Confidencialidade Médica e a Proteção da Recusa Autônoma de Sangue por Parte das Testemunhas de JeováOsamu Muramoto
IntroduçãoNa sua resposta1 à minha proposta2 de uma política do tipo nem-perguntas-nem-respostas para a tomada de decisões médicas pessoais quanto às transfusões de sangue, o Sr. Donald Ridley da Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados (STV) fez várias acusações graves que requerem comentários adicionais. No entanto, antes de responder a estes assuntos importantes, tenho de sublinhar que Ridley recorre a exageros e termos extremos para obscurecer as questões que a minha proposta levanta. Ele empurra intencionalmente a minha discussão para um extremo que não reflete a realidade. Por exemplo, ele declara: "Muramoto continua com a sua teoria de que as pessoas nunca agem com base em integridade pessoal e princípios...", "do ponto de vista de Muramoto, as pessoas são motivadas (coagidas) unicamente por pressão dos parceiros e medo da disciplina", e "Muramoto evidentemente pensa que nenhum membro de nenhum grupo ou comunidade é verdadeiramente autônomo se o grupo ou comunidade tem autoridade para disciplinar membros não-concordantes" (ênfase acrescentada). Eu nunca fiz tais declarações extremas que abrangem todos os membros das Testemunhas de Jeová ou os membros em geral de outras organizações. Ao longo dos meus escritos,3 tenho apresentado a situação de Testemunhas de Jeová "dissidentes" que discordam conscienciosamente da política a respeito do sangue. Claro que eles são uma minoria dos membros das Testemunhas de Jeová. Ridley chega ao ponto de inverter completamente o meu argumento ao dizer: "Os argumentos de Muramoto ignoram os elementos da consciência individual". É incompreensível como Ridley chegou a uma conclusão tão distorcida quando todo o ponto dos meus escritos é precisamente proteger a liberdade de consciência dos pacientes individuais que são Testemunhas de Jeová. Ridley também deturpa os meus argumentos ao declarar: "não é imediatamente evidente como diferenças exegéticas entre Muramoto e as Testemunhas de Jeová avançam o discurso ético médico". Aqui ele representa de forma deturpada o meu argumento como se fosse uma diferença entre a minha interpretação bíblica e a das Testemunhas de Jeová. No entanto, mencionei repetidamente nesta série de artigos3 que a diferença é entre Testemunhas de Jeová dissidentes e a controladora STV. Mas não é essa a questão ética que as Testemunhas de Jeová dissidentes estão a levantar. A questão é o rumo que a STV segue ao controlar a tomada de decisões médicas pessoais daquelas Testemunhas de Jeová que têm outros pontos de vista sobre a Bíblia no que diz respeito ao uso médico do sangue. É na verdade um conspícuo problema ético que uma organização religiosa controle a tomada de decisões pessoais, confidenciais e potencialmente salvadoras da vida dos membros individuais relativas a cuidados médicos, baseada em "diferenças exegéticas". Não é claro se Ridley realmente não consegue compreender esta importante questão ética ou se está apenas a fingir que não percebe com o objetivo de obscurecer a questão real. Em qualquer dos casos, o assunto merece "discurso ético médico" e vou fazer comentários adicionais sobre o mesmo nesta resposta. Consciência pessoal ou hipocrisia?Ridley tenta rejeitar a minha proposta declarando que uma política de nem-perguntas-nem-respostas promove a hipocrisia por esconder a discrepância entre ações públicas e privadas. Ridley escreveu que "as Testemunhas de Jeová acreditam que Deus vê tudo o que fazemos, independentemente de se outros humanos conhecem as nossas ações". Assim, nas palavras dele, a tomada de decisões das Testemunhas de Jeová é vista por Deus e Ele é o juiz final. Esse é precisamente o meu ponto: que o assunto de fazer uma escolha sobre transfusões de sangue devia ficar entre a consciência das pessoas que precisam da transfusão e o seu Deus, sem a monitorização, intervenção ou sanção de uma organização. Também é enganador da parte de Ridley dizer que a minha proposta encoraja as Testemunhas de Jeová a agirem em privado "de uma maneira que declaram publicamente ser errada", e que a minha proposta "banaliza as convicções religiosas pessoais das Testemunhas de Jeová ao sugerir que elas ignorem a sua crença de que o amor de Deus significa que devem observar os seus mandamentos". A política do sangue não se originou das "convicções religiosas pessoais" de cada Testemunha de Jeová; o complexo conglomerado de regras para uso médico do sangue foi elaborado pela liderança e entregue às Testemunhas de Jeová para ser seguido. Algumas Testemunhas de Jeová acreditam conscienciosamente que Deus, na Bíblia ou em qualquer outro lugar, não proíbe as transfusões de sangue, e que aceitar uma transfusão de sangue salvadora da vida não é desobedecer aos mandamentos de Deus. Tal como a liderança que as governa decretou conscienciosamente que a transfusão de certos produtos derivados do sangue não viola os mandamentos de Deus, assim também estas Testemunhas de Jeová acreditam conscienciosamente que outros produtos derivados do sangue podem ser transfundidos com o propósito de salvar vidas sem violar os mandamentos de Deus. Elas não "declaram publicamente" as suas opiniões devido às punições draconianas administradas pela sua organização e pelos seus anciãos designados. Uma política do tipo nem-perguntas-nem-respostas só deve ser considerada quando a liberdade de ação de uma pessoa entra em conflito com excessiva pressão dos parceiros. Não há qualquer julgamento moral inerente em tal política. Saber se melhora o comportamento moral ou não, depende de como tal política é implementada. Eu perguntaria ao Sr. Ridley se a mudança de política da STV em 1983, que deixou o sexo oral entre casados como um assunto do foro da consciência pessoal,4 promoveu hipocrisia. A resposta dele deve ser não. Se alguém num quarto particular ou num quarto de hospital escolhe uma ação que ele ou ela acredita não ser proibida pelos mandamentos de Deus, quer seja envolver-se em sexo oral ou receber plasma (um componente do sangue proibido pela STV), então manter essa ação em privado não é hipocrisia. Embora o assunto do sexo oral pareça trivial quando comparado com o assunto do sangue, a imoralidade sexual é proibida em Atos 15:295 em paralelo com comer sangue; a questão de saber se o sexo oral constitui imoralidade sexual foi assunto de discussão na literatura das Testemunhas de Jeová, tanto quanto a questão de saber se a transfusão de plasma é o mesmo que comer sangue. Existem muitos paralelos entre estas duas ações específicas que a STV proíbe. Liberdade de escolha ou mandato organizacional?Ridley usa a frase das escrituras "abstende-vos de sangue" como justificação e validação para as regras organizacionais, mas ele não diz como colocar esta injunção num contexto contemporâneo. O argumento dele salta de conceitos religiosos como Deus, a Bíblia e os cristãos do primeiro século, para um conjunto complexo de regras organizacionais da moderna tecnologia médica sem levar em consideração como é que essas regras complexas se relacionam com os conceitos religiosos. Ele ignora o argumento suscitado pelas Testemunhas de Jeová dissidentes, que questionam a base bíblica para a divisão complexa, equívoca e arbitrária entre frações e procedimentos aceitáveis e inaceitáveis e para toda a doutrina da recusa das transfusões de sangue (enquanto distinta de comer sangue). De fato, para aquelas Testemunhas de Jeová dissidentes, a decisão de aceitar ou recusar sangue não é sobre Deus, a Bíblia ou os cristãos do primeiro século, mas antes sobre que fração do sangue escolhe um paciente Testemunha de Jeová, em comparação com quais as frações que a STV aprova. Enquanto a política da STV proibir certas frações do sangue e permitir outras, em vez de advogar a abstenção de todos os produtos derivados do sangue, contradiz a sua própria interpretação bíblica: "abster-se de sangue significa não introduzi-lo nos nossos corpos de nenhuma maneira".6 Esta contradição, por si só, leva algumas Testemunhas de Jeová a chegar à conclusão de que a política não é baseada em Deus ou na Bíblia. Serviço militarComo funcionário experiente da STV, Ridley sabe que quando a organização "ajusta" qualquer parte da sua política, a maioria das Testemunhas de Jeová submeter-se-ão a ela independentemente da sua escolha pessoal. Isso seria igualmente verdade no caso de praticamente qualquer acréscimo ou subtração às opiniões atualmente aceites. Ocorreu recentemente uma tal mudança no caso da política sobre o "serviço alternativo" às obrigações militares. Até 1995, a STV proibiu os homens Testemunhas de Jeová não só de ingressarem na vida militar como também de prestarem serviço voluntário alternativo, como trabalho em hospitais ou outras tarefas civis que o governo providenciou para objetores de consciência. A STV raciocinou que, sendo um "substituto", tal serviço era equivalente ao serviço militar e assim tem de ser rejeitado. Enquanto esta política esteve em vigor, é um fato documentado que cartas enviadas dos escritórios de filial de países importantes para o corpo governante das Testemunhas de Jeová reconheceram francamente que, globalmente, os jovens nos seus países não compreendiam a base para a posição da STV nesta matéria, mas estavam dispostos a ir para a prisão para se conformarem a ela.7 Milhares de jovens Testemunhas fizeram isso durante cerca de 50 anos. A nova política permite que o assunto fique no foro da consciência pessoal. Ridley introduz a frase "controlo da mente" (um termo que não usei nos meus artigos), mas não é necessário rotular uma situação quando os fatos falam por si mesmos. Milhares de jovens escolheram seguir a agora defunta política e passar tempo na prisão. Eles não foram abertamente coagidos a fazer isso. Mas a maioria claramente não escolheu proceder dessa forma devido a estar firmemente convencida na sua própria mente e coração quanto à justeza ou razoabilidade da política. As cartas dos principais homens designados pela organização nos seus países tornam isso claro. Sem empregar termos como "controlo mental", a evidência de que eles sentiram pressão para se conformarem está ali. A comunidade médica devia aprender do nosso debate que um problema ético mais sério do que o encarceramento por recusa de serviço militar alternativo existe hoje no cuidado médico das Testemunhas de Jeová. Devia a comunidade médica rejeitar isto como uma mera questão teológica interna, conforme Ridley a retrata, quando vidas humanas estão sendo perdidas devido a uma política organizacional que a maioria das Testemunhas de Jeová não compreende e quando a pressão para o conformismo é apoiada pela ameaça de excomunhão? Ridley compara a influência da STV sobre a tomada de decisões das Testemunhas de Jeová com influências externas tais como a televisão, jornais e revistas. Esta analogia é defeituosa porque quem recebe outras influências externas não é pressionado a aceitar opiniões como sendo de Deus, enviadas através do seu canal divino, e não é punido se ele ou ela agirem contra essa influência. Relativamente ao "controlo da mente", Ridley também afirmou que a manipulação coerciva "da maneira que é aplicada a movimentos religiosos, é desprovida de qualquer fundamento científico", citando um memorando interno de 1987 da American Psychological Association (APA) [Associação Psicológica Americana].8 No entanto, o memorando, enviado pelo Board of Social and Ethical Responsibility for Psychology (BSERP) [Diretoria de Responsabilidade Social e Ética Para a Psicologia] para os membros da Task Force on Deceptive and Indirect Methods of Persuasion and Control [Equipa de Trabalho Sobre Métodos Enganadores e Indiretos de Persuasão e Controlo], não expressa rejeição oficial das teorias de controlo mental. Apenas rejeita um relatório preparado pela equipa de trabalho devido à falta de métodos apropriados. O memorando na realidade concluiu que "depois de muita consideração, o BSERP não acredita que tenhamos disponível informação suficiente para nos guiar na tomada de uma posição neste assunto". Esta conclusão está longe da asserção de Ridley de que a manipulação coerciva é "uma teoria redondamente refutada pela comunidade científica há mais de uma década". A diretoria da APA declarou simplesmente que a informação sobre este assunto é insuficiente. Admito que o assunto do "controlo mental" é bastante controverso, requerendo investigações adicionais, mas não foi "redondamente refutado" como Ridley alega. Por exemplo, o amplamente usado critério de diagnóstico de desordens mentais da American Psychiatric Association [Associação Psiquiátrica Americana] (DSM-IV) enumera "lavagem ao cérebro, reforma do pensamento, ou doutrinação enquanto cativo" como exemplos de estados de dissociação devidos a prolongada e intensa persuasão coerciva.9 Prática de ostracismo como coerção organizacionalRidley repete o argumento10 de David Malyon segundo o qual todas as Testemunhas de Jeová juntaram-se à religião livremente com completo entendimento sobre a política do sangue. Aqui Ridley ignora as centenas de milhares que são membros porque foram criados por pais Testemunhas de Jeová e batizados enquanto menores. Eles foram doutrinados na religião desde a infância, com exposição mínima, se é que tiveram alguma, a pontos de vista críticos. É suficiente observar que a STV desencorajou fortemente os jovens Testemunhas de Jeová de procurarem educação superior até 1992, que eles são hoje fortemente desencorajados de participar em fóruns da Internet, e que as crianças das Testemunhas de Jeová são treinadas para recitar a sua posição sobre o sangue para médicos e juízes. Onde está a livre vontade e o completo entendimento da doutrina para esta próxima geração de Testemunhas de Jeová? Ridley insinua que deixar a religião tem um custo social reduzido e que a desassociação de membros não pressiona ninguém para se conformar à política do sangue. Ele declara que é um "fato inquestionável" que "aqueles que desejam deixar a religião ou escolher tornar-se não-participantes inativos, fazem-no prontamente". Ele ainda afirma que a desassociação apenas corta os vínculos espirituais e que "associações não-espirituais não acabam". O fato é que há milhares de ex-Testemunhas de Jeová suportando ostracismo total pelos seus membros de família Testemunhas de Jeová que acreditam que este é o único modo de proceder fiel para as Testemunhas de Jeová. Contrariamente à insistência de Ridley, a associação social é banida. Até o ex-membro do corpo governante Raymond Franz foi desassociado sob a acusação de ter almoçado como o seu empregador que se dissociara da congregação, conforme relatado num artigo da revista Time.11 Quais são os ensinos subjacentes à política de isolamento dos membros desassociados? Ridley usou uma revista A Sentinela de 198112 que eu tinha citado, numa tentativa de mostrar que os "vínculos familiares" não são cortados pela desassociação. Uma leitura cuidadosa da instrução da Sentinela mostra que os "vínculos familiares" que não são afetados pela desassociação são meramente os relacionamentos genéticos e legais dos membros da família. Como Ridley dá aos leitores uma impressão errada acerca destas práticas coercivas, vou clarificar as instruções oficiais da STV. No artigo da Sentinela de 1988 citado por Ridley,13 aparece o seguinte parágrafo a respeito de relacionamentos familiares:
Em resumo, a STV compara a atual prática de desassociação com a execução de malfeitores pelos israelitas. O artigo também declara: "Por diversos motivos sérios, violadores deliberados eram executados. [...] Quando isso acontecia, os outros, mesmo os parentes, não podiam mais falar com o violador da lei, depois que morreu." Em seguida é explicada assim a razão por que os "vínculos familiares" continuam: "O desligamento de alguém da congregação cristã não envolve a morte imediata, de modo que os vínculos familiares continuam a existir." Por outras palavras, a STV ensina as Testemunhas de Jeová a tratar parentes desassociados como se eles estivessem mortos por execução, mas como estão fisicamente vivos, os vínculos genéticos e legais como membro da família continuam. Quando um membro da família imediata vivendo na mesma casa é desassociado, os relacionamentos familiares legais continuam. No entanto, o membro desassociado não tem permissão para participar em quaisquer atividades religiosas como dirigir estudos bíblicos e oração ou discutir assuntos doutrinais. Para um lar cristão, será que isto pode ser considerado "afeições e tratos familiares normais"? É verdade que a STV não recomenda divórcio imediato dos cônjuges desassociados. No entanto, se um homem Testemunha de Jeová fosse desassociado por discordar da política da STV em relação ao sangue e tentasse explicar os seus pontos de vista à esposa, o que aconteceria? Não é permitida tal discussão íntima, nem mesmo dentro do círculo familiar imediato. A STV providenciou um meio para a esposa se separar do marido sem violar a proibição da STV contra o divórcio exceto em razão de adultério: chamam-lhe "absoluto perigo à espiritualidade".14 Sob esta política, uma Testemunha de Jeová ortodoxa pode obter separação legal da Testemunha de Jeová discordante que discutisse os seus pontos de vista. Isto é exatamente o que aconteceu a Wayne Rogers, uma Testemunha de Jeová de segunda geração, da Califórnia, que expressou o seu desacordo consciencioso em relação à política do sangue num e-mail pessoal. A sua esposa Testemunha de Jeová descobriu o e-mail e mostrou-o aos anciãos da congregação. Em resultado disso, Rogers foi desassociado em janeiro de 1999 e a sua esposa obteve uma separação. O testemunho dele sobre desassociação e separação da família ilustra vivamente a tragédia do isolamento praticado pelas Testemunhas de Jeová.15 Para familiares que não estão no círculo imediato da família e para amigos Testemunhas de Jeová, acabam todos os contatos pessoais e sociais exceto os contatos comerciais que sejam necessários. A instrução oficial declara: "Talvez sejam necessárias palestras sobre assuntos comerciais com ele ou contatos no serviço, mas palestras espirituais ou associação social seriam coisas do passado."16 O isolamento [de ex-membros] praticado pelas Testemunhas de Jeová envolve todo o tipo de atividade familiar e social; tem causado traumas psicológicos irreparáveis em muitos lares de Testemunhas de Jeová. De fato, o isolamento é um dos traumas mais dolorosos que muitas ex-Testemunhas de Jeová têm de suportar ao longo de toda a vida. Para detalhes, veja os testemunhos reunidos no site de anteriores Testemunhas de Jeová.17 Como é que esta prática de isolamento funciona para coagir os membros a obedecerem às políticas organizacionais? O artigo da Sentinela citado acima discutiu o atrativo de cortar a associação devido aos resultados que se conseguem dessa forma.18 O artigo citou uma Testemunha de Jeová que disse: "'Cortar inteiramente toda associação com [minha irmã desassociada] [Margaret] testou nossa lealdade ao arranjo de Jeová. Forneceu à nossa família a oportunidade de mostrar que realmente cremos que o modo de Jeová é o melhor.' -- Lynette." Mais adiante o artigo descreve a reação de "Margaret" ao isolamento a que foi submetida: "'Se você tivesse encarado levianamente a desassociação, eu sei que não teria tomado medidas para ser readmitida tão cedo assim. Estar totalmente cortada de entes queridos e do contato íntimo com a congregação criou um forte desejo de arrepender-me. Vim a compreender quão errado meu proceder era e quão sério é voltar as costas para Jeová.'"19 Tais testemunhos publicados nesta revista oficial A Sentinela falam por si mesmos ao mostrarem como a prática do ostracismo funciona para alcançar o conformismo ao "arranjo de Jeová" conforme determinado pela STV. Resumindo esta seção, em resposta à asserção de Ridley de que "Muramoto refere-se repetidamente à 'enorme' pressão para o conformismo que, segundo Muramoto, resulta da prática da desassociação das Testemunhas, baseada na Bíblia ... a desassociação requer ostracismo e corte de vínculos pessoais com os membros da família -- outra deturpação dos fatos", eu apresentei os fatos declarados nas instruções oficiais pela STV e os testemunhos das próprias Testemunhas de Jeová. Realmente, os fatos falam por si mesmos e o isolamento atualmente praticado pela STV [em relação a ex-membros] pode coagir as Testemunhas de Jeová a recusarem transfusões de sangue mesmo correndo o risco de morrerem. Liberdade de associação ou direito de organização?Defendendo a prática coerciva da desassociação e isolamento, Ridley justifica a restrição da liberdade de escolha no cuidado médico dos membros das Testemunhas de Jeová. Ele afirma que a declaração de John Stuart Mill sobre a sociedade livre não se aplica à comunidade das Testemunhas de Jeová porque aplica-se ao governo civil, não obstante a qualificação que citei da declaração de Mill: "qualquer que seja a sua forma de governo". O que Ridley não diz é que a STV ensina que o "governo teocrático" começou na nação hebraica em 1513 AEC e continua sob a forma da um "hodierna organização teocrática" como a STV.20 Na sua revista oficial a STV é igualada a uma "nação separada" e "uma terra teocrática".21 O que é inescapavelmente hipócrita da parte de Malyon e Ridley é usarem a declaração de Mill para exigir liberdade para a sua organização na comunidade humana mais ampla, enquanto simultaneamente promovem entre a comunidade das Testemunhas de Jeová um "governo" que nega a liberdade para seguir valores pessoais mencionada por Mill. A citação de Ridley a respeito de "não-conformistas" que podem "ameaçar o bem estar comum" de uma comunidade só se aplica se a comunidade das Testemunhas de Jeová requerer conformidade total e não permitir o exercício de consciência pessoal, individual. Além disso, a "ameaça" ao bem estar comum não é demonstrada, é apenas alegada. Permitir o exercício de consciência pessoal, individual no assunto do serviço militar alternativo é claramente considerado como não ameaçando o bem estar comum das Testemunhas de Jeová. Por que é, então, que o uso da consciência pessoal, individual, num assunto como uma transfusão de sangue autóloga ameaçaria esse bem estar comum? A única "ameaça" parece ser à autoridade absoluta da liderança das Testemunhas de Jeová e o seu controlo intrometido sobre as decisões das Testemunhas de Jeová individuais. Respeito pela privacidade ou monitorização organizacional?Ridley nega categoricamente a monitorização sistemática das vidas privadas dos pacientes Testemunhas de Jeová pela organização da igreja, dizendo: "As propostas de Muramoto para controlar anciãos alegadamente intrometidos e para educar Testemunhas individuais sobre os seus direitos de privacidade, tratam de problemas inexistentes. Os anciãos das Testemunhas e membros das comissões de ligação com hospitais não são comissionados, explicitamente ou de outra forma, a intrometer-se nos assuntos privados de Testemunhas individuais", "Muramoto não fornece autoridade para estas declarações". O fato impressionante é que Ridley, ele próprio um advogado representando a STV, nunca retrata ou denuncia a política amplamente publicitada, publicada pela STV em 1987, que encoraja os trabalhadores hospitalares que são Testemunhas de Jeová a quebrarem a confidencialidade médica.22 O artigo usou uma hipotética mas típica Testemunha de Jeová que trabalhava num hospital, "Mary", que acidentalmente obteve informação médica confidencial dizendo que uma outra mulher Testemunha de Jeová fizera um aborto no hospital onde Mary trabalhava. O artigo encorajou Mary a quebrar a confidencialidade médica, revelando esta informação aos anciãos da congregação, mesmo sendo essa ação ilegal em muitas jurisdições. Nunca houve qualquer publicação da STV que abolisse ou retratasse esta política notória. Ridley conhece perfeitamente esta política, que repeti em dois lugares nos meus artigos, no entanto ele não providencia qualquer evidência ou documentação para apoiar a sua asserção de que este é um dos "problemas inexistentes" que estou a tratar. Ele passa em revista o assunto da confidencialidade médica na sua resposta e tem uma oportunidade de responder, no entanto ele nunca trata esta política. A ausência distinta de uma resposta do conselheiro jurídico da STV indica que, mesmo que ele assevere a inexistência de uma monitorização dos pacientes pelos parceiros, a política que encoraja a fuga de informações, por vezes ilegal, da confidencialidade médica, ainda está em vigor na comunidade das Testemunhas de Jeová. Obtive recentemente uma cópia de uma carta interna enviada pela STV e posta em circulação entre membros das comissões de ligação com hospitais, mostrando que o "grupo de visitas a hospitais" foi instruído a "verificar" que o paciente que visita já falou com a equipa médica e já lhes disse que ele ou ela precisa de evitar transfusões de sangue.23 Os grupos de visitas a hospitais também são instruídos a contatar os hospitais locais numa base regular para ver se há algum paciente Testemunha de Jeová hospitalizado, de modo que possam visitar todos os pacientes Testemunhas de Jeová. Embora o objetivo primário do grupo não seja monitorizar os pacientes Testemunhas de Jeová, mas antes dar "cuidados pastorais", ainda assim, tais visitas sistemáticas e "verificação" da informação médica privada, como a recusa do sangue, resulta inevitavelmente em monitorização sistemática e, em essência, intromissão na tomada de decisões médicas privadas dos membros. O testemunho seguinte mostra esta prática como uma experiência pessoal de um ancião Testemunha de Jeová.
ConclusãoO Sr. Ridley, um representante oficial da STV, argumenta na sua resposta que não se pode conceder às Testemunhas de Jeová a liberdade para tomarem uma decisão médica pessoal e confidencial de receberem uma fração de sangue proibida [pela STV] porque permitir tal decisão conscienciosa é equivalente a promover hipocrisia. Ele declara ainda que a STV tem o direito de negar a liberdade pessoal das Testemunhas de Jeová de fazerem a escolha de tratamento médico com base na consciência pessoal e de manter tais decisões confidenciais porque isto é necessário para proteger o "bem estar comum" da "sociedade ordeira". Como ele nega a presença de práticas coercivas e invasão da privacidade dos pacientes, eu apresentei evidência adicional de que violações éticas sérias estão sendo usadas atualmente para impor a política do sangue. Obviamente, a declaração oficial do Sr. Ridley requer escrutínio e consideração adicionais pela comunidade médica em geral. Discussões adicionais e alargadas sobre este assunto pelas comunidades médica, ética e religiosa são vitalmente importantes. Pela minha parte, acho que os médicos devem informar todos os pacientes Testemunhas de Jeová que recusam transfusões de sangue salvadoras da vida de que há desacordo interno dentro da comunidade das Testemunhas de Jeová na questão de saber se tal recusa é requerida pelos mandamentos de Deus, e que o paciente é livre de fazer uma decisão conscienciosa de aceitar tal transfusão sob confidencialidade médica total. Termo de responsabilidade: Pontos de vista e opiniões aqui expressas são pessoais e não refletem as do Kaiser Permanente and Northwest Permanente PC. Agradecimento: Agradeço a muitas atuais e anteriores Testemunhas de Jeová que me forneceram documentos úteis e discussão, que formou a base deste artigo. Infelizmente, os seus nomes não podem ser revelados publicamente devido a medo de retribuição pela organização religiosa. Osamu Muramoto, MD, PhD, é membro do Regional Ethics Council [Conselho Regional de Ética] no Kaiser Permanente Northwest Division e neurologista na Northwest Permanente PC, Portland, Oregon, EUA. Correspondência deve ser endereçada a: Kaiser Permanente Interstate Medical Office East, 3550 N Interstate Avenue, Portland, Oregon 97227 USA. Referências e notas1 Ridley, D. T. "Jehovah's Witnesses' refusal of blood: obedience to scripture and religious conscience" ["A recusa de sangue das Testemunhas de Jeová: obediência às escrituras e à consciência religiosa"]. Journal of Medical Ethics 1999;25:469-472. 2 Muramoto, O. "Bioethics of the refusal of blood by Jehovah's Witnesses: part 3. A proposal for a don't-ask-don't-tell policy" ["Bioética da recusa do sangue pelas Testemunhas de Jeová: parte 3. Uma proposta para uma política de nem-perguntas-nem-respostas"] Journal of Medical Ethics 1998;25:463-468. 3 Muramoto, O. "Bioethics of the refusal of blood by Jehovah's Witnesses: part 1. Should bioethical deliberation consider dissident's views?" ["Bioética da recusa do sangue pelas Testemunhas de Jeová: parte 1. Deve a deliberação bioética considerar as opiniões dos dissidentes?"] Journal of Medical Ethics 1998;24:223-230. Muramoto, O. "Bioethics of the refusal of blood by Jehovah's Witnesses: part 2. A novel approach based on rational non-interventional paternalism" ["Bioética da recusa do sangue pelas Testemunhas de Jeová: parte 2. Uma nova abordagem baseada em paternalismo racional não-interventivo"] Journal of Medical Ethics 1998;24:295-301. 4 Anônimo. "Honre o casamento piedoso!" A Sentinela, 15 de setembro de 1983, pp. 27-31. 5 A Bíblia. Atos 15:29. 6 Anônimo. "Respeito piedoso pela vida e o sangue". The Watchtower, 1.º de junho de 1969, p. 327 [em inglês]. 7 Franz, R. In Search of Christian Freedom [Em Busca de Liberdade Cristã]. Atlanta: Commentary Press, 1991, pp. 259-268. Franz, R. Crisis of Conscience [3.ª edição]. Atlanta: Commentary Press, 1999, pp. 121-131 [Crise de Consciência, impressão particular, 1999, pp. 142-160]. Raymond Franz, um ex-membro do corpo governante, mostra citações das cartas de 1978 enviadas pelos membros das comissões de filial de países importantes que questionavam a base bíblica da recusa de serviço alternativo. Note a similaridade com a presente controvérsia interna sobre a base bíblica da recusa de sangue. 8 Board of Social and Ethical Responsibility for Psychology [Diretoria de Responsabilidade Social e Ética Para a Psicologia]. Memo to the members of the Task Force on Deceptive and Indirect Methods of Persuasion and Control [Memorando para os membros da Equipa de Trabalho Sobre Métodos Enganadores e Indiretos de Persuasão e Controlo]. Washington, DC: American Psychological Association [Associação Psicológica Americana], 11 de maio de 1987. 9 American Psychiatric Association [Associação Psiquiátrica Americana]. Diagnostic criteria from DSM-IV [Critérios de diagnóstico do DSM-IV]. Washington, DC: American Psychiatric Association [Associação Psiquiátrica Americana], 1994, p. 232. 10 Malyon, D. "Transfusion-free treatment of Jehovah's Witnesses: respecting the autonomous patient's motives" ["Tratamento das Testemunhas de Jeová sem transfusões: respeitando os motivos autônomos do paciente"]. Journal of Medical Ethics 1998;24:376-381. 11 Osthing, R. N. "Witness Under Prosecution. A secretive and apocalyptic sect shuns a former leader" ["Testemunha Sob Perseguição. Uma seita secreta e apocalíptica evita um anterior líder"]. Time, 22 de fevereiro de 1982, p. 66. 12 Anônimo. "Quando um parente é desassociado ..." A Sentinela, 15 de dezembro de 1981, pp. 22-27, na p. 24. 13 Anônimo. "A disciplina que pode dar fruto pacífico". A Sentinela, 15 de abril de 1988, pp. 26-31, na p. 28. 14 Anônimo. "Quando a paz conjugal estiver ameaçada". A Sentinela, 1.º de novembro de 1988, pp. 20-25, na p. 22. 15 Rogers, W. The Wayne Rogers story [A História de Wayne Rogers]. Disponível on-line em: http://ajwrb.org/members/wayne.shtml 16 Anônimo. "Como encarar a desassociação". A Sentinela, 15 de dezembro de 1981, pp. 16-22, na p. 20. 17 Beacon Light for Former Jehovah's Witnesses [Farol: Luz Para Anteriores Testemunhas de Jeová] (disponível on-line em http://www.xjw.com/) tem vários artigos sobre o ostracismo, incluindo um testemunho de uma ex-Testemunha de Jeová que nunca pôde ver a sua mãe Testemunha de Jeová depois de desassociado até ao funeral dela (http://www.xjw.com/ron-mom.html), e outro testemunho sobre uma devota mãe Testemunha de Jeová que foi desassociada depois de décadas de aderência leal por se ter recusado a evitar o seu filho único (http://www.xjw.com/rawe-df.html). 18 Veja referência 13, p. 26. 19 Veja referência 13, p. 30. 20 Anônimo. "Fé na organização vitoriosa de Jeová". A Sentinela, 1.º de setembro de 1979, p. 15. 21 Anônimo. "O governo de Jeová é uma teocracia". A Sentinela, 15 de janeiro de 1994, p. 14. 22 Anônimo. "'Tempo para falar' -- quando?" A Sentinela, 1.º de setembro de 1987, p. 12. 23 Sociedade Torre de Vigia. Regulamentos do grupo de visitas aos pacientes. Esta é uma carta enviada aos membros das comissões de ligação com hospitais em outubro de 1993. |