Deus Permite Transfusões Naturais de Sangue Total
Andrew W. Lusk
Em 1990 a Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados de Nova Iorque, Inc. fez uma das suas declarações mais importantes de sempre sobre a sua proibição de transfusões de sangue para os seus membros -- as Testemunhas de Jeová. A seção "Perguntas dos Leitores" da edição de 1.º de junho de 1990 da revista A Sentinela, páginas 30-31 (transcrição em anexo no Apêndice 1) diz o seguinte:
"É significativo que o sistema sanguíneo duma gestante é separado do sistema do feto; os seus tipos sanguíneos não raro são diferentes. O sangue da mãe não passa para o feto. Elementos formados (células) do sangue materno não cruzam a barreira placentária para penetrar no sangue do feto nem o faz o plasma como tal. Com efeito, se acidentalmente o sangue da mãe se misturar com o do feto, podem-se desenvolver mais tarde problemas de saúde (incompatibilidade de Rh ou ABO). Contudo, algumas substâncias do plasma passam para a circulação do feto. Será que as proteínas plasmáticas, tais como a imunoglobulina e a albumina também passam? Sim, algumas.
"A gestante tem um mecanismo ativo pelo qual um pouco de imunoglobulina transfere-se do sangue da mãe para o do feto. Visto que essa transferência natural de anticorpos para o feto ocorre em toda gestação, os bebês nascem com certo grau de imunidade normal que os protege contra determinadas infecções.
"Algo similar acontece com a albumina, que os médicos talvez prescrevam como tratamento para estados de choque ou outros quadros clínicos. Os pesquisadores provaram que a albumina plasmática também é transportada, embora menos eficientemente, pela placenta, da mãe para o feto.
Esta transferência natural de algumas frações protéicas do plasma para o sistema sanguíneo de outrem (o feto) pode ser outro fator a ser considerado quando o cristão tem de decidir se aceitará imunoglobulina, albumina ou injeções similares de frações do plasma. Uma pessoa talvez decida que pode aceitar isso em boa consciência; ou talvez conclua que não pode. Cada indivíduo tem de resolver o assunto em base pessoal perante Deus."
Na mente da Torre de Vigia, pesquisadores tinham provado claramente que estes componentes do sangue humano transferem-se naturalmente de um ser humano (a mãe) para outro ser humano (o feto). Claramente, na mente da Torre de Vigia, enquanto "organização escolhida de Deus", Jeová não pode estar a violar a Sua própria lei. Assim, a Torre de Vigia permitiu que as Testemunhas de Jeová usassem a sua própria liberdade de escolha e de consciência para decidirem se aceitam transfusões de alguns componentes específicos do sangue. Isso é muito diferente de uma ação de desassociação ou dissociação que significaria a perda de Deus, morte certa no Armagedom e corte de relações com família e amigos por conscientemente aceitar uma transfusão de um componente "proibido" do sangue ou uma transfusão de sangue total.
A Torre de Vigia voltou a enfatizar esta mudança doutrinal sobre a transferência natural de componentes do sangue na seção "Perguntas dos Leitores" da edição de 15 de junho de 2000 da revista A Sentinela, páginas 29-31.
Mas, apensar desta mudança em 1990, a Torre de Vigia continuou a proibir transfusões de sangue total humano e os seguintes componentes do sangue: glóbulos vermelhos, plaquetas e plasma. A Torre de Vigia também proibiu oficialmente transfusões de glóbulos brancos, exceto se estas fossem chamadas procedimento "peripheral blood stem cell autographing" (que na realidade é outro nome para um tipo de transfusão de glóbulos brancos -- veja o Apêndice 5).
Mas, e se houvesse uma maneira em que Jeová Deus de fato permitisse a transferência natural de sangue total entre dois humanos? E se investigadores tivessem provado a existência de uma transferência de sangue total exatamente como provaram a transferência natural de albumina, qual seria o significado disto?
Obviamente, conforme se mostrou em 1990, a Torre de Vigia (na sua qualidade de "organização escolhida de Deus") reconheceu claramente que se investigadores de fato provassem que um componente do sangue se transfere naturalmente entre dois humanos, então Jeová Deus não pode violar a Sua própria lei. E se Jeová não pode violar a Sua própria lei, transfusões de sangue total, caso a sua existência fosse provada, teriam de ser um assunto para a consciência e liberdade de escolha das Testemunhas de Jeová e não seriam motivo para uma ação de desassociação ou dissociação.
Então, existe alguma investigação com evidência visual que prove que Deus de fato permite que sangue humano total se transfira naturalmente entre dois seres (indivíduos) humanos?
Bem, independentemente da sua opinião sobre o assunto do aborto, lembre-se que a "organização escolhida de Deus", a Torre de Vigia, declarou publicamente que um feto é um ser humano individual.
Ao longo dos últimos 20 anos tem havido uma grande quantidade de investigação científica sobre gêmeos. Porquê? Graças a alguma da tecnologia hoje existente para ajudar as mães e os pais a ter filhos, mais casais do que nunca antes estão a ter gêmeos, trigêmeos e mais. Para as mães e os pais tão desesperados por ter um bebê, não há nada como ter dois ou mais bebês saudáveis. Mas gêmeos podem ter riscos como em alguns poucos casos de gravidezes monocoriônicas (MC) -- daí a necessidade de investigação.
O que é uma gravidez monocoriônica? É uma maneira elaborada de dizer que a mãe vai ter gêmeos idênticos. Um quadro no Apêndice 2 mostra como os fetos são formados desde o momento em que o óvulo é fertilizado com esperma. O que torna única a gravidez monocoriônica é que os fetos (seres humanos individuais) partilham a placenta. A placenta é o órgão que une o feto ao útero da mãe e permite uma troca metabólica para deixar o feto viver à custa dos nutrientes da mãe.
Investigadores como o Dr. Geoffrey Machin e o Dr. M. J. O. Taylor (para nomear apenas alguns) publicaram investigações notáveis sobre gravidezes monocoriônicas em revistas médicas reconhecidas como Ultrasound in Obstetrics and Gynecology.
Então, o que tem a ver uma gravidez de gêmeos idênticos (gestação de gêmeos monocoriônicos) com uma transfusão de sangue total humano? Vejamos a investigação médica.
O Dr. Machin publicou uma opinião intitulada "The monochorionic twin placenta in vivo is not a black box" (A placenta de gêmeos monocoriônicos in vivo não é uma caixa negra) na edição de janeiro de 2001 de Ultrasound in Obstetrics and Gynecology, Volume 17, Número 1, páginas 4-6 (anexa no Apêndice 3).
O Dr. Machin faz claramente referência a ligações vasculares na placenta em gravidezes monocoriônicas. Estas ligações vasculares unem o sistema sangüíneo de ambos os fetos na placenta. Há três maneiras diferentes em que os sistemas sangüíneos são ligados: artéria com artéria (A-A), veia com veia (V-V) e artéria com veia (A-V). A segunda frase do quinto parágrafo do artigo do Dr. Machin diz tudo:
"A maioria das placentas de gêmeos MC têm ligações A-V, portanto usualmente há transfusões entre os gêmeos."
Ora aí está, investigações médicas reconhecidas identificaram dois seres humanos individuais (fetos) transferindo naturalmente sangue total entre si. Isto não é algo novo, conforme se mostra na lista de referências no fim do artigo do Dr. Machin. Claramente, a lista de referências mostra que tinha sido feita uma grande quantidade de investigação médica neste campo nas décadas de 1980 e 1990.
Mas porquê fazer esta investigação? Cerca de 88% do tempo, fetos monocoriônicos nascem como belos gêmeos. Mas, em cerca de 12% dos casos, ocorre uma condição chamada síndroma da transfusão gêmeo a gêmeo (TGG). Síndroma TGG significa que um feto doa demasiado sangue ao outro feto através das ligações vasculares da placenta partilhada. Se for deixada sem tratamento, a síndroma TGG tem uma taxa de sobrevivência de 20%.
O Dr. Taylor et al. publicaram um artigo de investigação médica intitulado "Identification of arterio-venous anastomoses in vivo in monochorionic twin pregnancies: preliminary report" (Identificação de anastomoses artério-venosas in vivo em gravidezes de gêmeos monocoriônicos: relatório preliminar) na edição de setembro de 2000 da revista Ultrasound in Obstetrics and Gynecology, Volume 16, Número 3, páginas 218-222 (anexo no Apêndice 4). Ao ler o artigo, tenha em mente que "anastomoses artério-venosas" (AAV) são ligações entre artérias e veias. Uma "anastomose artério-arterial" (AAA) é uma ligação de artéria para artéria.
O artigo médico fornece mais investigações que identificaram tanto ligações AAA como AAV na placenta partilhada. A investigação de Taylor apresenta fotografias da própria placenta e outras imagens usando ultra-som espectral de Doppler. Assim, o leitor pode ver claramente por si mesmo as ligações vasculares entre o sistema sangüíneo de um feto e o sistema sangüíneo do outro feto na placenta partilhada pelos dois. Taylor et al. também identificaram para que lado o sangue total fluía naturalmente de um gêmeo para o outro gêmeo nestas ligações vasculares usando estudos formais de injeções e as técnicas de ultra-som Doppler. Tal como o Dr. Machin, a lista de referências do artigo de Taylor mostra que a comunidade médica conhece perfeitamente estas transferências naturais de sangue já por algum tempo.
Alguns talvez expressem a preocupação de a Torre de Vigia poder manter em vigor a proibição sobre transfusões de sangue total argumentado que a síndroma de Transfusão Gêmeo a Gêmeo (TGG) é uma "excentricidade da natureza" que "mata" humanos. No entanto, este tópico trata das transferências naturais de sangue em TODOS os fetos gêmeos monocoriônicos e não apenas nos 12% de fetos gêmeos monocoriônicos (Taylor et al.) que desenvolvem a síndroma TGG. Então, porque surge a síndroma TGG? O artigo de opinião do Dr. G. Machin (Apêndice 3) afirma o seguinte:
"As ligações atravessam uma zona especial da placenta MC, chamada equador vascular, que se estende aproximadamente em ângulos retos até uma linha que une as duas interseções de cordões."
Assim, o Dr. Machin explica que os sistemas sangüíneos de cada feto estão sendo ligados numa zona especial (chamada "equador vascular") na placenta que os fetos partilham. Mais adiante no artigo de opinião, Machin afirma isto:
"Ligações vasculares cruzam o equador de três maneiras: artério-arterial (A-A), veno-venosa (V-V) e artério-venosa (A-V). A anatomia destas ligações é explicada e ilustrada no nosso artigo recente.6 "A maioria das placentas de gêmeos MC têm ligações A-V, portanto usualmente há transfusões entre os gêmeos. A pergunta é: por que razão a maioria dos gêmeos MC não desenvolve TGG? A resposta é que tudo depende da combinação e direção das ligações. Os resultados finais em gravidezes de gêmeos MC são largamente determinados pelo número, tipo e diâmetro dos vasos existentes na superfície da placenta. Embora ocorra sempre transfusão ao longo de ligações A-V, outras ligações (incluindo A-A, V-V e A-V em sentido contrário) podem permitir fluxo de volta para o dador. Quando existe fluxo unidirecional sub-compensado numa A-V 'causativa', desenvolve-se TGG. Cada placenta MC tem uma anatomia vascular única, e o espectro da severidade da TGG depende da anatomia exata de cada placenta MC. Estudos de injeção de líquido na placenta pós-parto mostraram que placentas MC de TGG geralmente têm uma anatomia vascular menos complicada, na qual uma ligação A-V causativa é pobremente compensada, nos casos em que é compensada, por quaisquer outras ligações. Placentas MC com muitas ligações permitem compensação e geralmente não desenvolvem TGG."
Conforme o Dr. Machin sugere no artigo de opinião, fetos partilhando uma placenta é uma situação sub-ótima em comparação com ter uma placenta para cada feto. Mas, a resposta de Jeová Deus para proteger os fetos numa gestação monocoriônica (MC) é providenciar uma complexa estrutura vascular natural na zona do "equador vascular" da placenta, com muitas artérias e ligações de veias. O aumento em ligações vasculares providencia mais (não menos) sangue total para transferência natural entre fetos. E quanto mais ligações e transfusões naturais de sangue total houver, as chances de ocorrência de síndroma TGG são significativamente reduzidas e não aumentadas.
É surpreendente, para não dizer completamente inacreditável, que uma organização como a Sociedade Torre de Vigia (Testemunhas de Jeová), que se gaba de ter um quadro de médicos, Serviços de Informações Hospitalares (SIH) e Comissões de Ligação com Hospitais (COLIH) para dar assistência a pacientes Testemunhas de Jeová, e que analisa e cita milhares de periódicos médicos e científicos, nunca tenha trazido à atenção das Testemunhas de Jeová esta "transferência natural" de sangue total entre dois indivíduos humanos.
Conclusão
A investigação médica tem identificado, já por algum tempo, que Jeová Deus na verdade permite a transferência natural de sangue total entre dois humanos distintos. Investigadores provaram claramente que o fenômeno existe e até apresentaram imagens nos seus estudos de gravidezes monocoriônicas.
Conforme mostrado em 1990, a Sociedade Torre de Vigia (enquanto "organização escolhida de Deus") reconheceu que se investigadores de fato provarem que um componente do sangue se transfere naturalmente entre dois humanos, então Jeová Deus não pode violar a Sua própria lei. A Torre de Vigia reconheceu que a mãe e o feto são dois seres humanos distintos. Obviamente, dois fetos também são considerados seres humanos distintos pela Torre de Vigia.
E visto que Jeová não pode violar a Sua própria lei, então transfusões de sangue total devem ser um assunto para a consciência e livre escolha das Testemunhas de Jeová. Agora não existe (e nunca devia ter existido) qualquer justificação para uma ação de desassociação ou dissociação contra aquelas Testemunhas de Jeová que aceitam ou aceitaram transfusões de sangue total.
Apêndice 1
A Sentinela, 1.º de junho de 1990, páginas 30-31.
Perguntas dos Leitores
Aceitam as Testemunhas de Jeová injeções de frações do sangue, tais como imunoglobulinas ou albuminas?
Algumas aceitam, crendo que as Escrituras não proíbem explicitamente que se aceite a injeção de pequenas frações, ou componentes, extraídas do sangue.
Foi o Criador quem primeiro impôs a toda a humanidade a obrigação de evitar ingerir sangue: "Todo animal movente que está vivo pode servir-vos de alimento.... Somente a carne com a sua alma -- seu sangue -- não deveis comer." (Gênesis 9:3, 4) O sangue era sagrado e por isso só podia ser usado em sacrifícios. Não sendo usado para esse fim, devia ser derramado no solo. -- Levítico 17:13, 14; Deuteronômio 12:15, 16.
Não se tratava duma restrição temporária imposta aos judeus. A necessidade de se abster de sangue foi reafirmada para os cristãos. (Atos 21:25) Ao redor deles, no Império Romano, era comum a violação da lei de Deus, pois o povo comia alimentos preparados com sangue. Era também violada por razões "de saúde"; relata Tertuliano que alguns homens ingeriam sangue pensando que isso pudesse curar a epilepsia. 'Engoliam sofregamente, com avidez, o sangue dos criminosos mortos na arena.' Acrescenta: "Corai de vergonha pelos vossos modos vis, diante dos cristãos, que nem mesmo tem o sangue de animais nas suas refeições." As Testemunhas de Jeová da atualidade estão igualmente decididas a não violar a lei de Deus, a despeito de quão comum seja para outros comer alimentos preparados com sangue. Na década de 40, as transfusões de sangue passaram a ser amplamente usadas, e as Testemunhas de Jeová reconheceram que obedecer a Deus requeria que também evitassem transfusões de sangue, mesmo que médicos as recomendassem.
A princípio, a maior parte das transfusões aplicadas consistiam em sangue total. Mais tarde, os pesquisadores começaram a separá-lo em seus componentes primários, pois os médicos concluíram que determinado paciente talvez não precise de todos os principais elementos que compõem o sangue. Administrando-se-lhe apenas um componente, ele correria menos riscos, e os médicos poderiam aproveitar ainda mais o sangue disponível.
Pode-se separar o sangue humano em matéria celular escura e num líquido amarelado (o plasma ou o soro). Os elementos celulares (45 por cento do volume) consistem no que são comumente chamados glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas. O plasma constitui os outros 55 por cento. Este compõe-se de 90 por cento de água, mas transporta pequenas quantidades de diversas proteínas, hormônios, sais e enzimas. Hoje, boa parte do sangue doado é separado nesses componentes primários. Pode-se administrar a um paciente uma transfusão de plasma (talvez plasma fresco congelado; sigla em inglês: FFP) para tratar estados de choque. Mas, a um paciente anêmico, pode-se administrar uma papa de hemácias, isto é, glóbulos vermelhos que foram estocados e daí colocados num líquido e transfundidos. Plaquetas e glóbulos brancos também são transfundidos, embora mais raramente.
Nos tempos bíblicos, o homem não tinha desenvolvido tais técnicas para a utilização desses componentes. Deus simplesmente ordenou: 'Abstende-vos de sangue.' (Atos 15:28, 29) Mas por que deveria alguém pensar que faz diferença se o sangue é total ou separado nesses componentes? Embora alguns homens bebessem sangue, os cristãos se negavam a fazê-lo, mesmo que isso significasse a morte. Acha que eles reagiriam de maneira diferente se alguém coletasse sangue, deixasse-o separar-se e daí lhes oferecesse só o plasma ou apenas a parte coagulada, talvez num chouriço? De modo algum! Portanto, as Testemunhas de Jeová não aceitam transfusões de sangue total nem de seus componentes primários (glóbulos vermelhos, glóbulos brancos, plaquetas ou plasma) usados para o mesmo propósito.
Porém, como sugere a pergunta, os cientistas descobriram frações especializadas do sangue e como empregá-las. Um ponto controvertido comum envolve as proteínas plasmáticas -- globulinas, albumina e fibrinogênio. É provável que o uso terapêutico mais difundido delas seja a injeção de imunoglobulina. Por que se faz isso?
O corpo é capaz de produzir anticorpos contra certas doenças, proporcionando imunidade ativa. Esta é a base para a inoculação antecipada com vacinas (toxóides) contra poliomielite, caxumba, rubéola (sarampo), difteria-tétano-coqueluche (tríplice) e febre tifóide. Contudo, caso alguém recentemente tenha ficado exposto a determinadas doenças graves, os médicos talvez recomendem a injeção dum soro (antitoxina) para dar-lhe imunidade passiva imediata. Até há pouco tempo, tais injeções eram produzidas pela extração de imunoglobulina, que contém anticorpos, duma pessoa já imunizada.* A imunidade passiva obtida da injeção não é permanente, pois os anticorpos injetados são, com o tempo, eliminados do organismo.
Em vista da ordem de 'abster-se de sangue', alguns cristãos acham que não devem aceitar uma injeção de imunoglobulina (proteína), mesmo em se tratando de apenas uma fração sanguínea. Sua posição é clara e simples -- não aceitar nenhum componente do sangue em forma ou quantidade alguma.
Outros acham que um soro (antitoxina), tal como a imunoglobulina, contendo apenas uma pequenina fração do plasma sanguíneo dum doador e usado para reforçar suas próprias defesas contra uma doença, não é o mesmo que uma transfusão de sangue para sustentar a vida. Assim, sua consciência talvez não os impeça de aceitar a imunoglobulina ou frações similares.* É possível que concluam que para eles o que determinará a decisão é primariamente se estarão dispostos a aceitar quaisquer riscos para a saúde decorrentes duma injeção feita à base do sangue de outra pessoa.
É significativo que o sistema sanguíneo duma gestante é separado do sistema do feto; os seus tipos sanguíneos não raro são diferentes. O sangue da mãe não passa para o feto. Elementos formados (células) do sangue materno não cruzam a barreira placentária para penetrar no sangue do feto nem o faz o plasma como tal. Com efeito, se acidentalmente o sangue da mãe se misturar com o do feto, podem-se desenvolver mais tarde problemas de saúde (incompatibilidade de Rh ou ABO). Contudo, algumas substâncias do plasma passam para a circulação do feto. Será que as proteínas plasmáticas, tais como a imunoglobulina e a albumina também passam? Sim, algumas.
A gestante tem um mecanismo ativo pelo qual um pouco de imunoglobulina transfere-se do sangue da mãe para o do feto. Visto que essa transferência natural de anticorpos para o feto ocorre em toda gestação, os bebês nascem com certo grau de imunidade normal que os protege contra determinadas infecções.
Algo similar acontece com a albumina, que os médicos talvez prescrevam como tratamento para estados de choque ou outros quadros clínicos.* Os pesquisadores provaram que a albumina plasmática também é transportada, embora menos eficientemente, pela placenta, da mãe para o feto.
Esta transferência natural de algumas frações protéicas do plasma para o sistema sanguíneo de outrem (o feto) pode ser outro fator a ser considerado quando o cristão tem de decidir se aceitará imunoglobulina, albumina ou injeções similares de frações do plasma. Uma pessoa talvez decida que pode aceitar isso em boa consciência; ou talvez conclua que não pode. Cada indivíduo tem de resolver o assunto em base pessoal perante Deus.
[Nota(s) de rodapé]
* Com técnicas de ADN recombinante, ou engenharia genética, os cientistas estão desenvolvendo produtos similares não derivados do sangue.
* Um exemplo é a imunoglobulina RH; que os médicos podem recomendar quando há incompatibilidade de Rh entre a mulher e seu feto. Outra é o Fator VIII, administrado a hemofílicos.
* A evidência mostra que fluidos não sanguíneos de restauração de volume (tais como a hidroxietila de amido [HES] podem ser eficazmente usados para tratar estados de choque e outros quadros clínicos para as quais antigamente se teria usado uma solução de albumina.
Apêndice 2
Gêmeos Monozigóticos
Na gravidez humana, se o ovo fertilizado (embrião) se subdivide depois do 4.º dia, ocorre um tipo particular de gravidez de gêmeos idênticos conhecida como monocoriônica. Quanto mais tarde o embrião se separar, mais fina será a membrana e mais problemas poderão ocorrer. A maioria das gravidezes STGG (ou TTTS, em inglês) são monocoriônicas-diamnióticas. Também podem ser monocoriônicas-monoamnióticas. São sempre monocoriônicas. Este quadro mostra as várias maneiras em que um embrião se pode subdividir para formar bebês idênticos, do mesmo sexo, dependendo de quantos dias após a concepção ocorre a subdivisão. Se a subdivisão ocorrer ao fim de 12 dias, haverá gêmeos siameses.
Nestes casos os gêmeos partilham uma placenta unificada. Estudos destas placentas indicam que, quase invariavelmente, encontram-se na placenta vasos sangüíneos comunicantes que ligam os cordões umbilicais e as circulações dos gêmeos. Em aproximadamente 12% dos casos, a partilha torna-se tão desproporcionada ou desigual que ocorre a síndroma TGG.
Apêndice 3
"Opinion -- The monochorionic twin placenta in vivo is not a black box" (Opinião -- A placenta de gêmeos monocoriônicos in vivo não é uma caixa negra), Dr. Geoffrey A. Machin, edição de janeiro de 2001, Ultrasound in Obstetrics and Gynecology, Volume 17, Número 1, páginas 4-6 (clique nas imagens para ampliar).
Apêndice 4
"Identification of arterio-venous anastomoses in vivo in monochorionic twin pregnancies: preliminary report" (Identificação de anastomoses artério-venosas in vivo em gravidezes de gêmeos monocoriônicos: relatório preliminar), Dr. M. J. O. Taylor et al., edição de setembro de 2000, Ultrasound in Obstetrics and Gynecology, Volume 16, Número 3, páginas 218-222 (clique nas imagens para ampliar).
Apêndice 5
"Medical Ethics in the Treatment of Jehovah's Witnesses" (Ética Médica no Tratamento de Testemunhas de Jeová), Dr. Osamu Muramoto, edição de 25 de maio de 1998, Archives of Internal Medicine, Volume 158, Editor's Correspondence, páginas 1155-1156 (clique nas imagens para ampliar).
Ética Médica no Tratamento de Testemunhas de Jeová
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Li com grande interesse o artigo recente de Kerridge et al1 sobre o primeiro caso documentado do uso de peripheral blood stem cell autografting numa Testemunha de Jeová. Este caso tem implicações profundas na ética médica do tratamento de Testemunhas de Jeová. À medida que evoluem novas tecnologias relacionadas com tratamentos à base de sangue, tem-se tornado um assunto complexo saber se esses tratamentos são ou não aceitáveis para as Testemunhas de Jeová. Um dos aspectos mais difíceis ao tratar Testemunhas de Jeová em anos recentes é que essas decisões são muitas vezes feitas arbitrariamente por responsáveis das igrejas [congregações] locais em comissões de ligação com hospitais ou altos funcionários na sede da Sociedade Torre de Vigia em Brooklyn, Nova Iorque. Embora sejam publicadas orientações pela Sociedade Torre de Vigia, representantes [da Sociedade Torre de Vigia] freqüentemente decidem sobre a aceitabilidade de tratamentos incomuns numa base individual. Em resultado disso, artigos médicos por vezes relatam práticas inconsistentes. Por exemplo, apesar das orientações2 freqüentemente usadas que declaram claramente que as Testemunhas de Jeová não aceitam sangue depositado antecipadamente, há relatórios que mostram que algumas estão dispostas a aceitar tratamentos envolvendo sangue autólogo depositado antecipadamente ou componentes do sangue.
O caso relatado por Kerridge et al ilustra este ponto. Neste caso, foi determinado por representantes da igreja [congregação] que peripheral blood stem cell autografting era aceitável, embora este procedimento seja uma forma de transfusão de glóbulos brancos do sangue, que são explicitamente proibidos pela Sociedade Torre de Vigia.2 Embora a Sociedade Torre de Vigia no passado tenha condenado transplantes de órgãos como sendo "canibalismo", baseada em argumentos bíblicos similares àqueles que tem usado para condenar transfusões de sangue, ela agora considera todos os transplantes, incluindo os transplantes de medula óssea, como sendo um "assunto de consciência."3 Isto significa que Testemunhas de Jeová individuais podem decidir por si mesmas se usarão ou não este tratamento e, mais significativo, que não serão ostracizadas pela Sociedade Torre de Vigia por desafiarem os seus mandamentos. Dado este pano de fundo, é provável que a Sociedade Torre de Vigia tenha considerado blood stem cell autografting como permissível enquanto forma de transplante de órgão. Não é claro como isto foi equilibrado com o fato de peripheral blood stem cell autografting ser também uma forma de transfusão de sangue autólogo.
As Testemunhas de Jeová proíbem transfusões de sangue porque as encaram como uma forma de comer sangue, o que elas dizem ser proibido na Bíblia. A Sociedade Torre de Vigia ensina que comer e infundir sangue são similares porque nutrientes podem ser "comidos" por via intravenosa. A Sociedade ilustra isto argumentando que beber álcool e infundir álcool por via intravenosa tem o mesmo resultado.4 No entanto, ignora o fato de as células do sangue transfundido não serem digeridas ou absorvidas, em vez disso permanecem biológica e funcionalmente intactas. O argumento da Sociedade Torre de Vigia ignora o fato de as transfusões de sangue serem comparáveis a transplantes de órgãos com órgãos celulares, e que transplantes de órgãos são aceitáveis. O uso de peripheral blood stem cell autografting em Testemunhas de Jeová é notável neste respeito porque o tratamento envolve tanto transplante como transfusão, 2 procedimentos que são praticamente impossíveis de separar conceptualmente.
Acredito que este relatório de caso é um marco na história do tratamento médico das Testemunhas de Jeová. Em primeiro lugar, mais uma opção pode ser acrescentada à lista de tratamentos aceitáveis para as Testemunhas de Jeová. Em segundo lugar, e mais importante, já é tempo de a comunidade médica exigir que a controladora Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados codifique as suas regras num todo simples e consistente que a comunidade médica possa seguir facilmente.
Osamu Muramoto, MD, PhD
Portland, Ore
1 Kerridge I, Lowe M, Seldon M, Enno A, Deveridge S. Clinical and ethical issues in the treatment of a Jehovah's Witness with acute myeloblastic leukemia (Questões clínicas e éticas no tratamento de uma Testemunha de Jeová com leucemia mieloblástica aguda). Arch Intern Med. 1997;157:1753-1757. MEDLINE
2 Dixon JL, Smalley MG. Jehovah's Witnesses: the surgical/ethical challenge (Testemunhas de Jeová: o desafio cirúrgico/ético). JAMA. 1981;246:2471-2472. MEDLINE
3 Questions from readers: could a Christian accept a bone-marrow transplant since blood is made in the marrow? Watchtower. 1984;5/15:31 (Perguntas dos leitores: Poderia o cristão consentir num transplante de medula óssea, uma vez que o sangue é produzido na medula? A Sentinela. 1984;15/11:31).
4 Watch Tower Bible and Tract Society of Pennsylvania. Reasoning From the Scriptures: 1989. Brooklyn, NY: Watch Tower Bible and Tract Society of Pennsylvania; 1989:73 (Raciocínios à base das Escrituras: 1989:345).
As opiniões aqui expressas são pessoais e não refletem as da organização de manutenção de saúde Kaiser Permanente ou da Pacific Northwest Permanente PC.
"Clinical and Ethical Issues in the Treatment of a Jehovah's Witness With Acute Myeloblastic Leukemia" (Questões Clínicas e Éticas no Tratamento de uma Testemunha de Jeová com Leucemia Mieloblástica Aguda), Dr. Ian Kerridge et al., edição de 25 de agosto de 1997, Archives of Internal Medicine, Volume 157, páginas 1753-1757 (clique nas imagens para ampliar).
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