Parte 5: Como as Testemunhas de Jeová Foram Ilegalizadas: O Caso de Ewald Vorsteher

Escrito por Mehmet Aslan, Grenzach-Wyhlen (Alemanha)
Editado por M. James Penton


A edição de 22 de agosto de 1995 da revista Despertai! é completamente omissa quanto à razão por que as Testemunhas de Jeová foram proscritas na Alemanha em 1933 ou como foi que passaram a ser perseguidas pelo regime de Hitler. As Partes 2, 3 e 4 desta série já demonstraram que originalmente os líderes e porta-vozes da organização que governa essa religião, a Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados de Nova Iorque, procuraram transigir com os Nazis em vez de os enfrentarem como têm alegado já há muito tempo.

A ordem de proscrição de 24 de junho de 1933 contra as Testemunhas de Jeová surgiu em resultado de um erro da parte das autoridades -- um erro pelo qual as Testemunhas de Jeová se deviam sentir dolorosamente embaraçadas hoje, pois esse erro prova que elas estavam muito prontas a transigir nos seus princípios.

Até agora as políticas das Testemunhas de Jeová têm geralmente sido descritas [por elas] como refletindo crédito sobre a sua história. A verdade -- tal como em muitos casos a respeito delas -- é muito diferente. Constitui uma condenação gravíssima dos líderes dessa religião que afirma ser 'o representante de Deus na terra', de fato, o único 'canal de comunicação' entre Deus e o homem.


Ewald Vorsteher

A base para a ordem de proscrição dos Nazis em 24 de junho de 1933 foi -- conforme já mencionado -- um erro da parte das autoridades. Os fatos são estes: em maio de 1933 a Gestapo fez uma busca na casa de Ewald Vorsteher. Eles encontraram escritos que denunciavam implacavelmente os objetivos anti-semitas e desumanos do regime de Hitler. Esses escritos diziam que os Nazis fizeram uso das mentiras mais iníquas jamais ditas por um partido político e que Hitler, Göring e Frick eram ministros latindo com sede de sangue; eles eram monstros semelhantes a Nero, cuja intenção era massacrar os seus oponentes. O sofrimento de vários grupos de pessoas foi completamente revelado e claramente condenado nesses escritos.

Ewald Vorsteher é um herói e a sua memória deve ser honrada. É por isso que a documentação aqui apresentada sobre as Testemunhas de Jeová e o Regime de Hitler é dedicada a ele.

Ele é um herói da fé cristã que lutou pela dignidade humana e estava disposto a nadar contra a onda do regime de Hitler e das Testemunhas de Jeová.

Em 1921 e 1922, Ewald Vorsteher, de Wuppertal-Barmen, era um trabalhador na filial da Sociedade Torre de Vigia em Barmen. Em 1923 ele foi desassociado ou excomungado por se ter conscienciosamente recusado a seguir as ordens religiosas e políticas do Juiz J. F. Rutherford, o presidente americano da Sociedade Torre de Vigia. Outros juntaram-se à volta dele, chamando a si mesmos 'Amigos da Verdade'. Os Nazis imputaram às Testemunhas de Jeová a responsabilidade pelas atividades de Ewald Vorsteher. Isto foi um erro da parte deles, mas deu-lhes uma base substancial para ilegalizar o movimento das Testemunhas.

As Testemunhas de Jeová ficaram embaraçadas pelas atividades de Vorsteher. Em vez de concordarem com os ataques muito justificados dele ao regime de Hitler, elas dissociaram-se de Vorsteher e condenaram-no severamente. Numa carta datada de 28 de janeiro de 1935, dirigida ao Nazi Home Ofice [Escritório da Sede Nazi], um dos representantes oficiais da Sociedade Torre de Vigia, Hans Dollinger, deixou claro que as Testemunhas de Jeová não estavam dispostas a ter nada que ver com as atividades de Vorsteher.

A carta diz:

"A causa da proscrição [das Testemunhas de Jeová pelo governo alemão] de 24 de junho de 1933, e o único incidente específico afetando essa proscrição, foi o relatório apresentado pelo chefe da polícia em Wuppertal em 31 de maio de 1933, Ref.-Nr. I Ad 60001. Este relatório foi dado erroneamente, como a sede da polícia de Wuppertal reconhece. O relatório da sede da polícia em Wuppertal foi dado com base na suposição de que o incidente em questão se relaciona com a Associação dos Estudantes da Bíblia [Testemunhas de Jeová]. Isto foi subseqüentemente reconhecido como um erro."1

Se as Testemunhas de Jeová queriam levantar as suas vozes em protesto contra os Nazis, como afirmam que fizeram na edição de 22 de agosto de 1995 da revista Despertai!, esta teria sido a sua melhor oportunidade para falar abertamente a este respeito. No entanto, em vez de concordarem com a denúncia do regime de Hitler feita por Vorsteher, elas dissociaram-se completamente dele e das suas atividades.

A carta de Dollinger citada acima prossegue dizendo:

"O incidente relatado pela sede da polícia, que depois levou à ordem proibitiva contra a Sociedade, consistia em acusações rancorosas contra o Chanceler do Reich, feitas por um certo Ewald Vorsteher de Barmen em 31 de maio de 1933, que foi preso imediatamente. [...] Depois de 1923, ele já não manteve qualquer contato com a Associação dos Estudantes da Bíblia, tendo a Sociedade, por seu lado, desassociado ele oficialmente (1923)."2

As Testemunhas de Jeová acusam Vorsteher de ter dirigido "acusações rancorosas contra o Chanceler do Reich". Será que os ataques de Vorsteher não eram justificados -- ataques contra o menosprezo da dignidade humana pelo regime de Hitler? Será que essas "acusações rancorosas" de Vorsteher não eram também ataques indiretos àquelas Testemunhas que tomaram uma posição de transigência e de anti-semitismo a favor de Hitler? As Testemunhas de Jeová não levantaram as suas vozes em defesa de Ewald Vorsteher, nem denunciaram a injustiça de Hitler e dos Nazis nesse tempo, contrariamente ao que querem fazer acreditar ao público em geral hoje. A carta de Dollinger conclui com as seguintes palavras:

"Este incidente [envolvendo Vorsteher] prova ser o único "material" específico levando à ordem proibitiva."3

Hoje, dificilmente qualquer Testemunha de Jeová ou membros neutros do público em geral sabem que, segundo o representante da Sociedade Torre de Vigia, esse foi o "o único "material" específico levando à ordem proibitiva." Se é assim, certamente isso não reflete nenhum crédito sobre a história das Testemunhas de Jeová.

Hitler e os Nazis não ficaram impressionados com o comportamento transigente das Testemunhas. A ordem proibitiva não foi alterada em resultado da carta de Dollinger. Uma carta posterior dele para o servo civil sênior do Reich, datada de 29 de janeiro de 1935, diz:

"Prezado Senhor:

"[...] A partir [da leitura] dessa cópia [do relatório do chefe da polícia de Wuppertal], fiquei dolorosamente a saber da coisa ultrajante que este homem chamado Vorsteher fez. Certamente posso compreender que o Estado Nacional Socialista não tolerará tal coisa."4

O representante da Torre de Vigia enfatizou como foi "ultrajante" o comportamento de Vorsteher e -- conforme diz a carta -- que o Estado Nacional Socialista, razoavelmente, não iria tolerar tal coisa.

Quanto ao comportamento "ultrajante" de Vorsteher, será que ele não fez aquilo que as Testemunhas de Jeová alegam hoje que fizeram, nomeadamente, enfrentar heroicamente o regime de Hitler desde o início?

Se há uma pessoa que podia ter corretamente alegado ter feito isso, era Ewald Vorsteher. Podemos imaginar qual deve ter sido o destino dele às mãos dos Nazis.

Na sua carta, Hans Dollinger foi cândido até ao ponto de ser rude:

"Sinto uma profunda dor por este ato de loucura de um homem maluco, que parece ter enviado arbitrariamente os seus "produtos" para todos os endereços que conseguiu obter, ter servido como a base para a ordem proibitiva contra uma denominação de mentalidade verdadeiramente cristã, a Associação dos Estudantes da Bíblia."5

O comportamento corajoso de Vorsteher é descrito como um "ato de loucura de um homem maluco". Será que não poderíamos chamar corretamente ao comportamento das Testemunhas de Jeová para com o regime de Hitler um "ato de covardia e transigência"?

Dollinger continua com o seu argumento quanto a por que a Sociedade não devia ser confundida com Vorsteher:

"Estou convencido de que da parte das autoridades não houve perspicácia suficiente para o fato de que os Amigos da Verdade não têm absolutamente nenhuma ligação com a Associação dos Estudantes da Bíblia, e que esta é a única causa à qual a ordem proibitiva contra a Associação dos Estudantes da Bíblia pode ser traçada. Durante todos os anos em que o Nacional Socialismo tem lutado pela Alemanha, a Associação dos Estudantes da Bíblia nunca tentou enfraquecer essa luta. [...] Nós temos de recusar claramente sermos responsabilizados pelo que este Vorsteher fez."6

Isto não soa como se as Testemunhas de Jeová tivessem levantado as suas vozes contra Hitler; em vez disso, elas transigiram na sua integridade devido a medo e oportunismo.


Notas

1 Documentos g23 e g24:

Documento g23

Documento g24

Tradução dos Documentos g23 e g24:

"Sobre a Associação dos Estudantes da Bíblia

A causa da proscrição de 24 de junho de 1933, e o único incidente específico afetando essa ordem:

O relatório apresentado pelo chefe da polícia em Wuppertal em 31 de maio de 1933, Ref.-Nr. I Ad 60001.

Este relatório foi dado erroneamente, como a sede da polícia de Wuppertal reconhece.

O relatório da sede da polícia em Wuppertal foi dado com base na suposição de que o incidente em questão se relaciona com a Associação dos Estudantes da Bíblia. Isto foi subseqüentemente reconhecido como um erro.

I

O signatário [Dollinger] e o cidadão americano M. C. Harbeck, Brooklyn, contataram a sede da polícia em Wuppertal em 10 de fevereiro de 1933; a reunião teve lugar enquanto se examinavam os ficheiros no diretor do Departamento Político (Sr. Beine). Foi declarado:

II

O incidente relatado pela sede da polícia, que depois levou à ordem proibitiva contra a Sociedade, consistia em acusações rancorosas contra o Chanceler do Reich, feitas por um certo Ewald Vorsteher de Barmen em 31 de maio de 1933, que foi preso imediatamente. Até 1923, Vorsteher tinha sido um Estudante da Bíblia; em 1923 ele deixou a associação e estabeleceu um movimento separado chamado Sociedade dos Amigos da Verdade, cuja principal tarefa era lutar contra a Associação dos Estudantes da Bíblia. A revista dele, publicada pela primeira vez em 1923, tinha cessado a publicação em 1925 ou 1926 devido a falta de leitores. Depois de 1923, ele já não manteve qualquer contato com a Associação dos Estudantes da Bíblia, tendo a Sociedade, por seu lado, desassociado ele oficialmente (1923).

III

Em Dusseldorf, Vorsteher foi enviado para a prisão por ter caluniado o governo (Ref. Nr. 16 b KM 45/33 St. A. Dusseldorf). O registo do tribunal deve confirmar a nossa explanação.

IV

A sede da polícia em Wuppertal sabe que o relatório então dado está errado. Por ocasião da visita em 10 de janeiro de 1933 mencionada acima, isto foi explicitamente confirmado pelo diretor do Departamento Político (Sr. Beine) [em resposta] à minha pergunta. Este último disse-nos que sabia que Vorsteher não é Estudante da Bíblia, mas antes um Amigo da Verdade. A minha pergunta quanto a se ele sabia que os Amigos da Verdade nem são o mesmo que a Associação dos Estudantes da Bíblia, nem mantêm contato com eles, foi confirmada na afirmativa. Ao meu pedido quanto a se ele podia relatar o incidente ao Prussian Home Office [Escritório Prussiano da Sede], esse funcionário sugeriu que peçamos ao Escritório da Sede para requerer um relatório que ele daria. Literalmente, ele disse: 'Têm de certificar-se de que o Escritório da Sede pede um relatório neste caso, então nós corrigiremos o assunto de acordo com os fatos entretanto declarados.'

V

O caso foi apresentado ao Prussian Home Office [Escritório Prussiano da Sede] em 10 de maio de 1933 (a Fischer, o Chefe do Departamento do Ministério). Foi feito um requerimento para pedir o relatório de Wuppertal.

VI

Este incidente prova ser o único "material" específico levando à ordem proibitiva."

2 Ibid.

3 Ibid.

4 Documentos g25 e g26:

Documento g25

Documento g26

Tradução dos Documentos g25 e g26:

"Para o servo civil sênior do Prussian Home Office

Prezado Senhor,

Tenho a honra de entregar a cópia anexa do relatório do chefe da polícia de Wuppertal, tal como prometido. A partir [da leitura] dessa cópia, fiquei dolorosamente a saber da coisa ultrajante que este homem chamado Vorsteher fez. Certamente posso compreender que o Estado Nacional Socialista não tolerará tal coisa.

Sinto uma profunda dor por este ato de loucura de um homem maluco, que parece ter enviado arbitrariamente os seus "produtos" para todos os endereços que conseguiu obter, ter servido como a base para a ordem proibitiva contra uma denominação de mentalidade verdadeiramente cristã, a Associação dos Estudantes da Bíblia.

Estou convencido de que da parte das autoridades não houve perspicácia suficiente para o fato de que os Amigos da Verdade não têm absolutamente nenhuma ligação com a Associação dos Estudantes da Bíblia, e que esta é a única causa à qual a ordem proibitiva contra a Associação dos Estudantes da Bíblia pode ser traçada.

Durante todos os anos em que o Nacional Socialismo tem lutado pela Alemanha, a Associação dos Estudantes da Bíblia nunca tentou enfraquecer essa luta.

Nem em qualquer discurso proferido, nem em qualquer forma escrita, nem em todas as suas políticas alguma vez a associação fez qualquer declaração negativa contra o Nacional Socialismo. Isto aplica-se à [Associação dos Estudantes da Bíblia na] Alemanha e às suas muitas centenas de milhares de concrentes [dela] bem como [aqueles] em países estrangeiros em geral.

Nós temos de recusar claramente sermos responsabilizados pelo que este Vorsteher fez.

Vorsteher é um indivíduo isolado que foi desassociado por nós em 1922 ou 1923 porque ele não estava disposto a obedecer às regras que são seguidas pela associação e que estão de acordo com a lei.

Devia ser um ponto a favor da associação que sob nenhuma circunstância ela tolerou pessoas agindo independentemente com respeito a matérias de conformidade com a lei. O fato de a associação sempre ter lidado estritamente com tais matérias é uma garantia dada às autoridades de que nenhuns elementos dúbios de qualquer espécie foram tolerados e que nenhuns indivíduos agindo independentemente tiveram permissão de usar a associação como trampolim ou plataforma.

Ao longo dos anos nós atribuímos a maior importância a esta posição, e não há qualquer caso em que seguidores da associação tenham eles próprios entrado em conflito com a lei ou tenham arrastado a associação para um tal conflito.

Por isso só podemos descrever como trágico o fato de num caso em que a associação provou a sua intenção de ser estritamente obediente à lei, estarmos sendo contrariados devido a circunstâncias pelas quais não podemos ser responsabilizados.

Espero e peço-lhe que examine estas matérias no futuro, e que nos possa ser dada a oportunidade de prestar contas a si -- pois deste modo a imensa dor espiritual dos meus concrentes será levada a um fim por uma completa reabilitação [da nossa associação] por ordem das autoridades.

Mit deutschem Gruß [uma forma branda de 'Heil Hitler']

5 Ibid.

6 Ibid.


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