Criação Ex Nihilo — Sem Deus

Mark I. Vuletic


Poucas pessoas conhecem o fato de muitos físicos modernos afirmarem que coisas -- talvez até mesmo o universo inteiro -- podem mesmo surgir do nada por processos naturais. Este documento é uma tentativa de compilar citações que explicam como se supõe que tudo isto funciona.

Mais tarde, eu gostaria de escrever um artigo avaliando o valor das flutuações quânticas no vácuo como meio de produzir universos, mas por agora vou deixar que os cientistas falem por si mesmos e deixo a avaliação ao leitor.

Flutuações no Vácuo e Partículas Virtuais

  1. "No mundo quotidiano, a energia está sempre fixa de modo inalterável; a lei da conservação da energia é uma pedra angular da física clássica. Mas no micromundo quântico, a energia pode aparecer e desaparecer vinda do nada de um modo espontâneo e imprevisível." (Davies, 1983, p. 162)

  2. "O princípio da incerteza implica que partículas podem vir à existência durante curtos períodos de tempo mesmo quando não há energia suficiente para criá-las. Com efeito, elas são criadas a partir das incertezas na energia. Poderíamos dizer que elas "tomam emprestada" por breves instantes a energia necessária para a sua criação e então, pouco tempo depois, pagam de volta o "débito" e desaparecem novamente. Como estas partículas não têm uma existência permanente, são chamadas partículas virtuais." (Morris, 1990, p. 24)

  3. "Embora não as possamos ver, sabemos que estas partículas virtuais estão "realmente ali" no espaço vazio porque deixam um traço detectável das suas atividades. Um efeito dos fotões virtuais, por exemplo, é produzir um pequeno desvio nos níveis de energia dos átomos. Eles também provocam uma mudança igualmente pequena no momento magnético dos eletrões. Estas alterações diminutas mas significativas têm sido medidas de forma muito precisa usando técnicas espectroscópicas." (Davies, 1994, p. 32)

  4. "Predisse-se que [pares de partículas virtuais] têm um efeito calculável sobre os níveis de energia dos átomos. O efeito esperado é diminuto -- apenas uma mudança de uma parte num bilhão, mas tem sido confirmado por experiências.

    "Em 1953 Willis Lamb mediu este estado excitado de energia para um átomo de hidrogênio. Isto é agora chamado de desvio de Lamb. A diferença de energia predita pelos efeitos do vácuo nos átomos é tão pequena que só é detectável como uma transição em freqüências de microonda. A precisão das medições de microondas é tão grande que permitiu a Lamb medir o desvio com cinco algarismos significativos. Ele depois recebeu o Prêmio Nobel pelo seu trabalho. Não restam dúvidas que partículas virtuais estão realmente ali." (Barrow e Silk, 1993, pp. 65-66)

  5. "Na física moderna, o "nada" não existe. Mesmo num vácuo perfeito, pares de partículas virtuais estão constantemente sendo criadas e destruídas. A existência destas partículas não é uma ficção matemática. Embora não possam ser diretamente observadas, os efeitos que criam são muito reais. A suposição de que existem conduz a predições que têm sido confirmadas com um alto grau de precisão por experiências." (Morris, 1990, p. 25)

Flutuações no Vácuo e a Origem do Universo

  1. "Há cerca de 100 milhões de milhões de milhões de milhões de milhões de milhões de milhões de milhões de milhões de milhões de milhões de milhões de milhões (1 seguido de 80 zeros) de partículas na região do universo que podemos observar. Donde vieram? A resposta é que, na teoria quântica, as partículas podem ser criadas a partir de energia em forma de pares partícula/antipartícula. Mas isto suscitou a questão de saber donde vem a energia. A resposta é que a energia total do universo é exatamente zero. A matéria do universo é constituída por energia positiva. Contudo, toda a matéria atrai-se a si própria devido à gravidade. Dois pedaços de matéria que estejam perto um do outro têm menos energia do que se estiverem muito afastados, porque é preciso gastar energia para os separar contra a força da gravidade, que os atrai um para o outro. Portanto, em certo sentido, o campo gravitacional tem energia negativa. No caso de um universo que seja aproximadamente uniforme no espaço, pode mostrar-se que esta energia gravitacional negativa anula exatamente a energia positiva representada pela matéria. Portanto, a energia total do universo é zero." (Hawking, 2000, pp. 152-153)

  2. "Existe uma possibilidade ainda mais notável, que é a criação da matéria a partir de um estado de energia zero. Esta possibilidade surge porque a energia tanto pode ser positiva como negativa. A energia do movimento ou a energia da massa é sempre positiva, mas a energia da atração, como aquela devida a certos tipos de campo gravitacional ou electromagnético, é negativa. Podem surgir circunstâncias nas quais a energia positiva que vai formar a massa das recém-criadas partículas de matéria é exatamente compensada pela energia negativa da gravidade do eletromagnetismo. Por exemplo, na vizinhança de um núcleo atômico o campo elétrico é intenso. Se pudesse ser feito um núcleo contendo 200 protões (possível mas difícil), então o sistema tornar-se-ia instável contra a produção espontânea de pares eletrão-positrão, sem entrada de energia absolutamente nenhuma. A razão é que a energia elétrica negativa pode compensar exatamente a energia das suas massas.

    "No caso gravitacional, a situação é ainda mais bizarra, pois o campo gravitacional é apenas um espaço deformado -- espaço curvo. A energia contida num espaço deformado pode ser convertida em partículas de matéria e antimatéria. Isto ocorre, por exemplo, perto de um buraco negro, e também foi provavelmente a fonte mais importante de partículas no big bang. Assim, a matéria aparece espontaneamente vinda do espaço vazio. Surge então a questão: o bang primevo possuía energia, ou o universo inteiro é um estado de energia zero, sendo a energia de toda a matéria compensada pela energia negativa da atração gravitacional?

    "É possível esclarecer a questão com um simples cálculo. Os astrônomos podem medir as massas das galáxias, a sua separação média, e as suas velocidades de recessão. Introduzindo estes números numa fórmula dá-nos uma quantidade que alguns físicos interpretaram como sendo a energia total do universo. A resposta de fato é zero dentro da precisão observacional. A razão para este resultado notável já por muito tempo tem deixado os cosmólogos intrigados. Alguns sugeriram que existe um princípio cósmico profundo em funcionamento que requer que o universo tenha exatamente energia zero. Se isso é assim, o cosmos pode seguir o caminho da menor resistência, vindo à existência sem requerer qualquer entrada de matéria ou energia." (Davies, 1983, pp. 31-32)

  3. "Assim que as nossas mentes aceitem a mutabilidade da matéria e a nova idéia do vácuo, podemos especular sobre a origem da maior coisa que conhecemos -- o universo. Talvez o próprio universo tenha passado a existir a partir do nada -- uma gigantesca flutuação de vácuo que conhecemos hoje como big bang. É notável que as leis da física moderna permitam esta possibilidade." (Pagels, 1982, p. 247)

  4. "Na relatividade geral, o espaço-tempo pode estar vazio de matéria ou radiação e ainda conter energia armazenada na sua curvatura. Flutuações quânticas aleatórias, não causadas, num espaço-tempo plano, vazio, incaracterístico, podem produzir regiões locais com curvatura positiva ou negativa. Isto é chamado a "espuma do espaço-tempo" e as regiões são chamadas "bolhas de falso vácuo". Onde a curvatura é positiva, uma bolha de falso vácuo, segundo as equações de Einstein, inflacionar-se-á exponencialmente. Em 10-42 segundos a bolha expandir-se-á até ao tamanho de um protão e a energia dentro dela será suficiente para produzir toda a massa do universo.

    "As bolhas começam sem matéria, radiação ou campos de força, e com entropia máxima. Contêm energia na sua curvatura, e portanto são um "falso vácuo". À medida que se expandem, a energia no seu interior aumenta exponencialmente. Isto não viola a conservação da energia porque o falso vácuo tem uma pressão negativa (acredite, tudo isto é conseqüência das equações que Einstein escreveu em 1916) portanto a bolha em expansão de fato funciona por si mesma.

    "À medida que o universo da bolha se expande, ocorre uma espécie de fricção na qual a energia é convertida em partículas. Então a temperatura cai e ocorrem uma série de processos espontâneos de quebra da simetria, como num magnete arrefecido abaixo do ponto de Curie e aparece uma estrutura essencialmente aleatória das partículas e forças. A inflação pára e passamos para o mais familiar big bang.

    "As forças e partículas que aparecem são mais ou menos aleatórias, governadas apenas por princípios de simetria (como os princípios de conservação de energia e momento) que também não são o produto de design, são em vez disso exatamente o que obtemos na ausência de design.

    "As chamadas "coincidências antrópicas", nas quais as partículas e forças da física parecem estar "afinadas com precisão" para a produção de vida à base de carbono são explicadas pelo fato de a espuma do espaço-tempo ter um número infinito de universos brotando, cada um diferente do outro. Acontece simplesmente que nós encontramo-nos naquele universo em que as forças e partículas prestam-se à geração de carbono e outros átomos com a complexidade necessária para permitir a evolução de organismos vivos e pensantes." (Stenger, 1996)

  5. "De onde é que toda a matéria e radiação do universo vieram inicialmente? Intrigante investigação teórica recente por físicos como Steven Weinberg de Harvard e Ya. B. Zel'dovich em Moscovo sugerem que o universo começou como um vácuo perfeito e que todas as partículas do mundo material foram criadas a partir da expansão do espaço...

    "Pense no universo imediatamente a seguir ao Big Bang. O espaço está a expandir-se violentamente com vigor explosivo. No entanto, conforme vimos, todo o espaço está fervendo com pares virtuais de partículas e antipartículas. Normalmente, uma partícula e antipartícula não têm problema em juntarem-se num intervalo de tempo [...] suficientemente pequeno para que a conservação da massa seja satisfeita sob o princípio da incerteza. Durante o Big Bang, porém, o espaço estava a expandir-se tão rapidamente que as partículas foram separadas rapidamente das suas correspondentes antipartículas. Privadas da oportunidade de se recombinarem, estas partículas virtuais tinham de tornar-se partículas reais no mundo real. De onde veio a energia para alcançar esta materialização?

    "Lembre-se que o Big Bang era como o centro de um buraco negro. Um vasto suprimento de energia gravitacional estava portanto associado com a intensa gravidade desta singularidade cósmica. Este recurso providenciou energia abundante para encher completamente o universo com todos os tipos concebíveis de partículas e antipartículas. Assim, imediatamente depois do tempo de Planck, o universo estava inundado com partículas e antipartículas criadas pela expansão violenta do espaço." (Kaufmann, 1985, pp. 529-532)

  6. "[...] a idéia de uma Primeira Causa parece duvidosa à luz da moderna teoria da mecânica quântica. Segundo a interpretação mais geralmente aceite da mecânica quântica, partículas subatômicas individuais podem comportar-se de modos imprevisíveis e há muitos acontecimentos aleatórios, não causados." (Morris, 1997, p. 19)

Referências

  • Barrow, John D. & Silk, Joseph. 1993. The Left Hand of Creation. Londres: J.M. Dent & Sons
  • Davies, Paul. 1983. God and the New Physics. Londres: J.M. Dent & Sons
  • Davies, Paul. 1994. The Last Three Minutes. Nova Iorque: Basic Books
  • Hawking, Stephen. 2000. Breve História do Tempo. Lisboa: Gradiva
  • Kaufmann, William J. 1985. Universe. Nova Iorque: W.H. Freeman & Co
  • Morris, Richard. 1990. The Edges of Science. Nova Iorque: Prentice Hall
  • Morris, Richard. 1997. Achilles in the Quantum World. Nova Iorque: Henry Holt & Co
  • Pagels, Heinz. 1982. The Cosmic Code. Toronto: Bantam
  • Stenger, Victor. 1996. Mensagem na lista DEBATE (19 de março)

Nota do Tradutor

Michael Martin, Atheism: A Philosophical Justification (Filadélfia: Temple University Press, 1990), p. 100:

"Além disso, teorias cosmológicas propostas recentemente sugerem que o universo pode de fato ter sido gerado a partir do nada. Embora uma análise destas teorias recentes esteja fora do âmbito deste livro, é importante compreender que essas teorias estão sendo discutidas e debatidas seriamente por físicos, astrônomos e filósofos da ciência em publicações respeitáveis."

Na nota de rodapé número 7 (p. 493) o autor enumera algumas dessas publicações:

"Veja, por exemplo, Edward P. Tryon, "Is the Universe a Vacuum Fluctuation?" ["O Universo é uma Flutuação de Vácuo?"], Nature, 246, 14 de dezembro de 1973, pp. 396-397; Edward P. Tryon, "What Made the World?" ["O Que Fez o Mundo?"], New Scientist, 8 de março de 1984, pp. 14-16; Alexander Vilenkin, "Creation of Universes from Nothing" ["Criação de Universos a partir do Nada"], Physics Letters, 117B, 1982, pp. 25-28; Alexander Vilenkin, "Birth of Inflationary Universes" ["Nascimento de Universos Inflacionários"], Physical Review, 27, 1983, pp. 2848-2855; L. P. Grishchuk e Y. B. Zeldovich, "Complete Cosmological Theories" ["Teorias Cosmológicas Completas"], The Quantum Structure of Space and TIme, ed. M. J. Duff e C. J. Isham (Cambridge: Cambridge University Press, 1982), pp. 409-422; Quentin Smith, "The Uncaused Beginning of the Universe" ["O Começo Não Causado do Universo"], Philosophy of Science, 55, 1988, pp. 39-57."


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