Não São Admitidos Bastardos

Farrell Till


A lei de Moisés impedia aqueles de nascimento ilegítimo de entrar na assembléia de Deus: "Um bastardo não entrará na assembléia de Iavé; mesmo até à décima geração nenhum dos seus entrará na assembléia de Iavé" (Deuteronômio 23:2). Apesar da clareza desta declaração, aparentemente não era aplicada quando os descendentes de "bastardos" tinham alcançado um estatuto social importante. As genealogias bíblicas mostram, por exemplo, que Davi foi um descendente em nona geração de Perez, o filho bastardo de Judá e Tamar (Gênesis 38:24-30; Rute 4:18; 1 Crônicas 2:5-14). No entanto, Davi obviamente não viu negada a sua entrada na assembléia, apesar de descender de alguém que tinha nascido ilegitimamente.

Os bibliólatras argumentarão que Davi estava isento da restrição porque, se Perez for considerado a primeira geração, então Davi foi a décima geração e por isso era elegível para entrar na assembléia. O argumento inerrantista é que a restrição estendia-se mesmo até à décima geração mas não incluía esta, por isso os fundamentalistas pensam que conseguiram somar mais uma vitória na sua busca sem fim para explicar as inconsistências bíblicas que nós céticos repelentes continuamos a apontar.

A explicação deles, contudo, é apenas outra tentativa de se agarrarem a pormenores, porque a expressão no hebraico original não significa mesmo até, como a seguinte tradução literal mostrará:

Um bastardo não entrará na assembléia de Jeová; mesmo uma décima geração dele não entrará na assembléia de Jeová (Young's Literal Translation of the Holy Bible).

A idéia de até não estava no original. A expressão, portanto, não significa que os descendentes de bastardos deviam ser banidos da assembléia até -- mas não incluindo -- a décima geração. A intenção óbvia [da proibição] era denotar um banimento permanente, para sempre. Os descendentes de bastardos eram simplesmente personae nongratae na assembléia sagrada de Iavé, independentemente de quanto tempo tivesse passado desde a ocorrência da indiscrição -- exceto, como já dissemos, em casos de estatuto social importante.

Podemos esperar que os bibliólatras insistam que a intenção da restrição sobre os bastardos era bani-los apenas até à décima geração, o que teria permitido a Davi entrar à justa. Para o avanço do argumento, vamos admitir que isso era assim como eles dizem e depois vamos pedir-lhes que expliquem por que é que os descendentes de Aarão, o primeiro sumo sacerdote de Israel, não foram banidos da assembléia "até" à décima geração.

Segundo Êxodo 6:23, Aarão casou com uma mulher chamada Eliseba, que era "a filha de Aminadabe, a irmã de Nasom." A importância disto pode ser vista quando a genealogia do bastardo Perez é examinada. Aminadabe era um descendente de Perez em quarta geração (Rute 4:18; 1 Crônicas 2:5-10), por isso a mulher de Aarão era descendente de Perez em quinta geração. Os filhos de Aarão nascidos a Eliseba (Nadabe, Abiú, Eleazar e Itamar, Êxodo 6:23) eram assim descendentes do bastardo Perez em sexta geração, e todos eles eram consagrados para servir como sacerdotes na assembléia de Iavé (Números 3:2-3). Isto soa muito como se eles tivessem "entrado na assembléia de Iavé."

Nadabe e Abiú trouxeram sobre si a desgraça e, em típico estilo Iaveistico, foram mortos (Levítico 10:1-2), mas Eleazar figurou de modo proeminente em atividades sacerdotais durante todo o período de 40 anos de deambulações pelo deserto. Os bibliólatras não podem argumentar que o banimento dos bastardos da assembléia ocorreu depois de os filhos de Aarão terem sido consagrados, porque Eleazar serviu como sacerdote muito depois dos eventos registrados em Deuteronômio, onde foi estipulada a restrição aos bastardos. Eleazar é mencionado em serviços sacerdotais durante todo o livro de Josué e só morreu mesmo no fim do livro (Josué 24:33). Neste ponto, o filho de Eleazar chamado Finéias (um descendente de Perez apenas da sétima geração) assumiu o cargo de Eleazar e estava a servir nesse cargo ainda em Juízes 20:29. De fato, Iavé tinha conferido a Finéias e aos seus descendentes "o pacto de um sacerdócio eterno" depois de Finéias ter trespassado com uma lança um homem israelita e uma mulher midianita que tinha apanhado no ato de adultério (Números 25:6-13). Nessa ocasião, Iavé não parecia preocupado com o fato de Finéias ser um descendente direto do bastardo Perez.

Talvez algum leitor inerrantista nos queira explicar porque é que não há inconsistência em nada disto.


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