se sem rodeios aos anciãos que 'o superintendente de circuito não era apenas outro ancião'.14

Ao mesmo tempo, o sistema de rotação de anciãos foi gradualmente abandonado para dar mais estabilidade à direcção congregacional local.15 Em 1977, a sociedade também criou o cargo de secretário da congregação16 e dessa forma certificou-se que tinha mais uma vez um coordenador permanente em cada congregação que podia trabalhar com Brooklyn ou com os vários escritórios de filial e superintendentes de circuito.

Um controlo mais apertado também veio de outras maneiras. Por um tempo durante o início da década de 1970, os anciãos eram encorajados a gastar tempo 'pastoreando' os seus rebanhos visitando membros das suas congregações numa base pessoal, pastoral, para ajudá-los com quaisquer problemas que pudessem ter. Relatar tempo gasto em proselitismo público ou na pregação, que durante muitos anos tinha sido encorajado numa base semanal, deixou de receber ênfase. Em vez de instar os publicadores a entregar um 'relatório de horas' uma vez por semana, eram nessa altura autorizados a relatar apenas uma vez por mês.17 Durante vários anos os anciãos deviam relatar o tempo gasto no 'trabalho de pastoreio' bem como o tempo devotado a fazer proselitismo ou pregar a pessoas de fora.18 Mas com a queda no número de publicadores no fim da década de 1970, o trabalho de pastoreio foi largamente esquecido. Os anciãos eram agora encorajados a fazer o seu 'trabalho de pastoreio' em centros de estudo e enquanto acompanhavam publicadores no trabalho de pregação de casa em casa.19 Era colocada grande pressão sobre eles para conseguir mais tempo no 'serviço de campo'. Se um 'irmão' ou 'irmã' tinha algum problema pessoal sério, os anciãos teriam de lidar com esse problema no seu próprio tempo. Já não podiam relatar tempo gasto no trabalho de pastoreio; só o proselitismo, pregar aos não convertidos, parecia agora ter valor para a sociedade.

No Canadá, isto foi demonstrado de outra maneira. No início da década de 1970 um certo número de Testemunhas canadianas da liderança (incluindo funcionários da Torre de Vigia da filial canadiana) tinham organizado 'comissões hospitalares' para agir como capelães para Testemunhas em hospitais, casas de saúde e lares de terceira idade. Entre outras coisas, estavam interessados em desenvolver contactos com médicos e hospitais para que os pacientes Testemunhas não tivessem de enfrentar a possibilidade de serem forçados a aceitar transfusões de sangue, um procedimento que a sociedade já há muito tempo ensinava ser biblicamente inaceitável para as Testemunhas de Jeová.20 Num curto período de tempo, a ideia de estabelecer tais comissões espalhou-se de Toronto para várias cidades canadianas, e as 'comissões hospitalares' ou 'do sangue', como eram frequentemente chamadas, eram geralmente muito populares junto das Testemunhas locais, Pela primeira vez desde a década de 1920, certos anciãos das Testemunhas começaram a confortar os que estavam a morrer, a encorajar os convalescentes, e a mostrar atenção regular aos seus irmãos sem ser quando os pressionavam para fazer proselitismo ou os disciplinavam devido a alguma infracção da lei congregacional.21

Os escritórios centrais da sociedade em Brooklyn não demoraram muito tempo a pôr termo às comissões hospitalares.22 Alguns anciãos por todo o Canadá tinham-se queixado das comissões por várias razões. Em primeiro lugar, tinham sido desenvolvidas por Testemunhas individuais em Toronto sem sanção expressa de Brooklyn. Segundo, muitos dos anciãos envolvidos nas comissões começaram a tornar-se pessoalmente proeminentes junto das Testemunhas comuns, o que suscitou tanto preocupação como alguma inveja da parte de alguns dos seus pares. E mais importante do ponto de vista daqueles dedicados primariamente ao trabalho de pregação, se certos anciãos estavam a gastar tanto tempo no trabalho dos hospitais, foi questionado como é que eles podiam tomar a liderança no serviço de campo.

Surpreendentemente, o corpo governante, ao abolir as comissões hospitalares canadianas, argumentou que estas tendiam a violar direitos privados e familiares e podiam interpor-se entre o paciente individual e o seu médico. Além disso, Brooklyn defendeu que não devia haver qualquer comissão especial escolhida por corpos de anciãos locais para tarefas especiais sem o consentimento da sociedade. Se tivesse de ser feito trabalho de pastoreio ou de capelão, teria de ser realizado por todos os anciãos numa base não organizada.23

A filial canadiana da sociedade parecia estar um tanto embaraçada, e em alguns lugares as comissões hospitalares continuaram a operar apesar da decisão do corpo governante.24 Mas todo o assunto causou alguns sentimentos desagradáveis, especialmente entre aqueles anciãos que tinham dado tanto serviço aos seus irmãos. Os argumentos da sociedade sobre direitos pessoais e familiares pareciam, na melhor das hipóteses, uma piada de mau gosto para muitos que estavam bem cientes do facto de que uma Testemunha podia ser e seria mesmo desassociada por aceitar voluntariamente uma transfusão de sangue. Também, parecia igualmente evidente que a menos que a própria Brooklyn pensasse em algo primeiro, não estava disposta a aceitar quaisquer ideias novas. E por fim, alguns dos anciãos afectados negativamente pelas pressões sobre as comissões hospitalares começaram a sentir que o corpo governante pouco se importava com a saúde ou o bem estar humanos, só se importava com o trabalho de pregação.

Um controlo maior sobre as congregações locais tendia a trazer consigo uma reacção conservadora e um castigo severo contra qualquer um que se tivesse tornado demasiado independente durante o início da década de 1970. Durante alguns anos tinha havido muita controvérsia em muitas congregações, particularmente na América do Norte, sobre o vestuário e modo de se arranjar de Testemunhas individuais, especialmente pessoas jovens. O comprimento do cabelo de rapazes adolescentes, a cor das camisas a serem usadas ao dar discursos no salão do reino, e o comprimento das saias das mulheres tinham levado frequentemente a debates longos e amargos nas reuniões dos anciãos. Claro que isto tinha surgido, particularmente no Estados Unidos, como reacção directa aos movimentos de jovens contra a guerra no fim da década de 1960 e início da década de 1970 que tinham frequentemente tornado o desleixo quase um distintivo exterior das suas crenças sociais e políticas. Muitas Testemunhas da classe trabalhadora e da classe média estavam horrorizadas pelos tumultos dos estudantes, pela nova moralidade, pela prevalência da homossexualidade, e por uma falta de respeito geral pela autoridade. Consequentemente, os líderes das Testemunhas muitas vezes manifestavam atitudes com respeito ao vestuário, modo de se arranjar e comportamento que eram virtualmente idênticas àquelas dos fundamentalistas, mórmones e outros conservadores religiosos americanos.

O Ataque aos Intelectuais

Junto com tais atitudes negativas em relação à 'juventude rebelde', modos populares de se vestir e de se apresentar, as Testemunhas de Jeová também adoptaram uma opinião desfavorável sobre todos aqueles dentre as suas fileiras que tivessem tendência para simpatizar com pontos de vista mais liberais em assuntos culturais e espirituais. Por vezes elas também se tornaram anti-intelectuais, de forma franca e chocante. Num artigo escrito por um missionário da Torre de Vigia em Hong Kong, a Awake! [Despertai!] de 8 de Setembro de 1968 disse:

Pode dizer-se que aqueles que pertencem às classes profissionais são bons exemplos dos frutos da 'educação superior'. Eles formam uma espécie de aristocracia do saber. Frequentemente são orgulhosos, alheios às necessidades das pessoas menos afortunadas, têm as suas próprias opiniões, são competitivos, independentes, e sem consideração pelos outros. Eles têm a ímpia teoria da evolução profundamente assimilada. Na opinião deles, as pessoas educadas, treinadas nas universidades e colleges, são a única esperança do progresso.

Por exemplo, quem substituiu o bom ensino moral da Bíblia pelas suas filosofias humanas? Não foram os clérigos profissionais? E quem são aqueles que hoje insistem em proceder a seu modo e menosprezam abertamente a autoridade da Palavra de Deus no assunto da santidade do sangue? Não são os médicos profissionais? Políticos, advogados, educadores, a maioria deles sem qualquer fé real na existência de Deus, não são eles o produto final da 'educação superior'?25

Nesse mesmo artigo, outras pessoas com educação superior -- clérigos, professores, estudantes universitários -- foram culpados pelas 'demonstrações de violência, protestos e outras actividades sem controlo legal'. A revista Awake! [Despertai!] declarou: 'Certamente são aqueles homens com todas as vantagens da sua "educação superior" que inescrupulosamente usam os seus talentos para fazer avançar os seus planos de enriquecimento rápido à custa do homem da rua!'26

Naturalmente, com tal 'alimento espiritual' vindo do 'escravo fiel e discreto', os estudantes universitários estavam sob uma tremenda pressão social para desistirem dos seus estudos, e pessoas jovens que se formavam na escola secundária eram igualmente confrontadas com uma grande pressão para não ingressarem em instituições de ensino superior. Ainda assim alguns fizeram-no e podiam apontar para o facto de a sociedade não ter estabelecido uma proibição absoluta sobre a universidade ou os estudos superiores. Contudo, quando a sociedade começou a apertar o seu controlo sobre a comunidade das Testemunhas, depois do falhanço de 1975, ela começou a fazer uma campanha silenciosa, talvez não intencional, contra muitas pessoas dentre as suas próprias fileiras que tinham educação superior. Estudantes universitários eram severamente criticados por tentarem construir carreiras 'neste velho mundo moribundo', e pessoas profissionais muitas vezes viram-se numa situação de desfavor perante superintendentes de circuito e de distrito.

Parte disto resultou de medo das ideias e actividades de indivíduos de mentalidade mais liberal, que tinham alguma proeminência na comunidade das Testemunhas devido à sua educação e ocupações seculares. Apesar das atitudes hostis, ou ambivalentes, na melhor das hipóteses, da sociedade em relação à educação superior, muitas Testemunhas comuns respeitavam os poucos médicos, advogados, dentistas, professores, farmacêuticos e cientistas que existiam nas suas congregações. Afinal, estas pessoas muitas vezes davam prestígio à religião e podia contar-se com elas para ajudar Testemunhas com menos instrução em vários problemas pessoais. Mas como muitas vezes eles eram os que criticavam mais abertamente o conservadorismo religioso que era prevalecente entre as Testemunhas de Jeová em todo o lado, eram frequentemente os alvos de severo criticismo pessoal vindo de anciãos intolerantes e de superintendentes de circuito. Além disso, eram por vezes vítimas do anti-intelectualismo e da inveja pessoal de alguns funcionários proeminentes da Torre de Vigia.

O ponto a que isto chegou é revelado no facto de mesmo apologistas da sociedade e das Testemunhas de Jeová terem sido atacados pelos seus esforços. Durante anos a sociedade tinha tomado uma atitude muito negativa em relação a praticamente todas as pessoas que queriam estudar as Testemunhas em profundidade. Quando, em 1943, Herbert Stroup procurou a assistência de N. H. Knorr para conseguir que Testemunhas individuais preenchessem questionários que ele tinha preparado para um estudo sociológico do movimento, Knorr respondeu: '[a] Sociedade não tem o tempo, nem tomará o tempo necessário para ajudá-lo na sua publicação acerca das Testemunhas de Jeová.'27 Conforme observado anteriormente, William Cumberland teve o mesmo tipo de experiência na década de 1950. Com o passar dos anos, os líderes da Torre de Vigia começaram a ver algum valor em citar as obras de peritos, desde que estes tivessem coisas positivas a dizer sobre as Testemunhas.28 Ainda assim, eles continuaram muito desconfiados de estudantes do movimento. Mesmo a Testemunha Marley Cole, que tinha publicado uma história 'aprovada', Jehovah's Witnesses: The New World Society [Testemunhas de Jeová: A Sociedade do Novo Mundo], sob apertada supervisão da Torre de Vigia,29 tornou-se um tanto impopular junto de alguns funcionários da sociedade quando publicou independentemente um segundo livro (muito melhor) sobre as Testemunhas, intitulado Triumphant Kingdom [Reino Triunfante].30 Contudo, Cole não ficou sob a censura severa que outros escritores Testemunhas experimentaram no fim da década de 1970 e princípios da década de 1980.

Por exemplo, quando Victor Blackwell escreveu O'er the Ramparts They Watched [Sobre os Muros Eles Observavam] um relato de casos em tribunal envolvendo Testemunhas nos Estados Unidos, ele tornou-se muito popular entre muitos dos seus irmãos. Mas o mesmo não aconteceu em relação ao corpo governante. Embora Blackwell defendesse já há muito tempo Testemunhas em tribunal praticamente de graça, ensinasse em Gileade e tivesse escrito para a Sociedade, foi acusado de tentar 'exaltar a si mesmo'. Brooklyn desencorajou Testemunhas de assistirem a reuniões públicas nas quais ele era convidado para falar; ele foi removido como ancião e chegou quase a ser desassociado.31

Blackwell recebeu um tratamento melhor que uma Testemunha sueca, Ditlieb Felderer. Felderer fez extensas pesquisas e elaborou um manuscrito com uma história das Testemunhas de Jeová que, em particular, lançava uma luz muito boa sobre o Pastor Russell. Porém, quando ele a apresentou a Brooklyn, foi tratado com o que achou ser uma descortesia extrema e afastou-se. Mais tarde foi desassociado.32

Tudo isto se enquadra na política da sociedade de desencorajar Testemunhas individuais de publicarem qualquer coisa relacionada com a sua fé. A atitude declarada da maioria dos altos funcionários da Torre de Vigia e do corpo governante em particular era que se algo precisava de ser publicado, a sociedade faria isso. Testemunhas que trabalhavam independentemente estavam assim em grave perigo de serem acusadas de 'tentar exaltar a si mesmas', tentar 'correr adiante da organização de Deus', ou tentar 'ganhar dinheiro' à custa dos irmãos. Assim, apesar de serem uma comunidade religiosa tão grande, as Testemunhas de Jeová produziram muito poucas pessoas para falar independentemente em seu favor durante a década de 1960 e início da década de 1970. Depois de 1976 tornou-se praticamente impossível escrever como investigador e Testemunha de Jeová sem correr o risco de ser 'disciplinado' pela Sociedade Torre de Vigia ou algum dos seus agentes.

Embora a política da Sociedade de desencorajar pesquisa e publicação independente tenha sem dúvida sido causada por uma atitude de arrogância espiritual, havia outros factores envolvidos. Ao longo dos anos os líderes da Torre de Vigia tinham criado uma história idealizada do movimento dos Estudantes da Bíblia/Testemunhas através da distorção e supressão de muitos factos históricos embaraçosos. Embora o Pastor Russell acreditasse que 1914 marcaria o fim do mundo então existente, hoje a Sociedade Torre de Vigia faz parecer que ele predisse que esse ano seria o início dos 'últimos dias'. Durante o fim da década de 1920 e início da década de 1930, a sociedade deixou de publicar estatísticas sobre a assistência ao memorial, sem dúvida porque essas estatísticas teriam demonstrado a quantidade de pessoas que nesse tempo estavam a abandonar o movimento. Jehovah's Witnesses in the Divine Purpose [As Testemunhas de Jeová no Propósito Divino] e o livro de Alexander H. Macmillan intitulado Faith on the March [Fé em Marcha] apresentaram história falsificada, em particular no que respeita ao cisma da Torre de Vigia de 1917. Tal como tinha feito durante décadas, a sociedade continuou a esconder os seus fracassos proféticos passados como se nunca tivessem existido. Por isso, as Testemunhas de Jeová comuns estavam quase totalmente na ignorância destes factos e a sociedade não tinha qualquer desejo de os esclarecer. Assim, a sociedade fez o que pôde para proibir a pesquisa independente feita por Testemunhas. Ainda assim, durante a década de 1970 vários profissionais, académicos e estudiosos autodidactas das Testemunhas começaram a investigar a história, as doutrinas e as práticas das Testemunhas, com consequências altamente negativas para a estrutura de poder da Torre de Vigia.

Em primeiro lugar, no início da década de 1970, Chris Christenson, de Vancouver, Colúmbia Britânica, começou a questionar a autoridade do corpo governante quanto às práticas de desassociação das Testemunhas. Consequentemente, Christenson, que tinha contribuído com matéria de pesquisa para o estudo alegórico e tipológico de Ezequiel feito pela sociedade no livro 'As Nações Terão de Saber que Eu Sou Jeová' -- Como?, envolveu-se numa campanha para reformar as Testemunhas de Jeová a partir de dentro. Durante um certo período de tempo, ele censurou abertamente o corpo governante por causa de muitas das suas práticas, escreveu um ensaio muito extenso acerca da desassociação e, junto com várias Testemunhas anónimas, pôs em circulação milhares de cópias de um documento conhecido como 'The Pronouncements' ['Os Pronunciamentos'], que questionava muitos ensinos das Testemunhas. Como seria de esperar, estas actividades levaram à sua desassociação em 1972,33 mas as actividades dele tiveram um impacto pequeno embora significativo tanto no Canadá como nos Estados Unidos.

Na parte do meio-oeste dos Estados Unidos, o Dr. Randy Wysong, um veterinário, instrutor num college e estudioso criacionista, suscitou sinceramente junto de co-anciãos uma série de perguntas baseadas nos 'Pronunciamentos' e foi vítima de uma campanha de rumores entre os seus companheiros Testemunhas. Posteriormente Wysong foi removido do cargo de ancião e, quando apelou para Brooklyn, a sociedade recusou-se a responder às cartas dele. Algum tempo depois, ele e a sua família renunciaram à religião das Testemunhas de Jeová com grande ressentimento.34

Noutro caso, Carl Olof Jonsson, uma Testemunha sueca bem instruída, ficou preocupado com a exactidão da 'cronologia bíblica' da sociedade, que é usada para 'provar' que os Tempos dos Gentios cobrem um período de 2.520 anos desde 607 AC até AD 1914. Em resultado disso, Jonsson iniciou um estudo cuidadoso sobre a cronologia do Médio-Oriente da antiguidade, remontando ao oitavo século AC e descobriu que a afirmação da sociedade segundo a qual Jerusalém caiu perante Nabucodonosor da Babilónia em 607 AC é histórica, arqueológica e astronomicamente indefensável. Depois ele preparou cuidadosamente um documento dactilografado sobre as suas descobertas, em inglês, intitulado 'The Gentile Times Reconsidered' ['Os Tempos dos Gentios Reconsiderados'] e, em 1977, submeteu-o lealmente a Brooklyn para análise e comentário.

A princípio a sociedade indicou que examinaria e avaliaria o documento de Jonsson. Mas pouco tempo depois a sociedade começou uma campanha de insinuações contra ele, que teve eco na Sentinela. Em resultado disso, ele sentiu-se compelido a renunciar ao cargo de ancião e em Julho de 1982 foi desassociado como sendo desleal à sociedade. A história dele foi contada na imprensa sueca.35

É claro que Jonsson foi encarado pela sociedade como sendo muito perigoso. Se o manuscrito dele se tornasse conhecido em larga escala entre as Testemunhas de Jeová, não apenas a cronologia da Torre de Vigia teria de ser abandonada ou pelo menos sofrer uma grande revisão mas, igualmente importante, a própria base da autoridade do corpo governante como superintendente espiritual colectivo das Testemunhas de Jeová seria destruída.

Este facto depressa se tornou óbvio. Embora Jonsson se tivesse aproximado da sociedade enquanto investigador em vez de reformista, ele tinha posto em circulação algumas cópias de 'The Gentile Times Reconsidered' ['Os Tempos dos Gentios Reconsiderados'] junto de certos amigos intelectuais, Testemunhas. Infelizmente para a Sociedade Torre de Vigia, algumas destas cópias foram fotocopiadas e enviadas para lugares tão longínquos como a América do Sul, Austrália e Canadá. E nestes dois últimos lugares as descobertas de Jonsson tiveram consequências. Na Austrália, por exemplo, várias Testemunhas que estavam a questionar a cronologia da sociedade ficaram fortalecidas nas suas dúvidas ao lerem 'The Gentile Times Reconsidered' ['Os Tempos dos Gentios Reconsiderados']. Mais tarde, algumas delas saíram das Testemunhas de Jeová para se tornarem Adventistas do Sétimo Dia.36 No Canadá, os resultados não foram tão rápidos, mas o documento de Jonsson também foi um factor significativo em surtos de dissidência por todo o país no início da década de 1980.37

É pois evidente que a sociedade tinha motivos de sobra para recear as actividades de investigadores Testemunhas. Os líderes das Testemunhas estavam a ser postos ao corrente do facto de muitos dos seus ensinos fundamentais não poderem suportar um rigoroso escrutínio histórico e científico. No entanto, no seu zelo de suprimir praticamente todos os questionamentos entre os fiéis das Testemunhas, a sociedade sem dúvida foi demasiado longe. Ao tentarem parar os questionamentos e estudos independentes, os líderes das Testemunhas muitas vezes alienavam homens e mulheres hábeis a tal ponto que em alguns casos eles deixaram o movimento e começaram a opor-se-lhe abertamente ou começaram a desenvolver às ocultas actividades contra a autoridade da sociedade a partir de dentro da comunidade das Testemunhas. Porém, os líderes da sociedade pareciam desconhecer completamente a gravidade da situação e, no seu desejo de pôr termo a qualquer tipo de franqueza na expressão de opiniões ou independência mental, começaram a reprimir alguns dos seus apoiantes profissionais mais leais. Até mesmo W. Glen How, que fora nomeado conselheiro da Rainha devido ao seu notável registo de defesa das Testemunhas nos tribunais canadianos, foi em certo momento removido do cargo de ancião. Ele admitiu que se não se tivesse mudado de uma congregação para outra, teria sido desassociado 'absolutamente sem qualquer razão que justificasse isso'.38

Naturalmente, esta supressão dos intelectuais tendia a reduzir o número de académicos e profissionais altamente treinados entre as Testemunhas de Jeová e, ao mesmo tempo, tornou mais difícil às Testemunhas converter novos membros entre as pessoas mais instruídas. Comentando esta situação, Havor Montague observa:

Muito poucas pessoas inteligentes ou com instrução se juntam às Testemunhas, e as poucas que se envolvem com as Testemunhas não ficam na organização. É difícil uma pessoa activa, inteligente e conhecedora dos factos continuar como Testemunha -- não porque as suas crenças sejam infundadas, mas porque a hierarquia da Torre de Vigia tem tendência a querer controlar a estrutura de crença dos seus membros mesmo em áreas insignificantes. Mesmo uma Testemunha que tente ser um apologista da sociedade não é tolerado. A hierarquia autoritária da Torre de Vigia proíbe a publicação de obras religiosas entre os membros e até desencoraja a maioria das investigações e discussões teológicas. As Testemunhas de Jeová são constantemente encorajadas a não 'correrem adiante da Sociedade', como se isso fosse possível segundo os próprios ensinos da Sociedade. Muitas Testemunhas, através da sua pesquisa bíblica independente, anteciparam mudanças importantes que a Sociedade mais tarde introduziu. Até esse tempo, aqueles que tiveram a audácia de mencionar os resultados da sua própria pesquisa têm sido muitas vezes severamente reprimidos, mesmo que a Sociedade possa mais tarde confirmar os resultados da sua pesquisa.39

Uma Testemunha proeminente também declarou: 'Uma das coisas que me incomoda mais na Sociedade é a atitude incrivelmente arrogante dos que estão em Betel -- recusam-se a ouvir, recusam-se a raciocinar ou a dar crédito ao facto de os membros individuais terem uma mente [...] De facto, praticamente todas as pessoas que conheço e que são razoavelmente bem instruídas saíram das Testemunhas, apesar de existirem alguns membros brilhantes que, em certa altura, pertenciam ao movimento.'40

Fechando as Portas do Céu

Outro grupo de pessoas que começou a sentir repressão tanto a nível local como da própria sociedade no fim da década de 1970 foi o daquelas Testemunhas que começaram a manifestar uma esperança celestial. Conforme observado anteriormente, desde 1935 a sociedade tinha ensinado que todos os 144.000 membros da igreja -- o corpo de Cristo -- tinham sido escolhidos e que só substitutos para aqueles dessa classe que se tinham tornado infiéis seriam seleccionados da 'grande multidão' de Revelação 7:14. Claro que à medida que Testemunhas 'ungidas' mais velhas foram morrendo ao longo dos anos, isto significava que o número de pessoas que esperavam uma recompensa celestial dentro do movimento declinava. Pelo menos isto aconteceu até 1973 quando, para choque de alguns líderes das Testemunhas, o número dos que proclamavam ser do corpo de Cristo de facto aumentou.41 No ano seguinte isto aconteceu outra vez,42 contrariamente à crença da sociedade de que o número do restante dos 144.000 diminuiria de forma constante à medida que o Armagedom se aproximava.43 O aumento no número daqueles que proclamavam ter uma esperança celestial no início da década de 1970 era provavelmente inevitável. Não é surpreendente que das centenas de milhares que se estavam a tornar convertidos às Testemunhas antes de 1975, alguns se vissem a si mesmos como tendo essa esperança. O que é digno de nota é que mais pessoas não o tenham feito, especialmente durante o período organizacional e doutrinalmente mais liberal. Segundo o único rito místico, inteiramente individualístico, da religião das Testemunhas que a sociedade tinha permitido que permanecesse depois da década de 1930, era direito de cada indivíduo determinar se participaria ou não na Refeição Nocturna do Senhor no Memorial da Primavera. Em resultado, cada pessoa podia indicar à sua congregação através da participação nos emblemas, o pão e o vinho, que se considerava a si mesma como tendo recebido a chamada do espírito para se tornar um dos ungidos, um membro dos 144.000; e em teoria os seus irmãos deviam respeitar essa chamada.

Curiosamente, porém, muitos representantes da Torre de Vigia, em especial superintendentes de circuito, muitas vezes encaravam os 'novos participantes' com a maior das suspeitas. Publicadores e anciãos da congregação muitas vezes questionavam se os novos participantes tinham realmente recebido a chamada celestial. E, mais estranho ainda, apesar do ensino da sociedade acerca da necessidade de mostrar grande respeito pelos irmãos de Cristo, os novos participantes eram muitas vezes tratados como 'indivíduos que estavam cheios de orgulho' ou 'pessoas que pensavam que sabiam mais do que a sociedade'. Consequentemente, se uma pessoa tinha muito menos que sessenta e cinco anos de idade e começasse a participar na Refeição Nocturna do Senhor, ficavam sob intensa pressão social e organizacional para parar. Algumas vezes a pessoa seria alvo das más-línguas, virtualmente evitada, e tratada com o máximo desrespeito. Assim, alguns participantes foram pressionados a negar a sua esperança celestial através da pressão dos pares, dos anciãos ou dos superintendentes de circuito.

Vacilações Doutrinais

O que tudo isto indicava era que o relativo liberalismo do início da década de 1970 tinha sido apenas para propósitos tácticos, embora alguns líderes da Torre de Vigia estivessem, como Raymond Franz mostra no seu livro Crise de Consciência, verdadeiramente comprometidos com o liberalismo durante algum tempo. Mas mesmo durante o período de euforia organizacional, a sociedade continuou a demonstrar traços de autoritarismo e arbitrariedade extrema. Tal como nos dias de Rutherford, as mudanças doutrinais podiam ser ajustadas aos caprichos da liderança ou ao que esta considerava ser os interesses pragmáticos da organização como um todo. Consequentemente, ensinos importantes foram algumas vezes mudados quase por prestidigitação. Quando a reacção ao fracasso de 1975 se estabeleceu em Brooklyn, esta tendência para tal comportamento arbitrário tornou-se ainda mais óbvia. Alguns exemplos bem documentados demonstrarão isto claramente.

Uma área em que pietismo religioso irreflectido tem afectado a doutrina das Testemunhas erraticamente ao longo dos últimos doze anos tem sido na área da base para o divórcio. Tradicionalmente a Sociedade Torre de Vigia tem argumentado desde o século dezanove que o adultério constituía a única base legítima para o divórcio segundo as palavras de Jesus em Mateus 19:9: 'todo aquele que se divorciar de sua esposa, exceto em razão de fornicação, e se casar com outra, comete adultério'. Portanto, basicamente, embora um homem se pudesse divorciar da sua esposa por ela ter tido relações sexuais com outro homem, ou uma mulher se pudesse divorciar do seu marido por ele ter tido relações sexuais com outra mulher, nenhuma Testemunha de Jeová se podia divorciar do seu cônjuge devido a homossexualidade, lesbianismo ou bestialidade. De facto, Testemunhas que tinham cônjuges homossexuais foram até instruídas a continuar a cumprir as suas obrigações maritais para com eles.

Concordado com esta posição, a Sentinela de 15 de Maio de 1972 declarou: 'Embora tanto o homossexualismo como a bestialidade sejam perversões repugnantes, em nenhum destes casos se rompe o vínculo marital. Este é violado apenas pelos atos que tornam a pessoa "uma só carne" com outra pessoa do sexo oposto que não é seu cônjuge legal.'44 Consequentemente, se nesse tempo uma Testemunha se tivesse divorciado do seu cônjuge com base na homossexualidade, lesbianismo ou bestialidade e casado com outra pessoa, teria sido desassociada.

Tudo isso mudou no mesmo ano. Sem qualquer palavra de desculpa por fazer um volte face completo, The Watchtower de 15 de Dezembro de 1972 [A Sentinela de 1 de Maio de 1973 em português] argumentou que quando Jesus usou o termo 'fornicação' (porneia) na sua declaração sobre o divórcio, ele tinha pretendido incluir todos os tipos de relações sexuais ilícitas. A revista oficial da sociedade disse ainda:

Então, qual é a significação do uso bíblico destes termos [fornicação e adultério] e o que revela sobre o motivo bíblico válido para o divórcio? Mostra que qualquer pessoa casada que transgride os vínculos maritais e se empenha em relações sexuais imorais, quer com alguém do sexo oposto, quer com alguém do mesmo sexo, quer de modo natural, quer desnatural ou pervertido, é culpado de cometer porneía ou "fornicação" no sentido bíblico. [...]

Portanto, tomando-se as palavras de Jesus pelo seu significado, quando um cônjuge é culpado de tal séria imoralidade sexual, o cônjuge inocente pode biblicamente divorciar-se dele, se ele ou ela desejar.45

O novo ensino foi encarado pela maioria das Testemunhas de forma muito positiva pois parecia mais razoável e permitia que algumas Testemunhas fiéis -- especialmente mulheres -- dissolvessem casamentos emocionalmente abomináveis tanto em boa consciência como sem medo de ser levadas perante comissões judicativas sob ameaça de desassociação. Mas se alguém pensava que a sociedade podia tornar-se mais verdadeiramente 'liberal' no que diz respeito a assuntos sexuais, depressa teve esses pensamentos dissipados.

Curiosamente, em resposta directa a sentimentos pessoais sobre a matéria dentro do corpo governante, a sociedade começou a desenvolver uma atitude comum entre alguns dos Pais da Igreja pós-Niceanos e numerosos protestantes durante os séculos dezasseis e dezassete. Fornicação ou porneia, defendia-se, podia existir tanto dentro do casamento como fora da união de casamento; se um marido realizasse 'actos não naturais' na sua esposa contra a vontade dela, ela teria o direito de acusá-lo de porneia perante anciãos congregacionais e divorciar-se dele com a sanção da Torre de Vigia.

De 1973 em diante durante alguns anos, algumas das publicações da sociedade tornaram-se muito descritivas no que diz respeito ao que constituía porneia. Sodomia, sexo oral e masturbação foram todos condenados,46 embora a masturbação não tenha sido indicada como base para o divórcio. E sem dúvida por causa da sua preocupação com a 'santidade do sangue', Brooklyn, na prática, reinstituiu a proibição mosaica conforme expressa em Levítico 20:18 sobre coito durante a menstruação.47 O assunto da porneia conforme então definido tornou-se quase um tema principal. Discursos sobre o assunto eram feitos com frequência em grandes assembleias, e para óbvio embaraço de muitos, requeria-se dos anciãos que fizessem sermões explícitos de uma hora nas reuniões de domingo sobre o assunto, seguindo esboços detalhados publicados pela sociedade.

Em resultado de tudo isto, muitas Testemunhas tornaram-se quase paranóicas no assunto do sexo. Frequentemente relações maritais normais entre marido e mulher foram afectadas adversamente. Alguns começaram a encarar o sexo com repugnância. Esposas Testemunhas às vezes queixavam-se que receavam que se fizessem alguma coisa imprópria durante as relações sexuais com os seus maridos, poderiam ser julgadas adversamente por Deus. Afinal, não estavam os anjos a observar as suas acções? Anciãos Testemunhas em escolas do Ministério do Reino (retiros ocasionais para treinar anciãos) frequentemente discutiam em termos quase talmúdicos exactamente quais eram as acções permitidas e quais as não permitidas durante os preliminares maritais. Além disso, muitos anciãos que tinham sido criados quando o sexo não era um assunto de conversa tão aberto interrogavam-se sobre como dar conselho a casais e especialmente a mulheres que vinham ter com eles para aconselhamento.

Sem dúvida, a nova doutrina da sociedade sobre porneia causou muito dano. Foi colocada tanta ênfase nos males da masturbação que um grande número de Testemunhas jovens, que eram encorajadas a adiar o casamento, desenvolveram complexos de pecado completos. Mais sério, pessoas casadas algumas vezes sentiram-se constrangidas a descrever as intimidades do seu relacionamento pessoal, marital, a anciãos que eram frequentemente tanto pietísticos como totalmente não treinados em lidar com esses assuntos. Algumas vezes anciãos e servos ministeriais foram removidos dos cargos e desassociados por cometerem porneia dentro do casamento. Algumas vezes, também, esposas usaram porneia marital como base para se divorciarem dos seus maridos, quer isso fosse válido ou não.

Naturalmente, isto causou profunda perplexidade e ressentimento igualmente grande entre algumas Testemunhas. Anciãos muitas vezes não sabiam como lidar eticamente com algumas situações com as quais eram confrontados; e mesmo muitos entre aqueles que eram mais leais à Torre de Vigia se queixavam em privado que 'a sociedade não tem nada que se meter nos quartos de pessoas casadas'.

Então, finalmente, por causa da preocupação crescente entre tantas Testemunhas, e sem dúvida devido ao grande número de cartas que Brooklyn e os escritórios das filiais da sociedade receberam pedindo clarificações em certos pontos ou queixando-se, a sociedade, novamente sem aviso, inverteu a sua posição sobre todo o assunto. A Sentinela de 1 de Agosto de 1978 declarou simplesmente: 'Deve ser reconhecido que a Bíblia não apresenta nenhumas regras ou limitações específicas sobre a maneira em que o marido e a mulher realizam suas relações sexuais.' Mas isso não foi tudo. Depois de ter sido completamente dogmática no assunto da porneia marital durante seis anos, A Sentinela declarou no mesmo artigo: 'Isto não deve ser entendido como conivência com todas as diversas práticas sexuais em que as pessoas se empenham, porque não é assim. Simplesmente expressa-se o vivo senso de responsabilidade de deixar as Escrituras predominar, e de se refrear de tomar uma posição dogmática, quando a evidência parece não fornecer base suficiente. [...] Expressa a disposição de deixar o julgamento de tais assuntos maritais, íntimos, nas mãos de Jeová Deus e de seu Filho'.48 Dali em diante, os anciãos não se deviam preocupar com relacionamentos maritais. Se as esposas se divorciassem dos seus maridos devido a actos de 'natureza grosseira' ou 'lascividade' dentro do casamento, então elas e só elas teriam de assumir toda a responsabilidade perante Deus pelas suas acções.49

Embora a sociedade tenha reconhecido que reavaliara todo o assunto, e alguns que tinham sido desassociados devido à chamada porneia marital tivessem as suas desassociações anuladas,50 não houve qualquer pedido de desculpa geral de Brooklyn por ter ensinado o que eram admitidamente doutrinas falsas durante seis anos. Embora casamentos tivessem sido evidentemente dissolvidos de forma imprópria e reputações arruinadas, o 'escravo fiel e discreto' manifestou poucos remorsos por ter sido tão indiscreto a ponto de ter ensinado doutrinas que tinham causado tais estragos.

Outro caso de uma vacilação doutrinal igualmente séria durante a década de 1970 envolveu a sentença da sociedade acerca dos transplantes de órgãos. Durante muitos anos os líderes da Torre de Vigia evidentemente não viram qualquer problema moral ou ético a respeito das substituições de partes do corpo por órgãos doados por outras pessoas. Por exemplo, no número de 22 de Dezembro de 1949 da Awake! [Despertai!] apareceu um artigo intitulado 'Peças Sobresselentes para o Seu Corpo' que enfatizou positivamente as maravilhas da moderna cirurgia em transplantar tanto órgãos humanos como artificiais. Embora as transfusões de sangue tenham sido descritas como antibíblicas, transplantes de córneas, rins e medula não foram condenados. Em 1961 [1962 em português] A Sentinela declarou em resposta a uma pergunta de um leitor:

A questão de se colocar o corpo ou parte do corpo à disposição dos homens da ciência ou dos médicos, após a morte, para experiências científicas ou para transplantação em outros, não é vista com bons olhos por certos grupos religiosos. Entretanto, não parece haver nenhum princípio ou lei bíblica envolvida. É, portanto, algo que cada pessoa deve decidir por si mesma. Se ela estiver satisfeita em sua própria mente e consciência que isto seja coisa correta a fazer, então poderá fazer tais arranjos, e ninguém a deveria criticar por assim fazer. Por outro lado, ninguém deveria ser criticado por se recusar a entrar em tal acordo.51

Porém, em 1967 (1968 em português) a sociedade decidiu subitamente que o que tinha sido permissível já não o era mais. Os transplantes de órgãos tornaram-se subitamente uma forma de canibalismo humano. A Sentinela de 1 de Junho de 1968 declarou:

Quando há um órgão doente ou defeituoso, o modo usual de a saúde ser restaurada é por receber substâncias nutritivas. O corpo utiliza o alimento ingerido para consertar ou curar o órgão, substituindo gradualmente as células. Quando os homens de ciência concluem que este processo normal não mais dará certo e sugerem a remoção do órgão e a substituição do mesmo de forma direta por um órgão de outro humano, isto é simplesmente um atalho. Aqueles que se submetem a tais operações vivem às custas de carne de outro humano. Isso é canibalesco. Não obstante, ao permitir que o homem comesse carne animal, Jeová Deus não deu permissão para os humanos tentarem perpetuar suas vidas por receberem canibalisticamente em seus corpos a carne humana, quer mastigada, quer na forma de órgãos inteiros ou partes do corpo, retirados de outros.52

Além de tomar essa posição, A Sentinela insurgiu-se fortemente contra a 'mutilação do corpo' depois da morte. Para aqueles que talvez precisassem de uma cirurgia de transplante, declarou: 'Cristãos que foram iluminados pela palavra de Deus não precisam de tomar estas decisões [doar órgãos ou recebê-los de outra pessoa] simplesmente à base de capricho pessoal ou emoções. Podem considerar os princípios divinos registados nas Escrituras e usar estes ao tomar decisões pessoais à medida que se voltam para Deus em busca de direcção, confiando nele e depositando a sua confiança no futuro que ele tem em reserva para aqueles que o amam.'53

Claro que a decisão de 1967 causou dificuldades terríveis para muitas Testemunhas individuais. Às pessoas que precisavam de transplantes de córnea para ver foi-lhes dito pela sociedade que teriam de esperar até à 'nova ordem que estava tão perto' para terem a sua visão restaurada. Àqueles que precisavam de transplantes de rins para viver foi-lhes dito que aceitá-los traria destruição eterna. No entanto, depois de muitos fiéis das Testemunhas de Jeová terem sofrido pela sua fé desistindo de transplantes que em alguns casos poderiam ter tornado as suas vidas mais agradáveis e confortáveis e poupá-las de uma morte prematura noutros casos, a sociedade mais uma vez inverteu a sua posição.

Numa resposta muito curiosa a uma pergunta sobre se uma congregação devia tomar acção judicativa contra uma pessoa que aceitasse um transplante de córnea ou de rim, a Sentinela de 1 de Setembro de 1980 declarou: 'No que se refere ao transplante de tecido ou osso humano de um humano para outro, é um caso de decisão conscienciosa de cada uma das Testemunhas de Jeová. Alguns cristãos podem achar que aceitarem no seu corpo o tecido ou parte do corpo de outro humano é canibalesco. Talvez afirmem que o material humano transplantado se destina a se tornar parte do corpo do receptor, para mantê-lo vivo e funcionando. Talvez não vejam nisso nenhuma diferença fundamental de consumir carne pela boca.'54 A revista das Testemunhas observou ainda: 'Outros cristãos sinceros, hoje em dia, talvez achem que a Bíblia não exclui definitivamente os transplantes clínicos de órgãos humanos.'55 Não devia restar qualquer dúvida que a sociedade estava a voltar à sua posição anterior a 1967: 'Embora a Bíblia proíba especificamente a ingestão de sangue, não há nenhuma ordem bíblica que proíba especificamente receber outros tecidos humanos. Por este motivo, cada um que se confronta com uma decisão sobre este assunto deve examinar esta questão com cuidado e oração, decidindo então conscienciosamente o que ele ou ela pode ou não fazer perante Deus. É um assunto para decisão pessoal. (Gál. 6:5) A comissão judicativa da congregação não tomaria nenhuma acção disciplinar, se alguém aceitasse o transplante de órgão.'56 As Testemunhas de Jeová podiam agora aceitar transplantes; os princípios divinos sobre a matéria tinham mudado outra vez.

Ainda mais drásticas foram as mudanças a respeito do trabalho de pregação e o conceito da Torre de Vigia sobre o que era um ministro religioso. Conforme observado no Capítulo 3, em 1972 a sociedade reconheceu finalmente que Actos 20:20 não se aplicava ao proselitismo de casa em casa. Embora continuasse a defender as traduções da King James e do Novo Mundo desse versículo, no qual o Apóstolo Paulo declara que ensinou os cristãos efésios 'publicamente e de casa em casa', reconheceu que o que o apóstolo estava a fazer era realizar serviços nos lares de vários cristãos convertidos, e não ir de porta em porta. Numa nota um pouco obscura na página 56, o livro Organization for Kingdom-Preaching and Disciple-Making [Organização para Pregar o Reino e Fazer Discípulos] observou:

Um trabalho similar 'de casa em casa' é referido em Actos 5:42. Aqui alguns tradutores modernos (RS; MO; NA) traduzem a expressão grega aqui (kat' oi kon) como 'em casa'. Sobre isto mencionamos um comentário feito pelo Dr. A.T. Robertson, autor do livro de 1454 páginas A Grammar of the Greek New Testament in the Light of Historical Research [Uma Gramática do Novo Testamento Grego à Luz da Investigação Histórica] (1934). Referindo-se a tal tradução, ele diz no seu livro Word Pictures in the New Testament, Volume III sobre 'Os Actos dos Apóstolos', página 70, parágrafo 3:

'No templo e em casa (en toi hieroi kai kat' oikon). Isto era um triunfo distinto, voltar ao templo onde tinham sido presos (versículo 25) e em casa ou de casa em casa, como provavelmente significa (capítulo 2:46). Era um grande dia para os discípulos em Jerusalém.'

No que diz respeito à tradução 'de casa em casa' (kat' oi kous) em Actos 20:20, que alguns tradutores modernos traduziriam como 'nas vossas casas' (AT) 'nos vossos lares' (JE;NE) 'em privado' (NA), o Doutor Robertson tinha isto a dizer nas páginas 349, 350, parágrafo I:

'e de casa em casa (kai kat' oikous). Pelas (segundo as) casas. Vale a pena notar que o maior dos pregadores pregou de casa em casa e não fez das suas visitas apenas visitas sociais. Ele estava a tratar dos assuntos do Reino ao mesmo tempo tal como na casa de Áquila e Priscila (1 Cor. 16:19).'

Claro que ao referir 1 Coríntios 16:19, o Professor Robertson indicou claramente que entendia que kat' oikous ou 'de casa em casa' significava nas várias casas dos cristãos efésios. Esse texto diz: 'As congregações da Ásia enviam-vos os seus cumprimentos, Áquila e Priscila juntamente com a congregação que está na casa deles cumprimentam-vos de coração no Senhor' (itálicos meus). Portanto ao incluir a citação desse versículo nas observações de Robertson conforme aparecem acima, os líderes da Torre de Vigia estavam a admitir pela primeira vez -- talvez inadvertidamente -- que o seu entendimento anterior de um texto prova favorito tinha estado errado.

Durante os sete anos seguintes, Actos 20:20 praticamente desapareceu das publicações da Torre de Vigia, embora alguns membros do corpo governante quisessem reter a interpretação tradicional da sociedade sobre esse versículo.57 Mas no período pós-1975 o corpo governante decidiu que tinha de ser feito praticamente tudo o que fosse possível para pressionar os fiéis das Testemunhas a esforços mais estrénuos no trabalho de pregação; tinham de ser encontrados novos convertidos para substituir aqueles que estavam a sair da organização em número sempre crescente. Assim, por razões puramente pragmáticas, foi dado novamente a Actos 20:20 o seu significado anterior a 1972.

Em 'Zelo pela casa de Jeová', um artigo provavelmente escrito pelo Vice-Presidente da Torre de Vigia, Lloyd Barry, e aprovado pelo corpo governante depois de alguma discussão, The Watchtower de 15 de Julho de 1979 [A Sentinela de 1 de Março de 1980 em português] desenterrou todos os velhos argumentos anteriores a 1972 para afirmar que o Apóstolo Paulo estabeleceu um padrão para o moderno trabalho de pregação de casa em casa das Testemunhas de Jeová. Barry, ou quem quer que foi o autor do artigo, usou novamente a citação de Robertson sobre kat' oikous conforme apareceu em Organization for Kingdom-Preaching and Disciple-Making [Organização para Pregar o Reino e Fazer Discípulos] mas, com um desrespeito completamente descarado pela honestidade intelectual, não incluiu nela a citação que este fez de 1 Coríntios 16:19. O parágrafo dezassete de 'Zelo pela casa de Jeová' diz:

Esta frase, "de casa em casa", traduz o grego kat oikous. Embora haja outras traduções dela, muitas versões bem-conhecidas da Bíblia usam esta expressão: "de casa em casa". Isto se dá porque a preposição grega kata tem o sentido "distributivo". (Veja o uso similar de kata em Lucas 8:1: "de cidade em cidade", "de aldeia em aldeia"; e em Atos 15:21: "em cidade após cidade".) Assim se pode dizer que o 'testemunho cabal' de Paulo se distribuía em casa após casa. O erudito bíblico Dr. A. T. Robertson comenta o seguinte sobre Atos 20:20:

"Pelas (segundo as) casas. Vale a pena notar que este maior de todos os pregadores pregava de casa em casa e não tornava as suas visitas apenas encontros sociais."

Assim como Paulo 'deu cabalmente testemunho', os cristãos procuram hoje moradores com inclinações espirituais, revisitando estes lares e estudando com os interessados. Mais tarde, conforme necessário, superintendentes fiéis fazem visitas de pastoreio.58

Umas poucas Testemunhas de Jeová ficaram chocadas com o comportamento da sociedade neste caso. O livro Organização era então ainda a autoridade oficial para a administração da organização como um todo, e alguns anciãos tinham-no estudado de perto. Ainda assim, o corpo governante estava determinado a impor a sua doutrina ressuscitada como um artigo de fé; superintendentes de distrito e de circuito foram instruídos a ensinar que qualquer pessoa que a questionasse estava a opor-se ao trabalho de pregação e estava à beira da apostasia. Assim, um superintendente de distrito declarou publicamente que a recusa em aceitar a doutrina de 1979 da sociedade sobre Actos 20:20 era equivalente a adultério espiritual.59

O flip-flop mais aberto e dramático num assunto doutrinal envolveu a velha questão do estatuto de ministro. Durante décadas a sociedade alegou que todas as Testemunhas de Jeová -- homens, mulheres e crianças -- eram sem excepção ministros religiosos. O Juiz Rutherford tinha declarado sobre todos aqueles que professavam ser dos 144.000: 'Os ungidos são ministros de Deus; portanto servos de Deus.'60 Mais tarde, sob N.H. Knorr a sociedade asseverou que o mesmo era igualmente verdade no que diz respeito à classe das 'outras ovelhas'. De facto, durante a Segunda Guerra Mundial e por muitos anos depois, centenas de homens Testemunhas de Jeová pediram isenção do serviço militar nas democracias ocidentais como ministros religiosos, embora em muitos casos não tivessem qualquer posição oficialmente designada nas suas respectivas congregações.61

Subitamente, na Watchtower de 1 de Dezembro de 1975 [Sentinela de 1 de Março de 1976 em português], tudo isto foi mudado. Depois de uma discussão alargada sobre o termo 'ministro' em várias línguas, essa revista defendeu que só anciãos e servos ministeriais podiam ser encarados como ministros ordenados nas congregações das Testemunhas,62 embora os pioneiros pudessem continuar a alegar ser 'ministros regulares'.

Evidentemente a sociedade estava a fazer essa mudança séria nas definições por uma razão específica. Em muitos casos quando os homens Testemunhas tinham reivindicado o direito à isenção do serviço militar ou civil de acordo com a legislação em sítios como os Estados Unidos, Canadá e Grã-Bretanha, as comissões de avaliação tinham simplesmente ignorado as suas reivindicações porque eles não constituíam uma classe ministerial ou clerical no sentido geral desse termo.63 De facto, tribunais britânicos disseram que embora as Testemunhas de Jeová constituíssem uma religião, não tinham ministros.64 Portanto a posição de Dezembro de 1975 [Março de 1976 em português] sem dúvida foi tomada porque a sociedade reconheceu que a asserção que todas as Testemunhas de Jeová eram ministros era completamente destituída de sentido do ponto de vista legal e que pouco apoio bíblico tinha em qualquer caso. Assim, a Sentinela de 1 de Março de 1976 declarou:

Em vista de tudo isso [discussão do termo 'ministro'], o que se deve fazer quando, conforme ocorre às vezes, uma autoridade governamental quer saber a profissão ou situação dos cidadãos? A expressão "ministro ordenado" é entendida por ela como referindo-se a alguém que é guardião ou servidor nomeado de coisas espirituais numa congregação, alguém que atua como "pastor" da congregação. Os dicionários, por exemplo, fornecem a geralmente entendida definição eclesiástica dum "ministro" como sendo "alguém autorizado a dirigir ofícios religiosos". Com o termo "ministro", tais autoridades governamentais não descrevem, nem se referem ao serviço que cada cristão ou cristã individual pode prestar no seu empenho pessoal de transmitir as boas novas a outros. Portanto, em resposta à inquirição, pode-se responder razoavelmente em harmonia com o que os indagadores oficiais querem saber, em vez de impormos nossa própria definição a tais termos.65

Essa posição era muito razoável, mesmo que servisse um propósito pragmático. Não obstante, as necessidades da Sociedade Torre de Vigia mudaram mais um vez, e mais uma vez ela não teve mais dificuldade em mudar a doutrina do que o homem médio tem em mudar de camisa. A Sentinela de 15 de Setembro de 1981 publicou vários artigos sobre o assunto de quem podia ser classificado como ministro, e ao fazê-lo recuou para a doutrina anterior a 1975. Sob o subtítulo 'Ministras' declarou: 'Sim, todos os cristãos dedicados e batizados, sem consideração de sexo ou idade, podem ser proclamadores, pregadores, ministros ou "servos" em sentido elevado ou sagrado -- desde que forneçam evidência disso pela sua conduta e pelo seu testemunho.'66 Sem dúvida o seu testemunho devia ser encarado como o mais importante.

O Crescimento da Dissensão

O fracasso de 1975 e a reacção da sociedade a ele acabaram por provocar revoltas pequenas mas significativas contra a autoridade da Torre de Vigia. Embora alguns indivíduos como Chris Christenson tenham protestado contra certas políticas da sociedade durante o início e meados da década de 1970, não tinha havido qualquer reacção geral entre as Testemunhas contra os seus ensinos.

Por volta de 1975 isso estava a começar a mudar. Nesse ano e no início do ano seguinte a Billings Gazette de Billings, Montana, relatou a desassociação de várias Testemunhas locais por ensinarem que a ressurreição dos santos não tinha começado em 1918. Dezoito acabaram por ser desassociadas ou renunciaram na área de Billings.67 Depois, no início de 1976, o Tri-City Herald de Pasco, Kennewick e Richland, Washington, anunciou: 'Vinte e uma Testemunhas de Jeová nas três cidades e em Prosser foram excomungadas porque as suas crenças sobre a ressurreição não concordam com os ensinos da igreja.'68 Mais uma vez o assunto era a cronologia da Torre de Vigia, especificamente a importância que a sociedade colocava nos anos 1914 e 1918.69

Pouco tempo depois, o mesmo tipo de dissidência desenvolveu-se no estado australiano de Victória perto de Melbourne. Em 6 de Abril de 1977, o Franklin Peninsula News publicou um artigo intitulado 'Testemunha num Deserto' que contava a desassociação de várias Testemunhas de Jeová que ocorreria em breve nas comunidades de Frankston, Morningston e Rosebud. Uma declaração dada por um dos dissidentes dizia: 'As Testemunhas de Jeová ensinam que o Reino de Cristo começou a governar no céu no ano 1914 e que a primeira ressurreição dos apóstolos começou e teve lugar em 1918. Nós como grupo descobrimos que esta crença está seriamente errada e começámos a tomar uma posição e a questionar aquilo que sabemos estar errado.'70

Mas nenhum destes incidentes nem o processo judicial de Chris Christenson contra a sociedade por desassociação imprópria causaram mais do que interesse público local.71 A sociedade certificou-se de que não dava publicidade a esses acontecimentos e a maioria das Testemunhas de Jeová não estava a par deles. Também, poucos sabiam do sério desencantamento com a organização que estava a crescer entre Testemunhas em sítios como as Filipinas.

No entanto, em 1979 havia correntes subterrâneas em muitas partes do mundo entre as Testemunhas de Jeová. Em sítios tão distantes entre si como Stoke-on-Trent, Inglaterra, Cidade de Nova Iorque, e Phoenix, Arizona, grupos não organizados de Testemunhas começaram a questionar os ensinos da Sociedade Torre de Vigia.72 Algumas Testemunhas também estavam a sair da organização para se juntarem aos grupos de Estudantes da Bíblia como os Estudantes da Bíblia da Aurora, a Sociedade Missionária Lar do Leigo e outras associações de Estudantes da Bíblia.73 Outros estavam a juntar-se aos vários movimentos evangélicos e estavam a organizar ministérios específicos para converter as Testemunhas de Jeová.74 Mas talvez o pior prenúncio para a sociedade foi o facto de um pequeno número de líderes e trabalhadores da Torre de Vigia na própria sede de Brooklyn terem começado independentemente a questionar o que a sociedade estava a ensinar e em resultado começaram, em privado, a reexaminar doutrinas básicas.

Entre este pequeno mas significativo grupo não organizado estavam Raymond Victor Franz, sobrinho do presidente da Sociedade Torre de Vigia e ele próprio um membro do corpo governante; Edward Dunlap, ex-encarregado dos registos de Gileade; e vários ex-superintendentes de distrito, ex-superintendentes de circuito e anciãos de língua espanhola, todos eles Testemunhas de Jeová fiéis de longa data. Portanto, na prática, o reexame das doutrinas da Torre de Vigia e as bases para a dissidência estavam a começar a desenvolver-se dentro dos escalões mais altos da própria hierarquia das Testemunhas.

Através dos seus estudos pessoais e discussões informais, membros deste pequeno grupo começaram discretamente a abandonar uma doutrina da Torre de Vigia atrás da outra e a questionar muitas mais. Através de um exame minucioso de uma série de artigos na revista católica Verbum Domini do Pontifício Instituto Bíblico de Roma, alguns deles chegaram à conclusão de que o chamado 'sinal' composto dos últimos dias no Apocalipse Sinóptico ou Sermão das Oliveiras de Jesus não era de modo nenhum um sinal do fim do mundo. Em segundo lugar, alguns também começaram a achar que todos os cristãos deviam ter uma esperança celestial. Consequentemente, em resultado deste e de outros pressupostos, vários começaram a questionar se o corpo governante das Testemunhas de Jeová como um todo tinha qualquer papel único a desempenhar na história da salvação.75

Claro que estas doutrinas eram destrutivas para a teologia básica e a organização de todo o movimento das Testemunhas. Mas o pequeno grupo dos que duvidavam em Brooklyn não estava ansioso em provocar dano à sociedade através da criação de qualquer tipo de cisma aberto. Quando muito, os seus membros de forma muito ingénua queriam permanecer no seio das Testemunhas que, esperavam eles, acabariam por ver a sabedoria dos seus novos entendimentos.76 Mas isso não haveria de acontecer.

Quando informação sobre o que estava a acontecer chegou a outros membros do corpo governante, estes tomaram acção rápida e brutal. Em 28 de Abril de 1980 o seguinte memorando foi enviado pela Comissão do Presidente do Corpo Governante a todos os membros do corpo governante:

EVIDÊNCIAS RECENTES DE ENSINOS ERRADOS QUE ESTÃO SENDO ESPALHADOS

A seguir estão alguns dos ensinos errados que estão sendo espalhados como emanando de Betel. Estes foram trazidos à atenção do Corpo Governante a partir do campo de 14 de Abril em diante.

1. Que Jeová não tem uma organização na terra hoje e que o seu Corpo Governante não é dirigido por Jeová.

2. Todos os baptizados desde o tempo de Cristo (33 E.C.) até ao fim devem ter a esperança celestial. Todos estes devem participar dos emblemas por ocasião do Memorial e não apenas aqueles que professam ser do restante ungido.

3. Não existe qualquer arranjo propriamente dito como uma classe do 'escravo fiel e discreto' composta pelos ungidos e seu Corpo Governante para dirigir os assuntos do povo de Jeová. Em Mat. 24:45 Jesus usou esta expressão apenas como uma ilustração da fidelidade de indivíduos. Não são necessárias regras; apenas seguir a Bíblia.

4. Não existem duas classes hoje, a classe celestial e aqueles da classe terrestre, também chamados 'outras ovelhas' em João 10:16.

5. Que o número 144.000 mencionado em Rev. 7:4 é simbólico e não é para ser entendido como literal. Os da 'grande multidão' mencionados em Rev. 7:9 também servem no céu conforme indicado no vs. 15, onde se diz que essa multidão serve 'dia e noite, no seu templo (nao)' ou conforme diz a K. Int. (Versão Interlinear do Reino): 'na habitação divina dele'.

6. Que não estamos vivendo agora num período especial de 'últimos dias', mas que os 'últimos dias' começaram há 1900 anos atrás, em 33 E.C., conforme indicado por Pedro em Actos 2:17 quando citou o profeta Joel.

7. Que 1914 não é uma data estabelecida. Cristo Jesus não foi entronizado nessa ocasião, em vez disso tem estado governando no seu reino desde 33 E.C. Que a presença (parousia) de Cristo ainda não aconteceu, em vez disso acontecerá quando 'o sinal do Filho do homem aparecer no céu' (Mat. 24:30) no futuro.

8. Que Abraão, Davi e outros homens fiéis da antiguidade também terão vida celestial, baseando tal entendimento em Heb. 11:16.

Notas: Os pontos bíblicos acima foram aceites por alguns e estão sendo passados adiante a outros como 'novos entendimentos'. Tais pontos de vista são contrários à 'estrutura' bíblica básica das crenças cristãs da Sociedade. (Rom. 2:20, 3:2) Também são contrários ao 'modelo de palavras salutares' que veio a ser biblicamente aceito pelo povo de Jeová ao longo dos anos. (2 Tim. 1:13) Tais 'mudanças' são condenadas em Prov. 24:21, 22. Portanto, os ensinos mencionados acima são 'desvios da verdade que estão subvertendo a fé de alguns'. (2 Tim. 2:18) Tudo considerado, não é isto APOSTASIA e passível de acção disciplinar por parte da congregação? Veja ks 77 [Manual da Escola do Ministério do Reino 1977], página 58.

Comissão do Presidente 28/04/80

Randall Watters, que era então um trabalhador na gráfica em Brooklyn e residente no Betel de Brooklyn, descreve vividamente o que aconteceu a seguir:

Enquanto um membro do Corpo Governante [Raymond Franz] estava fora, de licença, uma comissão especial foi estabelecida para extrair confissões de todos os seus amigos próximos e conhecidos, com o objectivo de determinar tudo o que ele alguma vez tinha dito em privado que podia ser usado contra ele. Durante duas semanas estas comissões intimidaram membros da família de Betel e gravaram as suas confissões. Depois o infeliz foi subitamente chamado de volta a Betel e fizeram-no ouvir estas gravações na presença do Corpo Governante. Depois foi expulso e retiraram-lhe os privilégios. Ele tinha servido em posições responsáveis durante décadas e tinha viajado pelo mundo visitando escritórios das filiais, mas isto não fez qualquer diferença.77

Como Watters indica, Raymond Franz foi obrigado a renunciar do corpo governante e a deixar Betel com a sua esposa. Poucas Testemunhas sabiam o que tinha acontecido, mas vindo ao mesmo tempo que um anúncio oficial de apostasia em Betel, rumores de todo o tipo começaram a circular por toda a comunidade mundial das Testemunhas. Entretanto, vários betelitas e respectivas esposas tinham sido desassociados. Junto com a sua esposa, Elsie, Rene Vasquez, que fora o primeiro superintendente de distrito em Espanha e Portugal, foi desassociado por apostasia. Segundo o seu próprio relato, quando ele suplicou para não ser desassociado, um dos membros da sua comissão judicativa ridicularizou-o dizendo que ele 'nem sequer era um bom apóstata'. Elsie Vasquez afirma que foi acusada de insultar o corpo de Cristo por ter celebrado a Ceia do Senhor em casa. Cristobal Sanchez e a sua esposa, Norma, também foram desassociados depois de ele ter defendido as suas crenças com firmeza. Nestor Kuilan, ex-missionário e superintendente de circuito, foi desassociado por 'encobrir uma apostasia' e foi-lhe até negado o habitual apelo nesses casos. Então, depois da destituição de Raymond Franz, o corpo governante voltou a sua atenção para dois betelitas -- Mark Nevejans, um jovem perito em media electrónicos, e Edward Dunlap, ex-encarregado dos registos da escola de missionários de Gileade que, junto com Raymond Franz, era um dos escritores mais importantes da sociedade. Depois de serem chamados perante comissões judicativas, estes dois também foram desassociados.78 No entanto, isto era só o princípio. Vasquez tinha estado a trabalhar três dias por semana em Betel ao mesmo tempo que era distribuidor de vitaminas da Shaklee Products durante o resto da semana para providenciar para a sua esposa e filho de dez anos. Elsie Vasquez tinha estado a operar uma agência de viagens. Mas a seguir à sua desassociação, as Testemunhas boicotaram os seus negócios de modo que ficaram quase arruinados financeiramente.79 Uma mulher Testemunha que encontrou emprego para Nestor Kuilan em Porto Rico foi desassociada, tal como Lucy Quiles e a família dela, incluindo a sua filha de dezasseis anos, por fornecerem uma casa para Mark Nevejans depois da sua expulsão de Betel.

No entanto, talvez o acontecimento mais extremo ligado à caça à apostasia da sociedade em Nova Iorque tenha ocorrido na congregação de língua espanhola de Elmhurst-Queen, Nova Iorque, em Maio de 1980. Um dos dois anciãos dessa congregação era amigo de Rene Vasquez e tinha aceitado algumas das ideias dele. Quando este facto chegou ao conhecimento do corpo governante em Betel, eles ficaram com medo que ele tivesse estado a ensinar 'doutrinas apóstatas' a toda a congregação, em particular a ideia de que todos os cristãos deviam ter uma esperança celestial. Em resultado disso, Frederick Franz, acompanhado por cerca de quinze trabalhadores de Betel, 'visitou' a congregação de Elmhurst numa sexta-feira à noite e anunciou que no Domingo seguinte um betelita, Fabio Silva, faria um discurso especial à congregação. Depois de esse discurso ser feito, no qual Silva argumentou fortemente que a maioria das Testemunhas de Jeová devia esperar a sua recompensa eterna numa terra paradísica, o próprio Franz gritou à congregação num espanhol com forte sotaque para insistir que o estudo da Bíblia devia ser levado a cabo no salão do reino e não na privacidade das suas casas.80

Embora a sociedade tenha tentado não espevitar as chamas da 'apostasia' publicando muita informação sobre os acontecimentos de Nova Iorque ou desassociando muitas pessoas, manifestou a sua profunda preocupação sobre a matéria de outras formas. Em 30 de Abril de 1980, Karl Klein, um membro do corpo governante e amigo pessoal próximo de Frederick Franz, declarou: 'Se tem uma tendência para 'apostasia', arranje um passatempo e mantenha-se ocupado para manter a sua mente fora dela. Afaste-se de estudos bíblicos profundos com o objectivo de determinar os significados das escrituras.'81 Cerca de um mês depois, em 29 de Maio, o Vice-Presidente da Torre de Vigia Lloyd Barry disse: 'Quando falamos de lei, falamos de organização. De todo o nosso coração precisamos de buscar essa lei. Jeová não dá a indivíduos a interpretação [das escrituras]. Precisamos de um guia, e este guia é o "escravo fiel e discreto". Nós não nos devíamos reunir em grupinhos para discutir pontos de vista contrários aos do escravo fiel e discreto. Temos de reconhecer a fonte da nossa instrução. Temos de ser como um burro, humildes, e ficar na manjedoura; e não apanharemos nenhum veneno.'82

Como se isto não fosse suficiente, membros do corpo governante levaram a cabo uma campanha da vilificação mais amarga contra aqueles que agora decidiram rotular de apóstatas. Embora aqueles afastados de Betel não fossem mencionados por nome, foram chamados 'fornicadores espirituais', 'mentalmente doentes', e 'loucos'.83 Randall Watters conta ainda:

Numa reunião com uma comissão onde um casal que tinha servido fielmente por décadas foi desassociado, um MEMBRO DO CORPO GOVERNANTE chamou-lhes 'chupistas' e 'mentirosos'. Um pobre coitado teve as suas chamadas telefónicas redireccionadas através do 'departamento de serviço' para verificar quem eram os seus contactos no exterior. 'Espiões' estavam por toda a parte, e muitos membros da família denunciavam mesmo os seus próprios amigos por suspeita de 'apostasia'. É importante que se saiba que poucos dos membros da família sabiam o que se estava realmente a passar; o Corpo Governante manteve a situação bem escondida e respondeu difamando o carácter daqueles envolvidos.84

Mais importante, a sociedade também começou a publicar uma série de artigos na Sentinela que foram escritos numa tentativa de contrariar as ideias dos anteriores 'dissidentes' de Betel e do seu punhado de associados de Nova Iorque.85 Também foram feitos ataques genéricos contra 'desleais' em congressos, bem como na literatura da Torre de Vigia. As Testemunhas de Jeová foram avisadas para se guardarem contra 'lobos apóstatas'.

Aproximadamente na mesma época um pequeno mas significativo cisma ocorreu em Lethbridge, Alberta [Canadá]. Uma tentativa de remover o autor deste volume do cargo de ancião e mais tarde de 'discipliná-lo' acabou por levar à defecção de cerca de cinquenta a sessenta Testemunhas no sul de Alberta e vários outros em outros lugares, tanto no Canadá como nos Estados Unidos.86 O mais significativo sobre esta brecha na comunidade das Testemunhas foi que recebeu publicidade a nível nacional por todo o Canadá e começou a levar à criação de uma nova associação dispersa de ex-Testemunhas e outros que rapidamente passou a incluir muitos grupos e indivíduos no Canadá, Estados Unidos, Grã-Bretanha e norte da Europa.87 Depois, na Primavera de 1981, vários dissidentes das Testemunhas manifestaram-se à porta dos escritórios da Sociedade Torre de Vigia em Toronto usando sacos de papel castanhos na cabeça para esconder as suas identidades.88 Embora protestando em simpatia com as ex-Testemunhas de Lethbridge que se descreviam a si mesmas como 'Estudantes da Bíblia Cristãos', os 'dos sacos de papel castanhos', como passaram a ser conhecidos, agiram de forma bastante independente e começaram a estabelecer um padrão para protestos similares em congressos das Testemunhas nos Estados Unidos.89

Surpreendentemente, ao longo dos anos seguintes a revolta contra a autoridade da Torre de Vigia continuou a aumentar e a receber ainda mais publicidade. Nos primeiros seis meses de 1982, mais de 250 jornais e revistas norte-americanos -- incluindo a Newsweek, Time, Christianity Today, e Maclean's -- tinham relatado a crescente agitação entre Testemunhas de Jeová e ex-Testemunhas. Além disso, mais de cem programas de televisão e rádio tinham difundido o assunto. O programa de televisão canadiano de difusão a nível nacional 'Fifth Estate' tratou do assunto numa história noticiosa em forma de documentário de vinte minutos de duração. Muito sério do ponto de vista da Sociedade Torre de Vigia, porém, foi o facto de várias ex-Testemunhas destacadas incluindo Raymond Franz, que foi desassociado em Dezembro de 1981, terem ido à rádio e à televisão por toda a América do Norte para contar as suas histórias e condenar a sociedade pela 'opressão espiritual' daquelas Testemunhas de Jeová que se atreviam a diferir dela. Desta forma, a reputação libertária das Testemunhas, merecidamente ganha através de longos anos de luta nos tribunais para preservar a liberdade de expressão e de adoração, tem sido completamente manchada.

Esses acontecimentos também não se confinaram à América do Norte. Além da desassociação de Carl Olof Jonsson e da publicidade resultante na Suécia, as Testemunhas também foram subitamente confrontadas com um importante cisma em Dublin, Irlanda. O que tinha acontecido é que dois anciãos irlandeses respeitados, John May e Martin Merriman, tinham viajado para os Estados Unidos para averiguar por que razão Raymond Franz tinha sido desassociado. Depois de o visitar em Alabama, eles telefonaram ao Betel de Brooklyn para conseguir uma reunião com o corpo governante para questionar a propriedade do que tinha sido feito a Franz, mas na prática foi-lhes dito que o assunto não era da conta deles. Eles então regressaram à Irlanda onde, depois de alguns meses, renunciaram como Testemunhas de Jeová para liderar uma grande revolta envolvendo um largo segmento da comunidade das Testemunhas irlandesas contra a sociedade por causa da injustiça da desassociação e do assunto das transfusões de sangue.90 Em resultado, receberam muita publicidade tanto na imprensa irlandesa como britânica, e em Outubro de 1983 eles e várias ex-Testemunhas da Irlanda, Escócia e América manifestaram-se na primeira reunião anual do quadro de directores da Sociedade Torre de Vigia a ser realizada na Grã-Bretanha -- um acontecimento bem publicitado pela British Broadcasting Corporation [BBC].

As Testemunhas de Jeová Hoje

Seria errado concluir que os problemas causados pelo fracasso de 1975, arregimentação organizacional, vacilações doutrinais e a revolta de um pequeno número de Testemunhas, especialmente no mundo ocidental, já criaram grandes cismas entre as Testemunhas de Jeová. Em 1979 as Testemunhas começaram a crescer lentamente em número novamente,91 e em 1980 estavam a ter um aumento de 3,7 porcento no número de publicadores mundialmente.92 Consequentemente, o Anuário das Testemunhas de Jeová de 1981 pôs a interpretação mais cor-de-rosa que era possível no que tinha estado a acontecer à organização nos últimos anos e gabou-se desonestamente: 'Durante os últimos sete anos, de 1974 a 1980, inclusive, as Testemunhas de Jeová fizeram constante progresso.'93 Para demonstrar este 'constante progresso' publicou uma série de gráficos que realmente mostram algum crescimento na comunidade das Testemunhas durante esse período.94

No entanto, nem a sociedade nem as Testemunhas de Jeová são tão saudáveis como gostariam que outros acreditassem. O seu aumento desde 1975 tem sido tudo menos notável, certamente em comparação com a quantidade de tempo e esforço que têm gasto em tentar converter outros; e isso é só parte da história. Mesmo apesar do crescimento, pode argumentar-se que as Testemunhas de Jeová são membros de uma religião doente. São arruinadas por problemas internos que a sua liderança não está disposta a reconhecer, e muito menos tratar satisfatoriamente. E, muito grave para elas, continuam a ter uma tremenda rotação de membros -- algo de que a sociedade se recusa a falar e um facto largamente não reconhecido pela maior parte das Testemunhas. Além disso, como Havor Montague indica tão claramente, as Testemunhas de Jeová perdem continuamente a maioria das suas pessoas mais bem educadas e mais inteligentes. Consequentemente, depois de muitos anos de 'fuga de cérebros' organizacional, os escalões mais elevados da hierarquia da Torre de Vigia são largamente um grupo intelectualmente árido com poucas pessoas de qualquer habilidade real a que se possa recorrer para assistência.

Aos noventa e um anos de idade, Frederick W. Franz continua a ser o principal ideólogo do movimento e continua a dominá-lo.94a Outros membros do corpo governante encaram-no como uma fonte virtual de verdade. Conforme um deles declarou: 'Ele tem sido o nosso oráculo por 67 anos.'95 Porém, Franz não mostra qualquer vontade de iniciar mudanças. Falando em 25 de Maio de 1980 para toda a família de Betel a respeito do estabelecimento de datas e de criar expectativas, ele observou que alguns 'esperavam que eu ignorasse a influência dos acontecimentos mundiais à luz da profecia bíblica durante os últimos 67 anos, e que começasse de novo de onde partimos há 67 anos'96 -- algo que nem ele nem os seus associados mostram qualquer indicação de estar dispostos a fazer. Assim, presentemente o corpo governante e os escalões mais elevados da Sociedade Torre de Vigia parecem estar seriamente afectados por uma espécie de arteriosclerose organizacional, e uma forma de hubris ou orgulho espiritual que pode muito bem destruir a viabilidade da comunidade das Testemunhas.

Por exemplo, os líderes da Torre de Vigia parecem determinados a reforçar a sua autoridade quase a qualquer custo. Insistem na obediência a todas as mil e uma regras que estabelecem -- regras que são virtualmente talmúdicas em extensão. Falando aos trabalhadores do Betel de Brooklyn pouco depois da destituição de Raymond Franz, Edward Dunlap e os outros, Albert Schroeder, um dos 'caçadores de apóstatas' mais jovens e determinados no corpo governante, proclamou:

Nós servimos não apenas Jeová Deus mas estamos sob a nossa 'mãe' [a organização]. A nossa 'mãe' tem o direito de fazer regras e regulamentos para nós [...] Este livro, intitulado Branch Organization Procedure [Procedimentos Organizacionais da Filial], contém 28 assuntos; e as suas sub-secções envolvem regulamentos e administração. Contém 1.177 políticas e regulamentos [...] esta é uma organização melhorada, bem sintonizada, e espera-se de todos nós que sigamos as suas políticas. Se há alguém que sente que não se consegue sujeitar às regras e regulamentos agora em vigor, esses deviam sair e não estarem aqui envolvidos no trabalho progressivo adicional.

Alguns abandonaram a organização, mas não a Bíblia, dizendo que não há necessidade de estar debaixo de lei [...] Este grande programa de procedimentos organizacionais está ajuntando as coisas do céu e da terra.97

Desde a declaração de Schroeder a sociedade tem enfatizado a sua autoridade espiritual cada vez mais. Revistas Sentinela umas atrás das outras têm apresentado argumentos -- alguns são tão mal amanhados que chegam a ser ridículos98 -- para explicar por que devem as Testemunhas de Jeová continuar leais à hierarquia da Torre de Vigia em face de tudo. Além disso, gabou-se que o 'restante ungido' das 144.000 Testemunhas de Jeová destinadas ao céu, agindo como o 'servo fiel e sábio' ou 'mordomo' (através do corpo governante, claro), expulsou todos aqueles infiéis à organização. 'Fechou a porta diante de todos os apóstatas expulsos e os que procuraram introduzir-se sorrateiramente para corromper as Testemunhas de Jeová.'99

Além disso, a sociedade tem endurecido as suas regras sobre como as Testemunhas normais devem tratar pessoas desassociadas. Tal como em tantas doutrinas e procedimentos, tem vacilado nesta matéria. Desde a década de 1950 até 1974, as Testemunhas não podiam sequer dizer 'olá' a qualquer pessoa que tivesse sido oficialmente expulsa da sua comunidade. Mas na Sentinela de 15 de Novembro de 1974, a sociedade decidiu tomar uma posição muito mais suave. Até admitiu que alguns desassociados tinham sido tratados com crueldade desnecessária.100 Porém, na edição de 15 de Setembro [15 de Dezembro em português] de 1981, A Sentinela enfatizou um linha ainda mais dura do que tinha antes de 1974. Nessa edição, passou a exigir que Testemunhas em situação aprovada cortassem praticamente todas as relações com membros da família, ignorando até pais e filhos adultos excepto em casos de emergência grave.101

Como seria razoável esperar, tudo isto tem tendido a enfraquecer a fé de muitos indivíduos em vez de a fortalecer. A dissensão crescente dentro da organização, acrescida ao estridente chamar de nomes e represálias do corpo governante contra 'apóstatas' criou uma mentalidade de sítio entre os leais à Torre de Vigia, mas muitos outros reagiram com repugnância e afastamento. Durante a purga no Betel de Brooklyn na Primavera de 1980, parece a partir de vários relatos que mais de cinquenta trabalhadores da sede mundial das Testemunhas de Jeová saíram da organização. Desde então muitos milhares de Testemunhas de Jeová por todo o mundo desistiram abertamente da Sociedade Torre de Vigia, muitas vezes para formar associações independentes e grupos de estudo. Sem dúvida em resposta às medidas draconianas delineadas na Sentinela de 15 de Dezembro de 1981, muitos mais saíram ou estão a sair. No ano estatístico de 1983, como nos quatro anos anteriores, o número de publicadores Testemunhas aumentou em resultado da pressão implacável da sociedade para fazer proselitismo. Assim, para esse ano -- de Setembro de 1982 a Agosto de 1983 -- a sociedade afirmou ter um aumento mundial de publicadores de 6,8 porcento.102 Mas o que não foi dito ao mundo em geral é que no mês de Setembro de 1981, exactamente quando a sociedade anunciou as suas novas regras sobre evitar todos os que tinham sido expulsos ou que renunciaram à organização, houve um decréscimo de 8 porcento no número de publicadores Testemunhas de Jeová só nos Estados Unidos. Em números concretos, menos 47.318 Testemunhas americanas estavam activamente envolvidas em pregar aos seus vizinhos do que no mês anterior.103 Assim, mesmo para o mais optimista que é leal à Torre de Vigia, deve ser óbvio que há alguma coisa seriamente errada.

Não obstante, embora algumas ex-Testemunhas sugiram que a sociedade 'carregou no botão da auto-destruição', ainda há muita vida num movimento que passou por muitas vicissitudes. Além disso, se novos líderes finalmente se evidenciarem e atacarem os principais problemas que as Testemunhas de Jeová enfrentam, podem, enquanto comunidade, evoluir para algo muito diferente do que são hoje.


Notas

1 Página 30.

2 Anuário de 1977, p. 30.

3 Anuário de 1978, p. 30.

4 Anuário de 1976, p. 28.

5 Anuário de 1980, p. 28.

6 Segundo os Anuários de 1976 e 1980, havia 17.546 Testemunhas de Jeová a menos na Nigéria em 1979 do que em 1975. Na Alemanha havia 2.722 a menos, e na Grã-Bretanha houve uma perda de 1.102 no mesmo período de tempo.

7 Durante o mesmo período (1975-1979) a comunidade das Testemunhas japonesas aumentou 16.990 publicadores. Assim, de facto, a população de Testemunhas no Japão aumentou em cerca de um terço.

8 A sociedade tinha tendência a culpar 'materialismo', 'nacionalismo' e 'vários factores' pelo grande decréscimo de publicadores em 1977. Veja o Anuário de 1978, pp. 8-13, 32.

9 Em Janeiro de 1975 Franz fez um discurso público na Austrália no qual indicou que acreditava que 1975 era um ano marcado. Embora ele tenha contado como os Estudantes da Bíblia tinham ficado desapontados por a predição de Russell acerca de 1914 ter falhado, e citado o Juiz Rutherford no sentido de que 'tinha feito figura de parvo' no que diz respeito a 1925, Franz sugeriu vez após vez que 1975 veria o início do milénio.

O membro do corpo governante Karl Klein discutiu este assunto durante mais de uma hora numa reunião com o Departamento de Serviço de Notícias do Congresso num congresso de distrito em Vancouver, Colúmbia Britânica, em 1977. Klein declarou abertamente que 'nós acautelámos Nathan [Knorr] e Fred [Franz] para não serem tão dogmáticos.'

10 Franz fez vários discursos públicos que enfatizaram este tema. Os mesmos argumentos apareceram na WT, 1 de Janeiro de 1976, pp. 3-8.

11 Cerca de duas décadas antes a Sociedade Torre de Vigia tinha tomado a mesma posição nesta matéria que Franz enunciou depois de nada escatologicamente significativo ter ocorrido durante 1975. Veja WT, 1955, pp. 93-95 [em inglês]. Em 1963 [1966 em português] o livro 'Toda a Escritura É Inspirada Por Deus e Proveitosa' tomou mais uma vez a mesma posição. Depois de calcular que Adão tinha sido criado em 4026 A.E.C., afirmou nas páginas 286 e 287: 'De que importância é isto hoje? A primeira edição deste livro em português, de 1966, dizia: "Significa isto, então, que até 1966 temos passado 5.991 anos do 'dia' em que Jeová 'vem descansando de toda a sua obra'? (Gên. 2:3) Não, pois a criação de Adão não corresponde com o começo do dia de descanso de Jeová. Seguindo a criação de Adão, e ainda dentro do sexto dia criativo, parece que Jeová formou outras criações de animais e aves. Também, fez que Adão desse nome aos animais, que levaria algum tempo, e passou a criar a Eva. [...] Qualquer tempo decorrido entre a criação de Adão e o término do 'dia sexto' deve ser subtraído dos 5.991 anos, a fim de dar o real período de tempo desde o princípio do 'dia sétimo' até [1966]. Não adianta usar a cronologia bíblica para especular sobre datas que se acham ainda no futuro, na corrente do tempo. -- Mat. 24:36.' Em 1968, porém, tanto a Sentinela como a Despertai! proclamaram que Eva foi criada no mesmo ano que Adão. The Watchtower de 1 de Maio de 1968 [em inglês] declarou na página 271: 'Para calcular onde está o homem na corrente do tempo em relação ao sétimo dia de 7.000 anos de Deus, precisamos determinar quanto tempo decorreu desde o ano da criação de Adão e Eva em 4026 A.E.C.' A Awake! de 8 de Outubro de 1968 [em inglês] declarou enfaticamente na página 14: 'Segundo cronologia bíblica de confiança, Adão e Eva foram criados em 4026 A.E.C.'

12 Várias Testemunhas em posições administrativas no Betel de Brooklyn admitiram-me isto no Verão de 1979.

13 Veja o Anuário de 1980, p. 23.

14 No Canadá representantes da sede da filial da sociedade foram enviados por todo o país para falar a reuniões especiais com anciãos de várias localidades. Tais declarações -- em nítido contraste com o que fora publicado em Organização Para Pregar o Reino e Fazer Discípulos -- foram feitas pelos representantes de Betel nos termos mais fortes e ásperos. Estava a ser dito aos anciãos para se porem na linha; o controlo hierárquico estava a ser imposto novamente.

15 A princípio apenas umas poucas posições foram isoladas do sistema rotativo. Com a continuação, foram todas. Para informação a respeito destas mudanças, ver a edição canadiana de Our Kingdom Service [Nosso Serviço do Reino], Agosto de 1975, pp. 3-6; Setembro de 1977, pp. 3-6; Agosto de 1978, p. 3; e Organizados Para Efetuar o Nosso Ministério (Brooklyn, NY: Watchtower Bible and Tract Society, 1983), p. 41.

16 Como controlam praticamente toda a correspondência para e da sociedade e tratam mais de perto com os superintendentes de circuito e de distrito, os secretários da congregação têm a maior parte dos poderes que eram exercidos pelos servos de congregação antes de 1972. Também, como muitos secretários são pessoas que detêm posições de administração nas suas ocupações seculares, com frequência têm tendência a ser bastante conservadores nas suas perspectivas. Muitos tratam as congregações como 'pequenas empresas'. Parece ser exactamente isso que a sociedade quer. Para uma descrição das tarefas dos secretários, ver Nosso Serviço do Reino (edição canadiana), Setembro de 1977, pp. 3, 4; e Organizados Para Efetuar o Nosso Ministério, p. 42.

17 Organização Para Pregar o Reino e Fazer Discípulos, pp. 126, 127.

18 Eles deviam assinalar o tempo que tinham gasto no 'trabalho de pastoreio' nas suas folhas de relatório de serviço de campo.

19 Esta ideia foi enfatizada especialmente em assembleias de circuito mas também em vários artigos no Nosso Ministério do Reino. Veja, por exemplo, Nosso Serviço do Reino (edição canadiana), Agosto de 1979, pp. 1, 3, e Setembro de 1979, pp. 1, 3.

20 Quando as comissões hospitalares foram estabelecidas, várias grandes reuniões foram realizadas em Toronto nas quais numerosas Testemunhas canadianas proeminentes estiveram presentes. Em resultado do 'trabalho nos hospitais', três livros contendo artigos fotocopiados de revistas médicas e da imprensa popular foram produzidos e encadernados na filiar da sociedade em Toronto. Estes eram: Jehovah's Witnesses -- Alternatives to Blood Transfusions in Adults [Testemunhas de Jeová -- Alternativas às Transfusões de Sangue em Adultos], Jehovah's Witnesses -- Alternatives to Blood Transfusions in Minors [Testemunhas de Jeová -- Alternativas às Transfusões de Sangue em Menores], e Jehovah's Witnesses -- Alternatives to Blood Transfusions [Testemunhas de Jeová -- Alternativas às Transfusões de Sangue]. A maior parte do material nelas foi compilado por Alex Trost, um ex-missionário da Torre de Vigia e químico de Hamilton, Ontário.

21 Foram estabelecidas comissões em várias comunidades tanto na parte oriental como na parte ocidental do Canadá. Eu estive pessoalmente envolvido em ajudar a organizar uma destas 'comissões hospitalares' que durante algum tempo foi muito activa e eficaz.

22 Uma carta da Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, Filial Canadiana, 150 Bridgeland Ave., Toronto, Ontário, para William D. Johnson, 2726-25 Ave., Vancouver BC, datada de 4 de Outubro de 1974 cita longamente uma carta enviada para a filial canadiana da parte do escritório de Brooklyn da sociedade. Uma citação dessa carta declara: 'Nós não encorajámos os anciãos em geral ou qualquer comissão de anciãos numa cidade particular a visitar todos os hospitais como se fossem representantes e porta-vozes de todas as Testemunhas de Jeová nessa cidade. Quando se trata de tratamento médico, eles definitivamente não o são.'

23 Carta da Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, Filial Canadiana, 150 Bridgeland Ave., Toronto, Ontário, para os Corpos de Anciãos das Congregações das Testemunhas de Jeová de Galt Park, Lakeview, e Westminster, Lethbridge, Alberta, datada de 30 de Maio de 1975.

24 Isto aconteceu especialmente na área de Toronto.

25 Página 10.

26 Ibid.

27 Herbert H. Stroup, The Jehovah's Witnesses (New York: Russell and Russell, 1967), p. vi.

28 Curiosamente, a sociedade praticamente recusou-se a citar directamente os trabalhos de investigadores que eram Testemunhas. O meu próprio livro Jehovah's Witnesses in Canada [Testemunhas de Jeová no Canadá] recebeu um comentário na The Watchtower [A Sentinela] através de uma recensão crítica no Toronto Daily Star e, posteriormente, no relatório histórico sobre as Testemunhas de Jeová no Canadá no 1979 Yearbook [Anuário de 1979]. Em geral, contudo, a sociedade -- particularmente em Brooklyn -- era fria em relação ao livro e não permitiu que aparecesse qualquer notícia geral sobre ele nas suas publicações ou em congressos. Em resultado disso, algumas Testemunhas manifestaram hostilidade directa em relação ao livro. Algumas vezes, fui abertamente criticado por Testemunhas particularmente tacanhas de espírito que diziam que eu tinha 'tentado ganhar dinheiro à custa dos irmãos' ou que tinha tentado 'fazer de mim próprio uma pessoa importante'.

29 Cole admitiu que a sociedade insistiu que ele rescrevesse o seu primeiro manuscrito do livro Jehovah's Witnesses: The New World Society [Testemunhas de Jeová: A Sociedade do Novo Mundo] porque não era suficientemente positivo.

30 Antes do seu falecimento há alguns anos, Percy Chapman, um ex-superintendente de filial da Sociedade Torre de Vigia no Canadá, disse-me pessoalmente que o segundo livro de Cole 'não se saiu muito bem porque não teve a aprovação da sociedade ou do Irmão Knorr.' 'Ele estava', disse Chapman, 'a correr adiante da sociedade.'

31 Embora parte da minha informação sobre o caso Blackwell seja baseada em correspondência com o próprio Blackwell, boa parte foi obtida a partir de declarações de várias Testemunhas de todo o Canadá e de uma conversa com Karl Klein, do corpo governante. Klein disse-me que 'Blackwell queria que a sociedade publicasse o livro dele'. Blackwell declarou que isto é 'absolutamente falso'. De facto, Blackwell publicou O'er the Ramparts They Watched [Sobre os Muros Eles Observavam] a um grande custo pessoal para si próprio. Deve ser dito, contudo, que alguns dos problemas de Blackwell surgiram devido a problemas na sua congregação local e devido ao facto de ele ter escrito cartas longas e muito ásperas para o corpo governante. Ainda assim, não pode haver dúvida que ele sofreu directamente por causa da publicação do seu livro.

32 Carta de Ditlieb Felderer, de Taby, Suécia, para M. James Penton, 21 de Outubro de 1976. Durante algum tempo Felderer publicou uma revista intitulada Bible Researcher [Pesquisador Bíblico], que contém muita informação acerca da história dos Mórmones e das Testemunhas de Jeová. O Bible Researcher é uma excelente fonte de informação sobre as dissidências entre as Testemunhas durante o início da década de 1970.

33 Detalhes sobre o caso Christenson podem ser encontrados na transcrição do registo [de tribunal do caso] Christensen v. Bodner et al, Manitoba Court of Queen's Bench, Winnipeg, Manitoba (Setembro de 1977).

34 Cartas de R. L. Wysong de East Lansing, Michigan, para a Watchtower Bible and Tract Society Brooklyn, NY, datadas de 23 de Setembro de 1975, 7 de Outubro de 1975, 17 de Outubro de 1975, 28 de Outubro de 1975, 7 de Novembro de 1975, 23 de Janeiro de 1976 e 13 de Fevereiro de 1976. Cartas de R. L. Wysong para o Corpo Governante das Testemunhas de Jeová, 9 de Outubro de 1975 e 28 de Outubro de 1975. Cartas da Watchtower Bible and Tract Society Brooklyn, NY, para R. W. Wysong, 29 de Setembro de 1975, 13 de Outubro de 1975 e 17 de Outubro de 1975.

35 Veja, por exemplo, o Göteborgs-Tidningen, 30 de Setembro de 1980, pp. 14, 15.

36 Para mais detalhes, veja Witness, the Official Organ and Communication Department of the Victorian Conference of Seventh-Day Adventists [Testemunha, o Órgão Oficial e Departamento de Comunicação da Conferência Vitoriana de Adventistas do Sétimo Dia], 3:4 (Setembro-Dezembro, 1977).

37 Muitas das descobertas de Jonsson foram publicadas em 1981 por Christian Fellowship International de Lethbridge, Alberta [Canadá], numa brochura intitulada The Watch Tower Society and Absolute Chronology [A Sociedade Torre de Vigia e a Cronologia Absoluta], por Karl Burganger. Antes disto, o documento dactilografado de Jonsson teve um impacto importante em pessoas por todo o oeste do Canadá que saíram das Testemunhas de Jeová entre 1979 e 1982.

38 Baseado numa declaração gravada que foi reproduzida em parte no Toronto Star (21 de Fevereiro de 1981), p. G6.

39 Havor Montague, 'The Pessimistic Sect's Influence on the Mental Health of Its Members: The Case of Jehovah's Witnesses' ['A Influência Pessimista da Seita na Saúde Mental dos Seus Membros: O Caso das Testemunhas de Jeová'], em Social Compass, 24:1 (1977), p. 141.

40 Ibid.

41 Segundo o Anuário de 1974, p. 31, houve um aumento real de 173 Testemunhas que professavam ter uma esperança celestial no ano 1973.

42 Em 1974 houve um aumento adicional de 200 'participantes do Memorial'. Anuário de 1975, p. 31. Em dois anos o restante de Testemunhas de Jeová ungidas tinha aumentado em 373 pessoas.

43 Veja o Anuário de 1981, p. 31.

44 Página 319.

45 Página 287 [da edição em português].

46 A sociedade forneceu vários esboços para discursos públicos que são muito explícitos nestes assuntos. Para mais informação, ver WT, 15 de Fevereiro de 1975, p. 128, 100-102, 1 de Maio de 1975, p. 287. A Sentinela de 1 de Maio de 1975 declarou na página 287: 'Que porneía pode corretamente ser considerada como incluindo as perversões dentro do arranjo marital é visto em que o homem que obriga sua esposa a ter com ele relações sexuais desnaturais virtualmente a "prostitui" ou "corrompe". Isto o torna culpado de porneía, porque o verbo grego relacionado, porneúo, significa "prostituir, corromper".'

47 WT, 15 de Março de 1973, p. 191. Quando a sociedade enunciou originalmente a sua posição sobre este assunto, aconselhou os anciãos que não deviam fazer perguntas sobre se pessoas casadas estavam ou não a violar este 'princípio cristão' levítico.

48 Páginas 29, 30.

49 Ibid., p. 31.

50 Isto foi anunciado discretamente em reuniões de anciãos e em congregações onde tinham sido desassociadas pessoas por porneia marital. Que seja do meu conhecimento, nunca qualquer das pessoas que foram desassociadas recebeu qualquer tipo de desculpa pessoal apesar do que a sociedade, agindo através de comissões judicativas das congregações, lhes tinha feito.

51 A Sentinela, 1 de Fevereiro de 1962, p. 96.

52 Página 350.

53 Página 351.

54 Página 31.

55 Ibid.

56 Ibid.

57 Segundo Raymond Franz, foi este o caso.

58 Página 12.

59 Afirmado durante um discurso público proferido pelo Superintendente de Circuito canadiano Larry Gray em 1 de Dezembro de 1979 em Lethbridge, Alberta [Canadá].

60 WT, 1935, p. 254.

61 Veja Divine Purpose [Propósito Divino] (Brooklyn, NY: Watchtower Bible and Tract Society, 1959), pp. 222-231.

62 Páginas 149-154 [em português].

63 Divine Purpose [Propósito Divino], pp. 222-231.

64 Para um breve resumo desta questão, veja o Anuário de 1974, pp. 133-136, que discute de forma bastante equilibrada o famoso caso Walsh na Grã-Bretanha. Segundo os tribunais britânicos, embora as Testemunhas de Jeová fossem uma 'religião', não tinham 'ministros' no sentido em que o parlamento tinha pretendido que o termo fosse entendido.

65 Página 154.

66 Páginas 18, 19.

67 Billings Gazette, 23 de Outubro de 1975; 26 de Janeiro de 1976; 22 de Maio de 1976, p. 14-B; 5 de Julho de 1976, p. 8-A.

68 Tri-City Herald, 27 de Fevereiro de 1976, p. 13.

69 Ibid.

70 Franklin Peninsula News, 6 de Abril de 1977. Mais informação sobre este cisma apareceu no Journal de Dandenong nas edições de 7 e 14 de Abril de 1977.

71 Para relatos na imprensa sobre o caso Christenson, veja as edições de 16 e 17 de Setembro de 1977 do Tribune de Winnipeg.

72 Detalhes sobre estes desenvolvimentos só agora estão a começar a ser amplamente conhecidos. Por razões óbvias a Sociedade Torre de Vigia não publicou informação sobre eles e a maioria das Testemunhas de Jeová ainda não está a par deles.

73 Embora os números não tenham sido grandes, certamente fortaleceram os movimentos tradicionais de Estudantes da Bíblia. Os Estudantes da Bíblia têm estado muito activos em ajudar ex-Testemunhas de Jeová. Veja The Bible Examiner (Lethbridge, Alberta), Setembro de 1981, p. 1.

74 Estes movimentos são muito activos e estão a ter muito sucesso em converter ex-Testemunhas de Jeová. Alguns dos que saíram do Betel de Brooklyn na Primavera de 1980 tornaram-se protestantes evangélicos.

75 Baseado em entrevistas com Rene Vasquez, Mark Nevejans, Cristobal Sanchez, Nestor Kuilan e Edward Dunlap durante o primeiros meses de 1981.

76 Todos os activos em estudo independente parecem ter-se considerado a si mesmos Testemunhas completamente leais. Como a sociedade tinha mudado muitas vezes as doutrinas no passado, eles não viam qualquer razão para ela não o fazer novamente. Portanto não existe qualquer razão para insinuar, como o corpo governante tem feito desde então, que estes 'dissidentes' eram 'lobos apóstatas' com motivos iníquos.

77 Randall Watters, What Happened at the World Headquarters of Jehovah's Witnesses in the Spring of 1980? [O Que Aconteceu na Sede Mundial das Testemunhas de Jeová na Primavera de 1980?] (Um panfleto impresso e publicado privadamente por Randall Watters, Drawer CP-258, Manhattan Beach, Califórnia). Watters serviu no Betel de Brooklyn durante seis anos até Julho de 1980. Ele saiu com 'boa reputação' e mais tarde renunciou como Testemunha de Jeová porque achava que a sociedade estava a ensinar doutrinas falsas. Consequentemente, o relato dele é o de um observador preocupado, e não o de uma pessoa directamente envolvida nos acontecimentos que descreve.

78 Embora muita da informação dada aqui seja baseada em entrevistas pessoais, muita também foi publicada ou reproduzida electronicamente a respeito destes acontecimentos. Muito do que aconteceu a Rene e Elsie Vasquez é descrito no St. Paul Dispatch (31 de Julho de 1982), página 5D e 6D. Os relatos de Sanchez e da sua esposa podem ser obtidos a partir de uma gravação áudio agora distribuída por Bethel Ministries, Drawer CP-258, Manhattan Beach, Califórnia. A informação sobre o caso de Kuilan é de uma carta de apelo de Nestor Kuilan para Lyman Swingle do corpo governante, 6 de Junho de 1980. Contudo, o melhor relato global do que aconteceu na sede da Torre de Vigia na Primavera de 1980 encontra-se em Raymond Franz, Crisis of Conscience [Crise de Consciência] (Atlanta: Commentary Press, 1983), pp. 223-288. Embora as desassociações e eventos que as rodearam sejam de conhecimento público, não há, claro, maneira de verificar declarações sobre observações feitas durante audições perante as comissões judicativas, pois essas são sempre realizadas à porta fechada.

79 St. Paul Dispatch (31 de Julho de 1982), página 5D e 6D.

80 Os comentários de Franz foram gravados electronicamente.

81 Watters, p. 5.

82 Ibid.

83 Ibid., p. 4.

84 Ibid.

85 Veja por exemplo WT, 15 de Janeiro de 1981, pp. 22-28; 1 de Fevereiro de 1981, pp. 17-22; 15 de Fevereiro de 1981, pp. 14-20.

86 Toronto Star, 19 de Fevereiro de 1981, p. G-6.

87 A comunidade de Lethbridge, outras ex-Testemunhas, Estudantes da Bíblia e outros formaram o que é conhecido como Christian Koinonia International e publicam literatura, incluindo The Bible Examiner [O Investigador Bíblico].

88 Toronto Star, 1 de Abril de 1981.

89 Ex-Testemunhas manifestaram-se em numerosos congressos por todos os Estados Unidos no Verão de 1981. Relatos da imprensa apareceram por todo o país. Veja, por exemplo, The Seattle Times, 19 de Julho de 1981.

90 Evening Herald de Dublin, 22 de Novembro de 1982, p. 18.

91 Nesse ano tiveram um aumento mundial de 0,5 porcento. Anuário de 1980, p. 30.

92 Anuário de 1981, p. 30.

93 Ibid., p. 31.

94 Ibid., p. 32.

94a Isto foi escrito em 1985. Frederick W. Franz morreu em 1992. [N. do T.]

95 Watters, p. 3.

96 Ibid.

97 Ibid.

98 Veja por exemplo o artigo 'O "mordomo" diante do Har-Magedon' na Sentinela de 15 de Junho de 1982, pp. 25-31. Nesse artigo o escritor da sociedade dá uma interpretação alegórica de Isaías 22:15-25. Eliaquim, filho de Hilquias, é descrito como um 'tarugo num lugar duradouro' que prefigura o 'restante ungido' ou a classe do 'mordomo fiel, o discreto'. Curiosamente, porém, a Comissão de Redacção escolheu não comentar Isaías 22:25, embora a Sentinela de 15 de Junho o cite no artigo 'O "mordomo" diante do Har-Magedon'. Esse versículo diz: '"Naquele dia", é a pronunciação de Jeová dos exércitos, "o tarugo pregado num lugar duradouro será removido, e terá de ser cortado e terá de cair"'. Então, evidentemente, se a interpretação alegórica deles deve ser alargada, pela sua própria lógica os escritores da Torre de Vigia esperam que o 'restante ungido' seja 'cortado' e 'caia'. Claro que eles não pretendem dizer isso, mas o artigo em questão está tão mal escrito que é extremamente difícil fazer com que tenha qualquer sentido.

99 WT, 15 de Junho de 1982, p. 28.

100 WT, 15 de Novembro de 1974, pp. 686, 687.

101 Veja 'Quando um parente é desassociado...', pp. 22-27 [edição em português].

102 WT, 1 de Janeiro de 1984, p. 21.

103 Segundo estatísticas publicadas no Nosso Serviço do Reino (edição americana) para Novembro e Dezembro, houve 588.503 publicadores em Agosto, mas em Setembro houve apenas 541.185.


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