Apocalipse Adiado: A História das Testemunhas de Jeová (Toronto: University of Toronto Press, 1997, segunda edição) de M. James Penton (1932-), pp. xiii-xxviii, pp. 1-2.

Prefácio

M. James Penton


O prefácio de um autor não devia ser uma apologia pro vita sua, mas este tem de o ser, pelo menos em parte. O motivo é que há uns oito anos eu escrevi o livro Jehovah's Witnesses in Canada: Champions of Freedom and Worship [Testemunhas de Jeová no Canadá: Campeões da Liberdade e da Adoração], uma obra que é muito diferente do presente volume no tom. Consequentemente, é devida alguma explicação àqueles leitores que se podem interrogar por que é que nesse livro eu apresento uma visão muito favorável sobre as Testemunhas e neste apresento uma visão muito mais crítica.

Os factos são os seguintes: O meu bisavô, Henry Penton, tornou-se num Estudante da Bíblia, nome pelo qual as Testemunhas de Jeová eram então conhecidas, por volta de 1900. Pouco tempo depois, a minha avó, Margaret Thomas Penton, também se converteu; e depois, através dela, todos os membros da minha família imediata se tornaram Testemunhas de Jeová. Em resultado disso, os meus avós e pais sofreram muito durante as duas guerras como membros de uma religião que, no Canadá, estava sob restrição governamental durante a Primeira Guerra Mundial e sob proscrição definitiva durante a Segunda Guerra Mundial. Assim, cresci num lar de Testemunhas e senti pessoalmente muitos dos eventos que descrevo em Jehovah's Witnesses in Canada e também no presente estudo.

Ao longo dos anos, servi em muitas capacidades em congregações das Testemunhas de Jeová nos Estados Unidos, Porto Rico e Canadá. Entre 1973 e 1979 fui ancião das Testemunhas na comunidade onde tenho actualmente o meu lar, Lethbridge, Alberta [Canadá]. Portanto é muito natural que eu decidisse escrever um livro sobre as Testemunhas no Canadá e, em particular, sobre a sua longa luta pela liberdade religiosa sob a lei canadiana.

Conforme penso ter demonstrado em Jehovah's Witnesses in Canada, a comunidade das Testemunhas teve um impacto muito importante na lei canadiana, facto também reconhecido por membros dos meios jurídicos canadenses tão conhecidos como o falecido Jean-Charles Bonenfant, Walter Tarnopolsky e Thomas Burger. No que diz respeito à sociedade em geral, elas foram definitivamente 'campeões da liberdade de expressão e de adoração'. Além disso, enquanto minoria oprimida, por vezes elas estavam sinceramente preocupadas com as liberdades civis e direitos de outros. Mas nesse estudo anterior, eu não discuti outra faceta das Testemunhas de Jeová -- o facto de em muitos sentidos elas se parecerem com os Puritanos Ingleses e da Nova Inglaterra do século dezassete que, ao mesmo tempo que estavam dispostos a lutar contra as tiranias de uma igreja estabelecida e de um rei despótico no nome da liberdade cristã, estavam igualmente dispostos a ser tirânicos para com dissidentes nas suas próprias fileiras.

A seguir à publicação de Jehovah's Witnesses in Canada, o Professor Herbert Richardson do St Michael's College da University of Toronto instou comigo para que realizasse um estudo que serviria como perspectiva geral da história, doutrina e comunidade das Testemunhas. Contudo, à medida que comecei a investigar a história do movimento nos Estados Unidos de um modo que não tinha feito previamente, fiquei com cada vez mais dúvidas sobre as alegações tradicionais das Testemunhas no que diz respeito à autoridade espiritual. Além disso, tomei conhecimento dos estudos que estavam sendo feitos por alguns académicos Testemunhas, como Richard Rawe, de Salt Lake, Washington; Jerry Bergman, de Bowling Green, Ohio; e Carl Olof Jonsson, de Partille, Suécia. Todos eles estavam a descobrir informações que tornavam certos aspectos da doutrina das Testemunhas inacreditáveis para muitos de nós que trabalhávamos no campo.

Ainda assim, tal como esses homens e muitos outros -- que, praticamente sem excepção, foram excomungados ou renunciaram às Testemunhas de Jeová -- eu estava muito relutante a deixar a comunidade na qual fora criado. Com o passar do tempo não tive alternativa. À medida que eu viajava por todo o Canadá e Estados Unidos fazendo a minha investigação, fui-me apercebendo cada vez mais das severas punições a que Testemunhas individuais estavam sendo sujeitas em todo o lado pelos seus líderes quando diferiam de algum modo das doutrinas ou políticas organizacionais oficiais, ou até quando pessoalmente incorriam no desfavor de alguém em posição de autoridade na organização. Em resultado disso, viajei para a sede mundial das Testemunhas de Jeová em Brooklyn, Nova Iorque, no Verão de 1979, simultaneamente para continuar a minha investigação e para expressar um sentimento de preocupação e frustração sobre o que estava a ocorrer no interior da comunidade das Testemunhas a Raymond Franz, que nessa altura era membro do corpo governante das Testemunhas de Jeová e homem que eu conhecera pela primeira vez e aprendera a respeitar enquanto ensinava na University of Puerto Rico, em 1959.

A minha deslocação a Brooklyn foi desoladora. Embora todos os que encontrei na sede de Brooklyn fossem basicamente leais ao movimento, havia muitos que, tal como eu, acreditavam que as Testemunhas de Jeová precisavam de passar por uma reforma ou, no mínimo, uma renovação espiritual. Porém, o corpo governante não parecia estar preparado para escutar qualquer conselho do exterior. Raymond Franz admitiu que tinha conhecimento de muitos dos problemas sérios que eu descrevi, mas ele pediu-me para ser paciente. No entanto, isso era algo que eu já não podia fazer de boa consciência. Consequentemente, depois de regressar a casa, em Agosto de 1979, decidi expressar por escrito para a liderança das Testemunhas como um todo as minhas preocupações e críticas sobre o que estava a ocorrer na comunidade das Testemunhas em geral -- decisão que, depois de um ano de grande labuta pessoal, levou à minha desassociação pública ou excomunhão das Testemunhas de Jeová, sob acusações equivalentes a heresia.

Estes acontecimentos levaram-me a parar a minha investigação e escrita durante algum tempo. Além de achar necessário continuar a minha própria reorientação espiritual em desenvolvimento e dar muito tempo e atenção a muitos outros que foram forçados a deixar a comunidade das Testemunhas quando ficaram comigo, senti que devia deixar passar algum tempo antes de completar o presente trabalho. Dessa forma, eu esperava poder recuperar alguma da objectividade que inevitavelmente se perde durante um período de grande crise espiritual. Com o passar do tempo, contudo, peguei na minha caneta e completei Apocalypse Delayed: The Story of Jehovah's Witnesses [Apocalipse Adiado: A História das Testemunhas de Jeová].

Os meus leitores decidirão se consegui ser justo e razoavelmente objectivo na minha apresentação. No entanto, há alguns pontos que gostaria de salientar. Ao apresentar a informação, tentei documentar as minhas declarações escrupulosamente. Quando alguma informação específica que apresento não é adequadamente documentada ou não é do conhecimento público, tentei sempre classificá-la como rumor. No que diz respeito ao tratamento das doutrinas das Testemunhas, evitei tomar uma posição definitiva, excepto onde pode ser demonstrado que estas doutrinas são certas ou erradas, historicamente, empiricamente ou logicamente. Não é da responsabilidade de um historiador, que é o que sou em primeiro lugar, argumentar a partir de uma posição doutrinal particular. A questão de saber se as doutrinas das Testemunhas são 'ortodoxas' ou 'heterodoxas' de um ponto de vista religioso é pouco relevante para um historiador enquanto tal. No entanto, também não tenho que apresentar uma apologia devido ao facto de fazer o que espero que sejam avaliações com conhecimento de causa derivado tanto da minha própria experiência como da minha investigação. Isto não é só o meu direito; é o meu dever.

É necessário dizer algumas palavras sobre a organização de Apocalipse Adiado. Conforme se pode constatar, está dividido em três partes: a primeira, histórica; a segunda, conceptual e doutrinal; a terceira, sociológica e psicológica. Esta estrutura, é claro, foi adoptada com um propósito especial. Estudos anteriores sobre as Testemunhas de Jeová usaram os mesmos géneros académicos, mas geralmente misturaram-nos de tal modo que é difícil distinguir a abordagem em qualquer momento específico. Portanto, para evitar este problema, tentei separar discretamente os vários géneros disciplinares que usei ao examinar as Testemunhas de Jeová.

Naturalmente, tenho uma grande dívida para com aqueles que estudaram as Testemunhas de Jeová antes de mim. Em particular, aprendi muito da perspicácia de homens como William Cumberland, Joseph Zygmunt, Alan Rogerson, James Beckford, Melvin Curry, Gérard Hébert, Quirinus Munters, Bryan Wilson e muitos outros que examinaram as Testemunhas de um ponto de vista académico, em vez de apologético ou polémico. Acima e para além destes, porém, baseei-me muito no excelente estudo de Timothy White, A People for His Name [Um Povo para o Seu Nome].

Como todos os acima citados, excepto Cumberland, Hébert e White, são sociólogos profissionais, baseei-me muito nos seus trabalhos, especialmente nos capítulos 8 e 9, sobre organização e comunidade. Embora tenha tentado desenvolver algumas perspectivas novas nesses capítulos, baseado tanto em estudos académicos como no meu conhecimento em primeira mão sobre as Testemunhas de Jeová, não tentei criar quaisquer teorias sociológicas novas ou profundas. Penso que isso deve ser feito -- se é que há de ser feito -- por alguém com capacidades como cientista social muito maiores do que as que tenho ou alguma vez terei. Ainda assim, espero que alguma da informação que providenciei na terceira secção de Apocalipse Adiado possa ser útil a cientistas sociais bem como a pessoas leigas interessadas.

Pela ajuda que me deram em obter informação nova e significativa, devo muito a Richard Rawe, Jerry Bergman, Heather e Gary Botting, Jacques Dupond, Edward Dunlap, Dwane Magnani, Carl Prosser, Willy Holiday e James Parkinson. Contudo, a minha maior dívida de apreço neste assunto é para com Carl Olof Jonsson e Raymond Franz, que foram ambos muito generosos em providenciar informação que só eles possuíam. Raymond Franz também me ajudou muito na leitura de uma versão preliminar deste trabalho para verificar a exactidão, bem como Peter Gregerson e John Poole. Os meus colegas James Tagg, Dean Frease, e Reginald Bibby examinaram a versão preliminar de um ponto de vista académico e o Professor Bibby em particular fez várias sugestões importantes para ajudar a melhorá-la. Outros que merecem menção pela sua ajuda são Herbert Richardson, Moses Crouse, James Beverley, e Edward Orchard e Bahir Bilgin, que deram assistência importante traduzindo materiais de línguas que não domino.

Recebi muita ajuda em obter materiais de pesquisa da University of Lethbridge. Alguns anos atrás a universidade concedeu-me uma bolsa que me permitiu comprar cerca de 1.800 dólares de fontes primárias sobre os Adventistas, Estudantes da Bíblia e Testemunhas de Jeová. Desde então, também tem providenciado outras bolsas pequenas mas muito úteis e recentemente ajudou-me na obtenção uma bolsa do Social Sciences and Humanities Research Council of Canada para a preparação final do meu manuscrito. Mas não é só à universidade que quero expressar os meus agradecimentos; várias pessoas de lá deram-me ajuda especial na preparação do texto de Apocalipse Adiado. Estas incluem Owen Holmes, Lawrence Hoye, Phil Connolly, Ian Newbould, Ellie Boumans, Leanne Wehlage, Lana Cooke, Kerry Bullock e Stan Devitt. Lisa Atkinson ajudou em editar, e a dactilografia final do manuscrito foi feita por Charlene Sawatsky e Evelyn Harris.

Na University of Toronto Press, desejo agradecer a Virgil Duff pelo seu apoio constante e Beverley Beetham-Endersby pelos muitos melhoramentos editoriais que ela fez neste trabalho. Foi um prazer trabalhar com ambos.

Também estou grato tanto ao Social Sciences and Humanities Research Council of Canada como à Canadian Federation for the Humanities. Em particular, agrada-me dizer que este livro foi publicado com a ajuda de uma bolsa da Canadian Federation for the Humanities, usando fundos providenciados pelo Sciences and Humanities Research Council of Canada. Também recebi assistência do Publications Fund of the University of Toronto Press.

Acima de tudo, estou em dívida para com o meu filho David, que me ajudou com muitas sugestões sobre assuntos de estatística em várias partes deste livro, e à minha amorosa esposa, Marilyn. Sem a sua ajuda constante, Apocalipse Adiado nunca teria visto a luz do dia.

M. JAMES PENTON
The University of Lethbridge
Lethbridge, Alberta [Canadá]
Julho de 1984


[imagem]
Nelson H. Barbour. Desenho a tinta por Otto Rapp, baseado num original do século XIX.

[imagem]
Charles T. Russell, aos 27 anos
The Watch Tower Reprints, vol. I (1919)


Charles e Maria Russell, c. 1890
The Jerry Bergman collection

[imagem]
John Paton
The Jerry Bergman collection

[imagem]
J. F. Rutherford
The M. James Penton collection

[imagem]
Leo Greenlees, W. Glen How, Nathan H. Knorr, Percy Chapman -- Montreal 1947
The M. James Penton collection

[imagem]
Betel, Brooklyn, Nova Iorque
Postal da Torre de Vigia (1958)

[imagem]
A maior gráfica ou "fábrica" da Sociedade Torre de Vigia, Brooklyn, Nova Iorque
Postal da Torre de Vigia (1958)


Frederick W. Franz
The Raymond V. Franz collection


Raymond V. Franz
The Raymond V. Franz collection


Uma perspectiva dissidente sobre um ataque a uma das principais doutrinas da Torre de Vigia


APOCALIPSE ADIADO

Salvo indicação em contrário, todas as citações bíblicas são da
Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas


Índice