Probabilidades Aplicadas à Infalibilidade da Bíblia

Kirk Mitchell


De vez em quando, criacionistas e apologistas da Bíblia papagueiam números astronómicos a respeito da probabilidade de os átomos se juntarem espontaneamente para formar a vida. Talvez possamos usar os mesmos instrumentos matemáticos para responder à questão da infalibilidade da Bíblia. Isto envolverá uma pequena lição sobre probabilidades, portanto espero que aqueles leitores que sofrem de fobia da matemática não desistam já.

As probabilidades ajudam-nos a medir as "possibilidades," como no caso do lançamento de uma moeda, lançamento de um dado, ou a saída de uma mão no poker. Também podem ser adaptadas a acontecimentos ou situações em que estamos dispostos a atribuir um valor numérico às possibilidades de um acontecimento ser verdadeiro ou falso. Por definição, a probabilidade de um acontecimento específico ocorrer é igual ao número de casos favoráveis dividido pelo número de casos possíveis. A probabilidade de lançar uma moeda e obter caras é então 1/2 (um caso favorável, caras, a dividir pelos dois casos possíveis, caras e coroas). Este valor pode ser expresso sob a forma decimal (0.5) ou como uma percentagem (50%).

A probabilidade de um acontecimento que é certo é 1 (um), ao passo que a probabilidade de um acontecimento que é impossível é 0 (zero). Podemos assim exprimir uma estimativa de um acontecimento como uma percentagem entre 0% e 100%. Se somarmos acontecimentos independentes, as coisas começam a ficar muito interessantes. Um acontecimento é independente de outro se o seu resultado não influenciar o resultado do outro. A probabilidade de uma sequência de acontecimentos (por exemplo, a probabilidade de lançar duas moedas e obter caras em ambas) obtém-se multiplicando as probabilidades de cada um dos acontecimentos independentes. Por exemplo, vimos acima que as hipóteses de obter cara no lançamento de uma moeda são 1/2, portanto se duas moedas forem lançadas simultaneamente, a probabilidade de obter caras em ambas as moedas é 1/2 x 1/2 = 1/4, ou seja, uma possibilidade em quatro. (Se as duas moedas forem lançadas quatro vezes, é provável que obtenhamos duas caras em pelo menos um dos lançamentos.) Portanto, a probabilidade de no lançamento de três moedas obter caras em todas, é 1/2 x 1/2 x 1/2 = 1/8, ou seja, uma possibilidade em oito.

Agora chegamos à parte interessante. Se encararmos cada uma das explicações que os apologistas da Bíblia dão para as inconsistências, interpretações de profecias, erros científicos, traduções erradas, erros de copistas, etc., como acontecimentos independentes (uma explicação sobre a questão de saber se as árvores foram criadas antes dos humanos não afectaria o resultado de uma explicação sobre quantas mulheres foram ao túmulo de Jesus), e atribuirmos um valor numérico que expresse a nossa opinião sobre a probabilidade de a explicação ser verdadeira, podemos calcular a probabilidade de a sequência de acontecimentos completa ser verdadeira, ou seja, a probabilidade de a Bíblia ser de facto infalível.

O valor numérico que escolhermos tem de estar entre 0% (pois se é uma possibilidade, tem de ter um valor superior a 0 [zero, ou impossível]) e 100%. Obviamente, o valor não pode ser 100% a menos que haja uma prova absoluta de que a explicação é verdadeira.

Podemos ser generosos e atribuir um valor de quase certeza à possibilidade de cada um dos argumentos deles ter uma probabilidade de 99% de ser a explicação correcta para cada inconsistência. Estou a escolher este valor, embora me aperceba de que é extraordinariamente alto, principalmente para simplificar os cálculos feitos mais adiante. De este ponto em diante, usarei a forma decimal 0.99 para me referir ao valor 99%.

Lembre-se do que foi dito acima: podemos determinar a probabilidade de uma sequência de acontecimentos simplesmente multiplicando a probabilidade de cada acontecimento pelas probabilidades dos outros acontecimentos. Neste caso, pretendemos encontrar a probabilidade de a Bíblia ser infalível multiplicando a probabilidade de cada explicação das inconsistências ter um grau de certeza de 99% (0.99) de ser verdadeira.

Não sei qual é o número total de inconsistências da Bíblia, mas uma contagem elaborada por Donald Morgan numa página que encontrei na internet, intitulada "Biblical Inconsistencies" [Inconsistências Bíblicas], enumera mais de 330. Se multiplicarmos o número 0.99 por si próprio 330 vezes, obtemos a probabilidade de 3.6%, ou 1 possibilidade em cerca de 28, em como a Bíblia é infalível! Se os conhecimentos matemáticos do leitor estão atrofiados, recorde que multiplicar um número por si próprio é o mesmo que elevá-lo a um certo expoente. Por exemplo, 2 x 2 = 4 seria o mesmo que elevar 2 à segunda potência [elevar ao quadrado]; 2 x 2 x 2 x 2 seria elevar 2 à quarta potência. Muitas calculadoras têm uma tecla para o expoente, que permite ao leitor efectuar estes cálculos com relativa facilidade. Na minha calculadora introduzi os dados assim: 0.99^330=

Se existirem 1000 inconsistências na Bíblia que precisam de explicações, então introduziríamos 0.99^1000= e obteríamos a resposta: 0.0043%, ou 1 possibilidade em 23164, em como a Bíblia é infalível! Obviamente, quanto maior for o número de inconsistências que encontrarmos, menor será a probabilidade de a Bíblia ser infalível.

Ora, eu escolhi 0.99 para simplificar as contas, mas se existirem duas ou mais explicações sobre "como-poderia-ter-acontecido" [how-it-could-have-happened] um evento em particular, podemos supor 100% de certeza em como pelo menos uma delas está correcta, mas a probabilidade de uma escolha em particular (entre três possíveis, suponhamos) estar correcta, teria de ser 33%, ou seja, 0.33. Portanto, para este evento, teríamos de multiplicar a nossa série por 0.33 -- o que teria um efeito drástico! (Note que a série inteira não seria 0.33 elevado a uma certa potência -- só esse evento em particular é que teria uma probabilidade de 0.33!)

Por esta razão, cada cenário conflitante adicional do género "como-poderia-ter-acontecido" [how-it-could-have-happened] que os apologistas apresentam, reduz cada vez mais a probabilidade de a Bíblia ser infalível. Cada interpretação adicional das profecias tem o mesmo efeito. Estranhamente, nem sequer importa quão bizarros os argumentos deles possam ser! Quanto mais argumentos, melhor (para nós)!

Os homens e as mulheres racionais estão muito habituados à incerteza. Os que proclamam a infalibilidade da Bíblia terão de apresentar uma prova absoluta para cada uma das suas histórias, se quiserem escapar ao terreno escorregadio das probabilidades. Sem essas provas absolutas, a pessoa racional, quando interrogada: "É a Bíblia infalível?" só pode responder: "As probabilidades indicam que não."


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