Apocalipse Adiado: A História das Testemunhas de Jeová (Toronto: University of Toronto Press, 1997, segunda edição) de M. James Penton (1932-), pp. 303-306.

Conclusão

M. James Penton


Nenhuma religião no mundo moderno demonstra o tremendo poder das ideias milenaristas de forma mais óbvia do que as Testemunhas de Jeová, mesmo no que tem sido frequentemente chamado 'era secular'. Esta religião mostra a predisposição de milhões de pessoas para confiar na autoridade profética de certos indivíduos ou de um grupo, mesmo apesar do facto de as suas profecias se terem revelado falsas vez após vez. Isso também indica como, usando uma escatologia baseada em datas, que tem prometido desde há muito tempo grandes recompensas -- tantos espirituais como materiais -- para a comunidade dos Estudantes da Bíblia/Testemunhas, homens como Charles Taze Russell, Joseph Franklin Rutherford e os seus sucessores passaram a deter uma influência quase 'Orwelliana' sobre essa comunidade.

Mas ainda tem de se fazer a pergunta: Como é que isto pode acontecer? Ao contrário de Tertuliano, as Testemunhas de Jeová não proclamam uma fé baseada no absurdo; elas são racionalistas par excellence. Claro que muitas Testemunhas comuns simplesmente desconhecem o fracasso das profecias apocalípticas feitas pela Watch Tower Society no passado e as muitas contradições lógicas que sempre estiveram presentes nos ensinos da Sociedade. Poucas têm idade suficiente ou estiveram associadas com as Testemunhas há tempo suficiente para estarem a par da sua história inicial, e não são encorajadas a examinar o assunto. Quanto às doutrinas, a menos que se faça um estudo concentrado delas, é difícil perceber mesmo um pequeno número de incongruências, paradoxos e distorções flagrantes da verdade histórica que têm estado e ainda estão presentes nelas. No entanto, a ignorância não é o único factor que mantém as Testemunhas de Jeová leais à Watch Tower Society. Tal como muitas seitas cristãs, as Testemunhas já há muito tempo que acham que só elas são o 'Israel espiritual', sucessores do Israel natural. Assim, embora as mais sofisticadas e bem informadas dentre elas estejam a par de muitos dos sérios problemas doutrinais e organizacionais criados, em última análise, pela escatologia baseada no estabelecimento de datas da sua organização, elas muitas vezes argumentam que embora os seus líderes possam ser 'iníquos', tal como muitos reis do antigo Israel e Judá, Deus está de algum modo a guiar e a dirigir a sua comunidade, a sua 'nação', para um propósito divino especial. Eles defendem que por fim Jeová limpará a sua organização e removerá aqueles que os governaram com severidade e injustiça. Tal como alguns dos trabalhadores do Betel de Brooklyn no Outono de 1979, eles esperam que 'o Rei Saul morra'. A este respeito, é instrutivo notar que enquanto alguns dos que foram classificados como 'apóstatas' pela Watch Tower Society deixaram voluntariamente as Testemunhas de Jeová, a esmagadora maioria foi afastada por importunação ou por excomunhão.

Porém, há outros factores que levam a maioria das Testemunhas a permanecer leais aos seus líderes e à Sociedade. Eles são, conforme Joseph Zygmunt indicou, um 'grupo de contraste' que vive em negação do mundo e que está espantosamente isolado psicologicamente das sociedades mais amplas nas quais vivem. Como consequência disso, a Testemunha média está tão preocupada com os males deste 'velho mundo moribundo' e com o seu envolvimento em fazer proselitismo aos seus vizinhos que normalmente tem pouco tempo ou desejo de examinar objectivamente a sua fé ou comunidade. Mesmo que ela desejasse fazê-lo, correria o perigo de ser disciplinada, 'marcada', ou desassociada e afastada da comunidade como sendo um apóstata. Assim, conforme a Watchtower de 1.º de Janeiro de 1984 diz, 'Testemunhas leais nem sequer "tocam" em tal apostasia.'1

Sem dúvida, também a perseguição externa, um senso geral de alienação do mundo e as críticas correntes dos chamados apóstatas criaram uma mentalidade de sítio entre as Testemunhas de Jeová. Em consequência disso, elas estão agora afligidas, como não ocorria anteriormente desde a Segunda Guerra Mundial, com um alto grau daquele tipo de paranóia milenarista descrita tão bem por Norman Cohn2 e discutida de forma tão completa por Richard Hofstadter no que agora quase se tornou uma interpretação histórica clássica -- o seu The Paranoid Style in American Politics [O Estilo Paranóico na Política Americana]. Tal como a direita política tanto na Grã-Bretanha como nos Estados Unidos e o actual regime fundamentalista muçulmano no Irão, os líderes das Testemunhas reduziram todos os assuntos 'a uma batalha entre a influência do Bem e do Mal', eles manifestam 'qualidades de exagero exaltado, suspeitas e fantasias conspiracionistas', e imitam a conduta passada ou presente de organizações como a Igreja de Roma ou o partido Comunista ao seguirem práticas inquisitoriais e ao realizarem purgas.3 Embora as suas atitudes e acções tenham causado muita turbulência no seio da comunidade das Testemunhas e alienação em relação a essa comunidade, eles têm conseguido reunir o apoio da maioria dos seus seguidores que agora 'se mantêm atarefados no serviço do reino'.

Isto não significa que eles não continuam a perder uma larga porção dos seus membros tanto para a 'apostasia' como para a 'impureza moral'. Isso continua a acontecer, e eles estão profundamente preocupados com isso.4 No entanto, enquanto eles converterem mais pessoas do que as que perdem e o número total de membros continuar a crescer, os seus líderes parecem estar determinados a manter o rumo que, em geral, têm seguido desde que o Juiz Rutherford criou 'a Teocracia' nas décadas de 1920 e 1930.5

Então, qual é a situação das Testemunhas de Jeová hoje? O movimento delas sofre de problemas internos significativos. Logo na década de 1960 elas começaram a sentir 'uma tensão insuportável nas estruturas de gestão da Watch Tower.'6 e desde então não tem havido desenvolvimentos satisfatórios que amenizem o que continua a ser um problema crescente. A liderança delas está envelhecida e parece muito incapaz de desenvolver novas ideias. De facto, desde 1978 eles tentaram, com grande sucesso, fazer as condições recuar para as que existiam na década de 1960 e em alguns casos até para as que existiam na era de Rutherford. Além disso, os ataques contínuos sobre os dissidentes e sobre os que violam a rigidez moral da Watch Tower causam tensões contínuas a nível congregacional e uma apreciável quantidade de publicidade desfavorável que a longo prazo poderá ter sérias consequências negativas para o movimento. Pessoas desassociadas estão-se a voltar cada vez mais para os tribunais seculares com processos contra anciãos locais, contra a Watch Tower Society, e contra o corpo governante das Testemunhas de Jeová;7 e se o movimento começasse a perder esses processos, os efeitos poderiam ser dispendiosos tanto em termos monetários como em prestígio. Ao mesmo tempo, alguns governos seculares estão a ficar cada vez mais preocupados com aquilo que vêem como sendo acções extremas de várias seitas e cultos religiosos (incluindo as Testemunhas de Jeová), e no Canadá o governo federal propôs recentemente legislação que, se tivesse sido aprovada, teria limitado o seu poder de excomungar.8

Conversamente, o movimento parece estar a conseguir alguns sucessos notáveis. A preocupação por causa do fracasso de 1975 agora parece estar largamente esquecida ou, entre os convertidos mais recentes, desconhecida. Assim, em 1984 as Testemunhas de Jeová tiveram uma taxa de crescimento de 7,1% no número de publicadores regulares (mensais) em relação ao ano 1983 e contaram um total de 7.416.974 pessoas na sua celebração anual (na Primavera) do Memorial da Ceia do Senhor. Embora a maior parte desse crescimento tenha ocorrido em sítios como o México, Japão, Brasil, e Itália, mesmo na Austrália, Grã-Bretanha, Canadá, e nos Estados Unidos houve aumentos impressionantes no número de novos convertidos.9

Como seria de esperar, estes sucessos são usados pela Watch Tower Society para afirmar que Jeová ainda está a abençoar as suas Testemunhas, e tudo está essencialmente bem com a sua organização. Consequentemente, mesmo algumas ex-Testemunhas como Raymond Franz esperam poucas mudanças ou reformas no movimento. Franz acredita que aqueles que sucederão à actual liderança da Watch Tower estão tão comprometidos com as actuais políticas como estes; e acha que eles conseguirão inventar uma nova doutrina que lhes permitirá abandonar o seu ensino que diz que o mundo tem de acabar antes que morra a geração que tinha idade suficiente para testemunhar os eventos de 1914.10

A curto prazo, Franz provavelmente tem razão. Mas qualquer afastamento da 'data-âncora' de 1914 certamente terá grandes repercussões, especialmente agora que ex-Testemunhas estão a fazer análises devastadoras sobre a prática da Watch Tower de estabelecer datas. Mais significativo, contudo, é o facto de que se o crescimento das Testemunhas continuar como no último ano ou dois, a actual organização hierárquica da Watch Tower tornar-se-á cada vez menos satisfatória em sentido administrativo. James Beckford reconheceu em 1977 que 'o enorme influxo de novas Testemunhas criou dificuldades organizacionais que requerem uma estrutura de relações de autoridade mais flexível e menos remota',11 e isto é mais verdadeiro hoje do que em 1977. Portanto, futuramente, quer gostem ou não, os líderes das Testemunhas podem ter de abandonar algum do seu controlo apertado sobre a comunidade das Testemunhas. Quando e se isso acontecer, mudanças de natureza importante seguir-se-ão quer elas queiram ou não, como ocorreu na Igreja de Roma depois do Concílio Ecuménico Vaticano Segundo.

Também é muito pouco provável que a Watch Tower Society consiga manter o alto nível de dedicação entre as Testemunhas fiéis durante qualquer período de tempo sem estabelecer outra data apocalíptica iminente como objectivo pelo qual se empenhar. Porém, fazer isso poderia ser muito perigoso. Por fim, é difícil acreditar que a Sociedade conseguirá continuar o seu actual sistema de coerção 'judicial', com todos os seus sérios efeitos pessoais, familiares, organizacionais, e sociais sem incorrer em custos que são demasiado altos e que não compensam. Por outras palavras, se a Sociedade for o objecto de muito litígio ou interferência governamental directa, terá de suavizar ou abolir as suas tácticas coercivas ou enfrentar sérias consequências legais de um tipo que não pode suportar.

Assim, embora seja sempre arriscado predizer o futuro, é razoável acreditar que embora a curto prazo as Testemunhas de Jeová manterão o seu estilo sectário adverso ao mundo, eventualmente serão obrigadas a fazer as pazes com o mundo que hoje elas gostariam tanto de ver destruído. Isto é, a menos que a Humanidade como um todo seja surpreendida por aquele grande apocalipse ou batalha do Armagedom que não apenas as Testemunhas de Jeová mas também muitos outros encaram como sendo uma possibilidade real durante os últimos dias do século XX.


Notas

1 Página 30.

2 Norman Cohn, The Pursuit of the Millennium [A Busca do Milénio] (Londres: Oxford University Press, 1957), pp. 309-310; veja também pp. 58-74.

3 Richard Hofstadter, The Paranoid Style in American Politics and Other Essays [O Estilo Paranóico na Política Americana e Outros Ensaios] (Nova Iorque: Alfred A. Knopf, 1965), pp. xii, 3, 5, 21, 22.

4 WT, 1984, p. 30.

5 Ibid, pp. 8-13.

6 James Beckford, 'Jehovah's Witnesses World-Wide', em Social Compass, 24:1 (1977), p. 14.

7 Veja, por exemplo, o Calgary Herald, de 13 de Dezembro de 1983, BI. Nos Estados Unidos várias ex-Testemunhas lançaram uma série de processos contra anciãos das Testemunhas, contra a Watch Tower Society, e contra o corpo governante das Testemunhas de Jeová.

8 A legislação originalmente proposta tornaria ilegal que qualquer organização voluntária expulsasse membros por qualquer coisa não considerada ilegal sob a lei canadiana. Embora a proposta de lei em questão tenha sido modificada devido a pressão das igrejas e de várias organizações religiosas que argumentavam que isso envolvia o Estado em assuntos geralmente considerados fora da sua jurisdição, alguma versão modificada da proposta de lei ainda pode ser apresentada ao Parlamento.

9 WT, 1.º de Janeiro de 1985, pp. 20-23.

10 Raymond Franz, Crisis of Conscience [Crise de Consciência] (Atlanta: Commentary Press, 1983), pp. 336-355.

11 Página 17.


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