Parte 4: Cortejando o Favor de Hitler: A Declaração de 25 de Junho de 1933

Mehmet Aslan, Grenzach-Wyhlen (Alemanha)


Na edição de 22 de agosto de 1995 da revista Despertai!, página 4, diz-se:

"Em retrospecto, pode-se dizer que o choque entre as Testemunhas de Jeová e o nazismo, ou nacional-socialismo, era totalmente inevitável." (Despertai!, 22 de agosto de 1995, p. 4)

De fato, não há dúvida absolutamente nenhuma que o choque era inevitável. Embora as Testemunhas de Jeová tivessem tomado uma posição a favor do serviço militar e tivessem participado na iníqua campanha de ódio contra os judeus, esta associação aborrecia Hitler intensamente. Talvez isso se devesse ao fato de a 'mãe' americana apoiar a 'filha' alemã.

Em 24 de junho de 1933 as Testemunhas de Jeová e a sua organização foram banidos. (A causa para esse banimento será estudada na Parte 5). No dia seguinte, as Testemunhas de Jeová realizaram um congresso em Berlim-Wilmersdorf -- sendo o objetivo, agora que estavam banidas, proclamar publicamente que as Testemunhas de Jeová -- exceto pelas suas opiniões religiosas -- estavam em completa harmonia com o regime de Hitler e APOIAVAM-NO.

Na seqüência da assembléia de Berlim, foi lançada uma campanha de ódio na forma de um tratado e foi publicada uma Declaração [ou carta] para o Chanceler do Reich -- que não era outro senão o próprio Hitler.

Para as Testemunhas de Jeová hoje, o conteúdo da carta é profundamente repulsivo. Eis o que a carta dizia:

"SOCIEDADE TORRE DE VIGIA
"DE BÍBLIAS E TRATADOS
"EDITORES DA ASSOCIAÇÃO DOS ESTUDANTES DA BÍBLIA

"ESCRITÓRIOS GERAIS: RAMO ALEMÃO:
"117 ADAMS STREET WACHTTURMSTR: 1-19
"BROOKLYN MAGDEBURG
"NEW YORK, USA POSTSCH.-K.: MAGDEBURG 4042

"TELEPHONE, MAGDEBURG 405 56, 405 57, 405 58
"RADIO AND CABLE ADDRESS: WATCHTOWER MAGDEBURG

"Caro Chanceler,

"Em 25 de Junho de 1933, no Sporthalle Wilmersdorf, em Berlim, houve uma conferência de aproximadamente 5.000 Estudantes da Bíblia (Testemunhas de Jeová), representando diversos milhões de alemães que são amigos e seguidores deste movimento por muitos anos. O objetivo desta conferência, à qual compareceram representantes de todas as comunidades de estudantes da Bíblia da Alemanha, foi encontrar meios e formas de informar ao Chanceler, bem como a outras altas autoridades do Reich alemão e o governo de seus países individuais do que se segue:

"Em diversas partes do país, ações estão sendo tomadas contra uma corporação de sérios cristãos, homens e mulheres, que tem no cristianismo positivo o seu fundamento. Devido à sua origem, tais ações só podem ser descritas como perseguição de cristãos contra outros cristãos, já que as acusações -- as quais tem levado a tais ações contra nós -- provêm primariamente de clérigos, especialmente católicos, e são inverídicas.

"Estamos absolutamente convencidos da imparcialidade das autoridades do governo que lidam com esta situação. Ainda assim, concluímos que o conteúdo de nossa literatura e o propósito de nosso movimento são amplamente mal interpretados em razão das acusações dirigidas a nós por nossos opositores religiosos e que poderiam resultar em um ponto de vista deturpado. Isto também poderia se dever ao volume de nossa literatura e a alta sobrecarga de trabalho sobre os respectivos funcionários.

"Por esta razão, os assuntos discutidos na conferência foram expostos na forma de uma declaração da Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, a fim de informá-lo, Sr. Chanceler, bem como as altas autoridades do Reich Alemão e seus países, com um documento, do fato de que os Estudantes da Bíblia da Alemanha têm apenas um objetivo em seu trabalho, a saber, conduzir as pessoas de volta a Deus e ser testemunhas do nome de Jeová, o altíssimo, o pai de Nosso Senhor e redentor aqui na terra, Jesus Cristo. Estamos convencidos de que o Sr. Chanceler não permitirá que tais atividades sejam perturbadas.

"As congregações dos Estudantes da Bíblia da Alemanha e seus membros são, em geral, conhecidos como respeitáveis defensores do Altíssimo e zelosos estudantes da Bíblia. As autoridades policiais locais deverão atestar o fato de que os Estudantes da Bíblia têm de ser contados dentre os elementos do país e seu povo que são conhecidos pelo seu amor e apoio à ordem. Sua única missão é conduzir os corações humanos a Deus.

"A Torre de Vigia de Bíblias e Tratados (situada em Magdeburg/Alemanha) é o centro organizador da missão dos Estudantes da Bíblia.

"A sede de Brooklyn da Sociedade Torre de Vigia é -- e sempre tem sido -- extremamente amigável à Alemanha. Em 1918, o presidente da sociedade e sete membros da diretoria nos Estados Unidos, foram sentenciados a 80 anos de prisão, por motivo de que o presidente se recusou a permitir que duas revistas nos Estados Unidos, as quais ele editava, fossem usadas para fazer propaganda de guerra contra a Alemanha. Estas duas revistas, "A Sentinela" e "Estudante da Bíblia" (mensal), foram as únicas revistas nos Estados Unidos que se recusaram a publicar propaganda anti-germânica e, por esta razão, foram proibidas e suprimidas na América durante a guerra.

"Da mesma maneira, no curso dos meses recentes, o conselho de diretores de nossa sociedade não apenas recusou engajar-se em propaganda contra a Alemanha, mas até tomou posição contra isto. A declaração anexa assinala este fato e enfatiza que as pessoas na liderança de tal propaganda de horror nos Estados Unidos (homens de negócios judeus e católicos) são também os mais severos perseguidores do trabalho de nossa sociedade e seu conselho de diretores. Esta e outras declarações destinam-se a repudiar a injuriosa acusação de que os Estudantes da Bíblia são apoiados pelos judeus.

"A conferência de 5.000 delegados recebeu a declaração do governador em Magdeburg com grande satisfação, o qual disse não se poder provar que haja qualquer relação entre os Estudantes da Bíblia e os Comunistas ou Marxistas, como foi declarado por nossos opositores religiosos (o que quer dizer que tais declarações não passam de injúria). Uma reportagem de imprensa no Magdeburg Daily News n.º 104, de 5 de Maio de 1933, diz:

""A declaração do governo referente à ocupação da sede dos Estudantes da Bíblia: O departamento de Imprensa emitiu a seguinte informação: 'A Ocupação da propriedade da Sociedade dos Sérios Estudantes da Bíblia em Magdeburg foi suspensa em 29 de Abril, já que nenhum material que confirmasse as atividades comunistas foi encontrado'."

"Outra reportagem no Magdeburg Daily News n.º 102, de 3 de Maio de 1933, diz:

""O escritório dos Estudantes da Bíblia informou-nos que as ações tomadas contra a Sociedade Torre de Vigia e a Sociedade dos Estudantes da Bíblia foram abolidas. Toda a propriedade foi devolvida já que uma ampla revista resultou em que nada pode ser afirmado contra esta sociedade, seja por atividades políticas ou criminosas. Também concluiu-se que ambas as sociedades são de natureza absolutamente apolítica e religiosa. A pedido, o governo confirmou a correção de tais declarações."

"A conferência de 5.000 delegados enfatizou que, em face destas circunstâncias, considerou aquém de sua dignidade até mesmo defender-se, no futuro, de quaisquer acusações desonrosas sobre atividades marxistas ou mesmo comunistas. Tal injúria refutada de nossos opositores religiosos indubitavelmente carrega o sinal da competição religiosa. O objetivo deles é sufocar um proclamador honesto por meios repulsivos ao invés de pelo uso da palavra de Deus.

"A conferência de 5.000 delegados também afirmou -- como expresso na declaração -- que os Estudantes da Bíblia da Alemanha estão lutando pelos mesmos elevados objetivos éticos e ideais, os quais o governo nacional do Reich Alemão proclamou no que se refere à relação dos humanos com Deus, isto é: a honestidade do ser criado em relação ao seu criador.

"A conferência chegou à conclusão de que não há quaisquer divergências entre os Estudantes da Bíblia da Alemanha e o governo nacional do Reich Alemão. Ao contrário, em relação aos objetivos puramente religiosos e apolíticos e o empenho dos Estudantes da Bíblia, pode-se dizer que estão em pleno acordo com os objetivos idênticos do Governo Nacional do Reich Alemão.

"Em razão do suposto linguajar áspero de nossa literatura, alguns de nossos livros foram banidos. A convenção de 5.000 delegados salientou que o conteúdo de nossos livros que foram desaprovados referiam-se apenas a circunstâncias no Império Mundial Anglo-americano e que este -- especialmente a Inglaterra -- deve ser responsabilizado pela Liga das Nações, pelo tratamento injusto e pelos fardos impostos à Alemanha. As coisas ditas no espírito acima mencionado são, desta forma, dirigidas -- quer em sentido financeiro, político ou Católico Romano -- contra os opressores do país e do povo alemão, não contra a Alemanha combatendo estes fardos. De modo que esta proscrição (contra a literatura dos Estudantes da Bíblia) não faz sentido.

"Em algumas partes do país os Estudantes da Bíblia são proibidos até mesmo de se reunirem para orações e serviços religiosos e, por muitas semanas, esperam por uma solução para esta situação, a qual é sufocante para suas vidas religiosas. Sobre esta situação, foi expresso o seguinte:

""Nós queremos viver de acordo com a proibição a nós imposta, pois estamos confiantes de que o Sr. Chanceler e o alto governo irão suspender tal proibição -- a qual força dezenas de milhares de homens e mulheres cristãos ao martírio que só pode se comparar ao dos primitivos cristãos -- após terem obtido entendimento da real situação."

"Finalmente, a conferência de 5.000 delegados expressou que tanto os Estudantes da Bíblia quanto Organização Torre de Vigia são pela manutenção da ordem e da segurança dentro do estado, bem como pela promoção dos elevados ideais do Governo Nacional no campo da religião. A fim de dar a conhecer tais coisas ao Sr. Chanceler e às outras altas autoridades do Reich, os sentimentos acima expressos de forma resumida foram expostos em detalhes na declaração anexa.

"A Declaração anexa foi lida pelo secretário aos 5.000 delegados da conferência dos Estudantes da Bíblia. Ela foi aprovada unanimemente e adotada com a instrução de se enviar uma cópia simples da mesma, juntamente com este relato da conferência, ao Sr. Chanceler e todos os outras altas autoridades do governo do Reich e seus países.

"Isto é feito com o mais respeitoso apelo de que o pedido expresso na declaração, seja recebido com favor: Ou seja, que uma comissão composta por nossos membros tenha a oportunidade de, pessoalmente, explicar a verdadeira situação ao próprio Sr. Chanceler ou ao ministro de assuntos internos. Alternativamente, pedimos ao Sr. Chanceler que designe uma comissão de homens que não tenham qualquer preconceito religioso contra nós -- homens que não tenham interesses profissionais religiosos, mas que estejam apenas interessados em aderir aos justos princípios como foram estabelecidos pelo próprio Chanceler -- para investigar nossa situação imparcialmente. Os princípios mencionados referem-se ao parágrafo 24 do programa do Partido Nacional socialista dos Trabalhadores Alemães (partido nazista), que diz:

""Nós reclamamos a liberdade de todas as denominações religiosas dentro do estado, conquanto que elas não ponham o próprio estado em perigo ou violem os valores morais da raça germânica.

"O partido, como tal, representa o ponto de vista do cristianismo positivo sem estar ligado a qualquer denominação particular. Ele luta contra o espírito judeu-materialista de dentro e de fora do país e está convencido de que uma recuperação duradoura de nosso povo só pode provir de dentro para fora."

"Estamos plenamente convencidos de que, uma vez tenhamos sido julgados imparcialmente, com base, primeiro, na palavra de Deus e, segundo, nos parágrafos acima mencionados, o governo nacional da Alemanha não encontrará qualquer razão para impedir nossos serviços religiosos e atividades missionárias.

"Ansiosos por sua gentil aprovação, a qual esperamos receber em breve, desejamos afirmar nossa mais alta estima ao honorável Sr. Chanceler.

"Sinceramente,
"Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados
"Magdeburg"

[Fonte: The Christian Quest, Vol. 3, No. 1, p. 77 e seguintes. Tradução para português de Odracir.]

A frase em que dizem: "Nós reclamamos a liberdade de todas as denominações religiosas dentro do estado, conquanto que elas não ponham o próprio estado em perigo ou violem os valores morais da raça germânica" estava em plena harmonia com o parágrafo 24 do programa do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães [partido nazista]. Esse parágrafo era a declaração de guerra contra pessoas de origem ou crença judaica. Para enfatizar a sua posição anti-semita, as Testemunhas de Jeová também lançaram a campanha de ódio com o tratado.

Todas estas coisas não soam como se as Testemunhas de Jeová tivessem encarado seriamente as admoestações da Bíblia e da sua própria consciência a respeito da proteção da dignidade humana.

No entanto, não adiantou às Testemunhas de Jeová terem cortejado o favor de Hitler. Hitler continuou inflexível, e de uma forma cruel e desumana perseguiu essa associação -- tal como fez com todos aqueles que não se adaptavam às maquinações e ilusões dele.


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