2006-02-17

A Proibição do Sangue

A Proibição do Sangue

Jan S. Haugland


A Watchtower [A Sentinela] de 1.º de Julho de 1951, p. 414, numa extensa coluna intitulada "Pergunta dos Leitores," argumentou enfaticamente que as Testemunhas de Jeová têm de se abster de transfusões de sangue. Em vista do medo óbvio de responsabilidade legal, a observação que precede essa secção é interessante:

"Um caso judicial recente, envolvendo testemunhas de Jeová e a sua posição a respeito das transfusões de sangue, provocou comentários generalizados na imprensa pública e entre as pessoas em geral. Foram levantadas muitas questões. As mais frequentes foram as seguintes, e vieram de várias localidades."

Note que este artigo foi publicado um ano e meio antes do artigo que levantou a proibição sobre as vacinas. Portanto a proibição sobre as vacinas ainda estava em vigor. Não admira que os argumentos usados sejam idênticos àqueles usados para proibir as vacinas.

"Quais são as bases das Escrituras para recusar as transfusões de sangue?

"Jeová fez um pacto com Noé a seguir ao Dilúvio, no qual estava incluída esta ordem: 'A carne com a vida nela, que é o sangue que está nela, não deveis comer.' (Gén. 9:4)"

Contudo, enquanto a "nova luz" de 1952 disse que uma vacina não era uma violação do pacto de Deus com Noé, as transfusões de sangue eram-no. Génesis 9:4 ainda é fundamental para o argumento usado pelas Testemunhas de Jeová contra o uso médico do sangue.

Tal como a Sociedade usou muitos "argumentos médicos" contra as vacinas, propaganda negativa acerca do sangue enche a literatura da Watchtower actualmente. O artigo de 1951 disse:

"E que os entusiastas das transfusões que têm um complexo de salvação ponderem o facto de em muitas ocasiões as transfusões fazerem mal, espalharem a doença e causarem mortes que, claro, não são publicitadas."

E finalmente, para se protegerem a si mesmos contra o ímpar caso dos tribunais:

"Cada um decide por si mesmo, e assume a responsabilidade pela sua decisão. As testemunhas de Jeová consagram as suas vidas a Deus e sentem-se vinculadas à sua palavra, e com estes pontos em vista, elas decidem individualmente o seu caminho pessoal e assumem a sua responsabilidade pessoal por isso perante Deus."

Que a Watch Tower Society não mudou a sua opinião acerca das vacinas, mas recebeu meramente "nova luz" para evitar responsabilidades legais pelas mortes, é evidente na The Watchtower [A Sentinela] de 1.º de Novembro de 1961, p. 670:

"Como a Bíblia proíbe que se coma o sangue, como é que os Cristãos devem encarar o uso de soros e vacinas? A Sociedade mudou o seu ponto de vista neste assunto? -- J.D., E.U.A.

"A Bíblia é muito clara ao dizer que o sangue só podia ser usado correctamente no altar, nas outras situações devia ser derramado no chão. (Lev. 17:11-13) Toda a prática médica moderna envolvendo o uso do sangue é objectável do ponto de vista Cristão. Por essa razão, é errado receber uma transfusão de sangue ou, em vez disso, a infusão de alguma fracção do sangue para suster a vida de uma pessoa.

"Quanto ao uso de vacinas e outras substâncias que podem envolver de algum modo o uso de sangue na sua preparação, não se deve concluir que a Watch Tower Society apoia isto e diz que a prática é correcta e própria. Contudo, a vacinação é uma prática virtualmente inevitável em muitos segmentos da sociedade moderna, e o Cristão pode encontrar algum conforto nestas circunstâncias no facto de este uso não ser realmente um processo de alimentação ou nutrição, que é o que foi especificamente proibido quando Deus disse que o homem não devia comer sangue, mas é uma contaminação do sistema humano.

"Portanto, conforme foi afirmado na The Watchtower [A Sentinela] de 15 de Setembro de 1958, página 575, "Seria portanto um assunto de decisão pessoal se uma pessoa deve aceitar esses tipos de tratamento ou não." Esse ainda é o ponto de vista da Sociedade sobre o assunto. -- Gál. 6:5.

"Contudo, o Cristão maduro não tentará encontrar nisto uma justificação para tantos outros usos médicos do sangue quanto possível. Antes pelo contrário, reconhecendo que toda a prática é objectável, ele ficará tão longe disso quanto possível, solicitando outro tratamento onde tal estiver disponível."

Tão recentemente como em 1961, as vacinas ainda eram "erradas," mas não o suficiente para a Sociedade arriscar responsabilidade legal. Chamava-se às vacinas "contaminação," mas não eram -- e note bem este ponto -- consideradas um processo nutritivo.

O facto de tomar vacinas e soros não ser o mesmo que comer sangue é um "conforto" e deixa o assunto nas mãos do indivíduo -- ou pelo menos é isso o que a Watchtower Society diz.

Alas, não é este o caso com as transfusões de sangue. Até hoje, a proibição do sangue é baseada na afirmação da Watchtower Society de que uma transfusão de sangue é o mesmo que comer sangue:

"Um paciente no hospital pode ser alimentado pela boca, pelo nariz, ou pelas veias. Quando são dadas soluções de açúcar intravenosamente, chama-se alimentação intravenosa. Portanto, a própria terminologia do hospital reconhece como alimentação o processo de introduzir nutrição no nosso sistema pelas veias. Assim, o assistente que administra a transfusão está a alimentar o paciente com sangue através das veias, e o paciente que o recebe está a comer sangue pelas suas veias." (The Watchtower [A Sentinela], 1.º de Julho de 1951, p. 415)

Mais uma vez devemos ter presente que as pessoas que fazem estas afirmações são as mesmas que anos antes tinham dito que "pessoas ponderadas prefeririam ter varíola em vez de serem vacinadas," e argumentaram que uma amigdalite era pior do que o suicídio com uma faca! A perícia médica deles devia ser encarada com alguma reserva (estamos a ser benévolos), e não existe evidência de que o entendimento da Bíblia deles fosse muito melhor. Certa vez a The Golden Age [A Idade de Ouro] descobriu que a expressão Hebraica para "uma língua" em Génesis 11:1 significa literalmente "um lábio," portanto a revista concluiu: "O lábio deles deve ter sido feito da mesma maneira geral..." (13 de Julho de 1927, p. 663)

A proibição do sangue tornou-se gradualmente uma instituição das Testemunhas de Jeová. Uma longa lista de regras e regulamentos a respeito do sangue foi estabelecida ao longo dos anos, da qual estes são alguns exemplos.

  • As Testemunhas de Jeová são obrigadas a verificar junto do homem do talho se existe alguma hipótese de a carne que é vendida vir de animais que não foram devidamente sangrados. Mais, elas terão de descobrir que palavras são usadas para produtos derivados do sangue na sua área, e verificar junto do produtor em caso de dúvida. (The Watchtower [A Sentinela], 1.º de Novembro de 1961, p. 669)

  • As Testemunhas de Jeová têm de se certificar que o peixe é devidamente sangrado. (ibid.)

  • As Testemunhas de Jeová não podem alimentar os seus animais de estimação com comida que contém sangue, nem pode um animal de estimação receber uma transfusão de sangue. (The Watchtower [A Sentinela], 15 de Fevereiro de 1964, p. 127)

  • As Testemunhas de Jeová não podem permitir que uma sanguessuga se alimente do seu próprio sangue. (The Watchtower [A Sentinela], 15 de Junho de 1982, p. 31)

  • As Testemunhas de Jeová não podem usar fertilizante que contenha sangue (The Watchtower [A Sentinela], 15 de Outubro de 1981, p. 31)

  • Uma Testemunha de Jeová que possua um estabelecimento comercial não tem permissão de vender produtos derivados do sangue (The Watchtower [A Sentinela], 15 de Julho de 1982, p. 26)

  • As Testemunhas de Jeová não podem armazenar o seu próprio sangue antes de uma operação (The Watchtower [A Sentinela], 1.º de Março de 1989, p. 31)

Junte-se a isto o facto de ao longo dos anos várias regras especiais terem sido estabelecidas, especificando quais as componentes do sangue que são ilegais e quais as que são "um assunto de consciência," e quais são os procedimentos médicos envolvendo sangue que são ilegais e quais os que são "um assunto de consciência." Vê-se facilmente porque é que este é um campo complicado para uma Testemunha de Jeová que deseja permanecer leal à Watch Tower Society.

E têm de ser leais. Se uma Testemunha de Jeová decide salvar a sua vida, a da sua esposa ou a dos seus filhos de forma contrária às regras da Watchtower, ele seria desassociado da congregação, o que obrigaria os seus amigos e família a ostracizarem-no.

"Em vista da seriedade de introduzir sangue no sistema humano através de uma transfusão, será que a violação das Escrituras Sagradas neste aspecto sujeita o pessoa dedicada e batizada que recebe uma transfusão de sangue a ser desassociada da congregação Cristã?

"As Escrituras Sagradas inspiradas respondem que sim." (The Watchtower [A Sentinela], 15 de Janeiro de 1961, p. 63)

No caso de alguém considerar a hipótese de quebrar esta regra em segredo, pode estar certo de que Deus não o vai deixar escapar. A Watch Tower Society insinuou que Deus puniria os pais por uma transfusão de sangue deixando que o seu filho nascesse morto! E se a criança sobrevivesse, eles morreriam todos mais tarde no Armagedom:

"Esforços para salvar a vida por meios contrários às Escrituras nunca podem produzir resultados bons duradouramente. Quão néscio é pensar que uma pessoa pode salvar a vida violando as leis do Dador da vida! Embora isso possa ter resultados aparentemente benéficos no momento, pode depois acarretar uma doença e bebés que nascem mortos como resultado directo de tal modo de proceder néscio. Mesmo se não ocorre nenhum dano físico para o paciente nem para os seus filhos, a violação da lei de Deus compromete seriamente a oportunidade de uma pessoa ganhar a vida eterna no novo mundo de Deus." (The Watchtower [A Sentinela], 15 de Setembro de 1961, p. 565)

A Watch Tower Society está desesperadamente decidida a impedir as Testemunhas de Jeová de "poluirem o seu corpo" por qualquer meio.

Entretanto, ocorreu outro desenvolvimento que lança mais luz sobre o pensamento na Sede da Watchtower.