Sangue, Levítico 17:10 e a Lei MosaicaJan S. Haugland e Lee Elder
Comecemos por lê-los, juntamente com os comentários da Sociedade Torre de Vigia na brochura sobre o sangue:
Neste ponto é útil analisar como a brochura corrente da Sociedade Torre de Vigia trata estes versículos. Aqui está uma citação direta:
Portanto, nestas partes da Lei mosaica encontramos detalhes a respeito do sangue. Este deve ser derramado no chão e qualquer pessoa que o coma deliberadamente será decepada. Será que estes textos estão a reafirmar e alargar o assim chamado "pacto eterno" encontrado em Gênesis capítulo 9? Conforme já vimos, esse pacto não era eterno, pelo menos não era eterno em todos os aspectos. Além disso, estes mandamentos são claramente uma parte da Lei de Moisés. Isto é muito importante pois os cristãos não estão sob a Lei mosaica.
Consequentemente, os textos da Lei de Moisés não têm em si mesmos, ou por si só, qualquer relevância na questão de saber se era apropriado um cristão usar sangue. A Lei mosaica foi pregada na estaca junto com Cristo. Ficou anulada, vazia e sem qualquer força ou efeito. Argumentar em contrário é negar as verdades simples afirmadas claramente ao longo de todos os escritos de Paulo e no Novo Testamento.
A Sociedade Torre de Vigia tem reconhecido isso muitas vezes nos seus escritos:
Apesar disto, a Sociedade Torre de Vigia acha apropriado citar essas leis defuntas para apoiar a sua política sobre o sangue. À medida que avançamos na leitura da brochura, deparamo-nos com um exemplo particularmente flagrante de atribuir aos textos bíblicos um sentido que pura e simplesmente não está lá:
Será que a Lei mosaica realmente declara a proscrição do Criador dessa forma? Com certeza que não. Em nenhum lado lemos sobre "a proscrição do Criador a se tomar sangue para sustentar a vida." O que lemos é que o Criador proscreve "comer" sangue. Esta é uma diferença subtil mas importante. Existem muitas coisas que fazemos para sustentar a vida: respirar oxigênio, beber água, servir-nos de alimento, dormir e assim por diante. Está claramente estabelecido que, de uma perspectiva médica ou científica, receber uma transfusão de sangue não é o mesmo que comer sangue. Por isso, a Sociedade Torre de Vigia sente necessidade de encontrar alguma maneira de ligar as duas coisas. Ela faz isso ao argumentar que quando a Bíblia diz para não "comer sangue", o que isto realmente quer dizer é não sustentar a vida com sangue. Claramente, não é isto o que os textos dizem. Consideremos o parágrafo seguinte da brochura:
Agora, honestamente, será que é razoável referir-se a um grupo de soldados esfomeados como uma "emergência", ou é isso uma tentativa desastrada para associar o relato com as modernas emergências médicas que requerem transfusões de sangue? Qual de nós iria igualar uma crise médica de vida ou morte com um bando de guerreiros esfomeados? Também vale a pena sublinhar mais uma vez o uso da expressão "sustentar" como substituto para a palavra "comer". Isso é uma manipulação deliberada do relato bíblico. É uma tentativa de fazê-lo dizer algo que ele não diz. Por outro lado, o que esta história bíblica nos ensina é muito interessante. Repare no que aconteceu a estes soldados esfomeados que, numa "emergência", decidiram "sustentar a vida" comendo carne "junto com o sangue":
Apesar de a Lei mosaica exigir a morte de alguém que deliberadamente comesse sangue, a conseqüência do pecado grave destes soldados israelitas foi uma reprimenda verbal. No entanto, se uma Testemunha de Jeová hoje tiver uma emergência médica e aceitar uma transfusão de sangue, com toda a probabilidade será sancionada pela Sociedade Torre de Vigia e ser-lhe-á negado um relacionamento normal com os seus amigos Testemunhas de Jeová e membros da família. As suas ações serão vistas como um pecado grave merecedor da morte e expulsão da congregação. O sangue estava no centro da Lei mosaica, com o seu sistema de sacrifícios animais, e tinha grande significado na vida de um israelita, visto que o derramamento de sangue podia expiar temporariamente o pecado. Claramente, nesse contexto o sangue era sagrado. Ao derramá-lo no chão e cobri-lo com terra, um caçador israelita mostrava o seu respeito pela vida que tinha tirado com permissão divina. Adicionalmente, um animal devidamente sangrado estaria mesmo morto e o caçador estaria em conformidade com o mandamento encontrado em Gênesis 9:4 que, conforme vimos, essencialmente significava que não se devia comer o animal quando este ainda estava vivo. Por fim, ao não comer o sangue, o israelita mostrava o seu apreço pelo significado do sangue usado no arranjo de sacrifícios animais do templo. Vale a pena ler os capítulos 17 e 18 de Levítico para apreciar o contexto em que estas proibições ocorrem. Uma análise cuidadosa é reveladora. Por exemplo, o leitor talvez fique surpreendido ao ver quão preciosa é toda a vida para Deus. Se um israelita, ao matar um animal doméstico, não o trouxesse ao sacerdote para que o sangue fosse aspergido sobre o altar, ele tinha culpa de sangue e merecia a morte, exatamente como se tivesse morto outro humano! (Levítico 17:3-6) Os requisitos eram muito mais simples quando envolviam animais selvagens e a caça, embora o sangue ainda tivesse de ser derramado no chão. (Levítico 17:13) Os requisitos mais estritos envolvendo um animal doméstico provavelmente ficam a dever-se ao seu uso como sacrifício de participação em comum envolvendo o adorador, o sacerdote e Jeová. Uma pergunta lógica neste ponto seria: "Qual é o significado do sangue?" Há alguma coisa especial nele, alguma propriedade mágica? A pergunta pode ser respondida se considerarmos o que a lei tinha a dizer sobre animais que morriam de causas naturais ou talvez mortos por um predador:
Podemos facilmente imaginar uma situação em que um israelita se encontrasse perdido, ou forçado pelas circunstâncias a permanecer num local, e sem comida. Se ele encontrasse um animal morto, claro que perceberia que o animal não tinha sido devidamente sangrado. A lei permitia-lhe comer este animal conforme providenciado no texto, desde que ele seguisse o que é claramente um ritual do código da lei. Se Deus estava disposto a permitir que um israelita comesse sangue sob estas circunstâncias, não estaria ele disposto a permitir que alguém aceitasse uma transfusão de sangue para preservar a vida numa emergência médica? É razoável assumir que sim. Além disso, encontramos disposições adicionais na Lei a respeito de residentes forasteiros e de comer sangue de animais não sangrados:
Note que a razão apresentada para não comer o corpo morto é que os israelitas são um "povo santo". Não é o sangue ou a sua santidade que está em causa. Isto é claro pois Deus não se importa que não-judeus comam a carne com o sangue nela. Se raciocinarmos sobre tudo isto, torna-se evidente que o sangue em si mesmo não era sagrado. Não possui propriedades mágicas. O sangue que corre pelas veias de uma criatura viva representa a vida e se alguém tirava uma vida tinha de derramar o sangue no chão, devolvendo-a a Deus. No caso de um animal que morria por si mesmo, nenhum humano tinha tirado uma vida, e este requisito podia ser posto de lado. O único assunto envolvido era a limpeza cerimonial. É importante notar que a proibição contra comer sangue de um animal não teria resultado na morte de um homem ou mulher devotos. De fato, muitas vezes argumenta-se que o objetivo destas observâncias, em parte, era proteger a saúde dos crentes. Mas se essa proibição for aplicada a um procedimento médico, resulta freqüentemente no sofrimento e morte de Testemunhas de Jeová. Tal conseqüência é suficiente para mostrar que esta extensão adicional da proibição contra comer sangue não faz parte das intenções da Lei mosaica. Vale a pena notar que nenhum grupo de judeus aplica estas sanções ao uso médico do sangue, nem mesmo os judeus mais ortodoxos que estão sempre tão preocupados em não desagradar a Deus. Ao concluirmos a nossa análise desta seção da Bíblia, estabelecemos o seguinte:
Antes de avançarmos para a análise do último texto usado pelas Testemunhas de Jeová, em Atos dos Apóstolos, é importante tomarmos nota da ordem pela qual as proibições ocorrem no livro de Levítico, pois isto vai ser essencial para entendermos a próxima seção em Atos capítulo 15:
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